RevBrasAnestesiol.2017;67(6):663---669
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
CARTAS
AO
EDITOR
Anestesia
para
obstruc
¸ão
intestinal
em
uma
crianc
¸a
de
seis
anos
com
síndrome
COFS
Anesthesia
for
intestinal
obstruction
in
a
six
years
old
child
with
cerebro-oculo-facio-skeletal
syndrome
CaraEditora,
Relatamos a administrac¸ão de anestesia a uma paciente
deseisanoscomsíndromecérebro-óculo-fácio-esquelética
(COFS) atendida no servic¸o de urgência de nosso
hospi-taldevidoàobstruc¸ãointestinal.Apacientejáestavaem
acompanhamentopelodepartamentopediátricoefoi
previ-amentediagnosticadacomCOFSpelospediatras.
A paciente apresentava sinais característicos da
sín-drome, inclusive falha de crescimento (peso em 6kg),
caquexia,micrognatismoemicrocefalia.Apresentava
tam-bémaberturabucalpequena,dentic¸ãoanormal,contraturas
em flexão de cotovelos e joelhos. Os exames de sangue
pré-operatóriosestavamdentrodoslimitesnormais,exceto
porproteínaCreativa(40mg.dL−1)eleucócitos(18
×103).
Efusãopleuralevólvulosabdominaisforamobservadosem
suas radiografias.Ossinaisvitais iniciaisestavamna faixa
normal. O acesso venoso foi estabelecido com cateteres
de calibre 24G. A anestesia foi induzida com sevoflurano
a 8% em mistura de ar/oxigênioe 12mcgde fentanil por
via intravenosa.A intubac¸ãofoi feitacomumtubo
endo-traquealcom balão (4,0mm) com sucesso.A manutenc¸ão
da anestesia foi fornecida com sevoflurano a 2% em
mis-tura de ar/oxigênio e fentanil. A ventilac¸ão da paciente
foicontroladaapressão.Nãohouveproblemasrelacionados
aosanestésicosduranteaoperac¸ão,quedurou135minutos
(min).Apósobterrespirac¸ãoadequadaespontaneamente,a
pacientefoiextubadasemproblemas.
A síndrome COFS foi primeiramente descrita por Pena
e Shokeir em 1974 e é reconhecida como uma doenc¸a
autossômica recessiva rara, caracterizada por defeito
na reparac¸ão do DNA1. A síndrome deCockayne Tipo II é
conhecidacomoCOFS.Problemasdegenerativosdocérebro
edamedulaespinhalsãogeralmenteobservadosantesdo
nascimento.Osachadosclínicossãoretardodo
desenvolvi-mentopsicomotor,disfunc¸ãoneurológica,neuropatia
peri-férica,microcefalia,micrognatia, hipotonia,hiporreflexia,
convulsõesecataratacongênita.Asíndromeestáassociada
a dificuldades de alimentac¸ão, perda auditiva
neurossen-sorial, coxa valga, contratura em flexão do joelho.1 A
degenerac¸ãoneurológicaprogressivapodelevaraoriscode
hipercalemiacomousodesuccinilcolinanessespacientes.
Hárelatosnaliteraturaquedescrevemaadministrac¸ãode
anestesiana síndrome deCockayne, masnenhum sobrea
administrac¸ãodeanestesianaCOFS.Omanejodeviaaérea
difícilé umdos problemas mais importantesno processo
da anestesia. Além disso, devido às contrac¸ões e
osteo-porose,umtratamentoadequado deveserconsideradoao
posicionaropacienteduranteacirurgia.
É difícil prever os efeitos dos relaxantes musculares
nesses pacientes devido à caquexia, quase ausência de
músculos,comdesenvolvimentoinsuficientedajunc¸ão
neu-romuscular; portanto, os relaxantes musculares devem
ser evitados. Encontramos apenas um caso na
litera-tura no qual relaxante muscular não foi usado durante
a anestesia.2 A intubac¸ão traqueal foi feita com
sevoflu-rano em combinac¸ão com óxido nitroso nesse paciente,
queforaagendadoparabiópsiahepáticaeoprocedimento
durou13min. Também nãousamosrelaxante muscular na
induc¸ão e manutenc¸ão da anestesia. A durac¸ão de nosso
procedimento foi de 135min. Usamos tubo endotraqueal
apropriadoparaopesoemvezdeapropriadoparaaidade,
mas preferimos o tubo com balão para evitar o risco de
aspirac¸ão.
Em conclusão, todas essas anomalias e disfunc¸ões
associadas requerem atenc¸ão e experiência. Usar tubos
endotraqueaismenoreseevitarousoderelaxantemuscular
duranteaintubac¸ãosãocondutasquepodemser
considera-dasduranteomanejoanestésiconaCOFS.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.LyonsK.Unusualbrainand/orneuromuscularfindingswith asso-ciated defects cerebro-oculo-facio-skeletal (COFS) syndrome. Smith’srecognizablepatternsofhumanmalformation.7th ed; 2013.p.234.
664 CARTASAOEDITOR
AhmetYükseka,YükselElab,ElifDo˘ganBakib,∗
e SerdarKokulub
aAfyonKocatepeUniversity,FacultyofMedicine,
AnesthesiologyandReanimationDepartment, Afyonkarahisar,Turquia
bKocatepeUniversity,FacultyofMedicine,Anesthesiology
andReanimationDepartment,Afyonkarahisar,Turquia
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:elifbaki1973@mynet.com(E.D.Baki).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2017.04.002
0034-7094/
©2016SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.Publicadopor
ElsevierEditoraLtda.Este ´eumartigoOpenAccesssobuma
licenc¸aCCBY-NC-ND(
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Hipoxemia
grave
após
vasoconstric
¸ão
hipóxica
pulmonar
e/ou
inibic
¸ão
da
vasoconstric
¸ão
hipóxica
pulmonar
por
anestésicos
inalatórios:
potencial
prognóstico
de
frac
¸ões
de
shunt
de
100%
Severe
hypoxemia
follows
hypoxic
pulmonary
vasoconstriction
and/or
hypoxic
pulmonary
vasoconstriction
inhibition
by
inhaled
anesthetics:
prognostic
potential
of
100%
shunt
fractions
CaraEditora,
Avasoconstric¸ãohipóxicapulmonar(VHP)foidescritapela
primeiravezporBindsleyetal.empacientesadultosefoi
tratadacomainserc¸ãodecateterdeduplolúmenpara
ven-tilarumdospulmõescomoxigênioa100%eoutrocomN2a
95%eoxigênioa5%duranteanestesiavenosacom
barbitú-ricoefentanil.1Noentanto,a‘‘inibic¸ãodaVHP’’temsido
predominantementeatribuídaaousodeagentesinalatórios
eéconsideradacomocausadehipóxiaduranteaanestesia.
Alémdisso, estudostantoin vitroquantoin vivo
demons-traramqueosagentesinalatóriosinibemaVHPem várias
condic¸ões2---5 e sevoflurano demonstrou diminuir aVHP de
mododose-dependente.4,6,7
Relato
de
caso
Relatamos aqui um caso de hipoxemia grave durante a
induc¸ãocomsevofluranoemummeninodeseisanos,
agen-dado paracirurgia de adenotonsilectomia. O paciente foi
tratadodeacordocomaclassificac¸ãodaSociedade
Ameri-canadeAnestesiologistas(ASA)comoASAIepesava22kg.
Avaliac¸õesnopré-operatório,examesfísicoseexames
labo-ratoriaisindicaramnormalidadeeosníveisdehemoglobina
ehematócritodopacienteeramde12mg.dL−1e36%,
res-pectivamente.Apósatransferênciaparaasaladecirurgia
semmedicac¸ãopré-anestésica,amonitorac¸ãohabitualteve
início com eletrocardiograma (ECG), pressão arterial não
invasivae níveisdeSpO2.Ainduc¸ãodaanestesia foifeita viamáscarafacialeumcircuitodeanestesiapediátricoque
forneceusevofluranoa8%em oxigênioa100%aumataxa
de6L.min−1.Subsequentemente,asconcentrac¸õesde
sevo-flurano foramreduzidasa5%noprimeiro minutoea 2%a
partirdaperdadereflexociliar.Apósacanulac¸ão intrave-nosa, rocurônio (0,6mg.kg−1) foi administradoe osníveis
deSpO2rápidaeprogressivamentediminuíramde98%para
38%aos10e15minutos(min)deinduc¸ão,respectivamente,
sem explicac¸ão clínica. Comoconsequência, a frequência
cardíaca(FC)dopacientediminuiusubitamentede109para
90bpmemrespostaàhipóxiaeasconcentrac¸õesde
sevoflu-ranoforamreduzidasa2%e,subsequentemente,
interrom-pidasantesdaintubac¸ãotraquealeventilac¸ãocomoxigênio a100%.Foipossívelobterumaventilac¸ãopulmonareficiente
durantetodooperíodo.Umamelhoriaclínicafoiobservada
em poucossegundos deintubac¸ãoe ventilac¸ãoe osníveis
deSpO2 eFC retornaramaos100%e 118bpm,
respectiva-mente. Nãoobservamos anormalidadesna pressãoarterial
duranteoprocedimentoeaprontarecuperac¸ãodeSpO2eFC
comoxigênioa100%foiconsideradasintomáticadereac¸ão
adversaaomedicamento.Portanto,aanestesiafoimantida
comsevofluranoa1---1,5%eoxigênioemN2Oa50%.
Discussão
AVHPéconsideradaummecanismodeprotec¸ãoque
apri-moraaofertadeoxigêniosistêmico.Portanto,acredita-se
que ainibic¸ão daVHPpor agentesinalatórioscause
hipó-xiaduranteaanestesia.Contudo,osefeitosprotetoresda
VHP contra a hipóxia podem depender do tamanho das
regiõespulmonaresafetadas.Ostecidospulmonaressão
glo-balmente afetados por todos os anestésicos inalatórios e
sevoflurano mostrou induzir a dilatac¸ão dos vasos
pulmo-naresemnormóxia.7Portanto,aVHPdeviaserconsiderada
umarespostamultifatorialàhipóxiapulmonarlocalou
glo-balduranteahipoxiaaguda.Nessecontexto,asobservac¸ões
presentessugeremqueograudeshuntlocalagudopodeser
usadoparadeterminarseomecanismodaVHPéútilounão.
Otipodeanestésicopodeserimportantenoquedizrespeito
aessareac¸ão.
Éamplamenteaceitoqueosagentesinalatóriostêm
efei-tos globais sobre os vasos pulmonares durante a induc¸ão
oumanutenc¸ãodaanestesia.Portanto,ahipoxemiadevido
à VHP global é possível na presenc¸a defrac¸õesde shunt
intrapulmonara 100% e osefeitos protetoresda perfusão
influenciadapelaVHPparaasregiõespulmonaresmaisbem
ventiladas para melhorar a oxigenac¸ão podem ser
aboli-dosnessascondic¸ões.Emcontraste,ainibic¸ãodaVHPpor
agentesinalatóriosem pulmõescomumente afetadosleva
ao início rápido de hipoxemia devido aos efeitos normais