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O CENTRO DE ENERGIA DE BASE DO CORPO NA PREPARAÇÃO VOCAL DO PERFORMER

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

ÂNGELA EMÍLIA FINARDI

O CENTRO DE ENERGIA DE BASE DO CORPO NA PREPARAÇÃO VOCAL DO PERFORMER

FLORIANÓPOLIS – SC

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ANGELA EMILIA FINARDI

O CENTRO DE ENERGIA DE BASE DO CORPO NA PREPARAÇÃO VOCAL DO PERFORMER

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade

Orientadora: Profª.Drª. Maria Brígida de Miranda Coorientadora: Profª.Drª. Janaína Trasel Martins

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F491c

Finardi, Angela Emilia

O centro de energia de base do corpo na preparação vocal do performer / Angela Emilia Finardi. – 2014.

171 p. : il. ; 21 cm

Orientador: Maria Brígida de Miranda Co-orientadora: Janaína Trasel Martins Bibliografia: p. 162-167

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-graduação em Teatro, Florianópolis, 2014.

1. Voz - educação. I. Miranda, Maria Brígida de. II. Martins, Janaína Trasel. III. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Teatro. IV. Título

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ÂNGELA EMÍLIA FINARDI

O CENTRO DE ENERGIA DE BASE DO CORPO NA PREPARAÇÃO VOCAL DO PERFORMER

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade.

Apresentada à Comissão Examinadora de Qualificação, integrada pelos professores:

Orientadora

__________________________________ Profª.Drª. Maria Brígida de Miranda Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Coorientadora:

_________________________________ Profª.Drª. Janaína Trasel Martins

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Membro

_________________________________ Profª.Drª. Sulian Pacheco

Universidade de Brasília - UnB

Membro

__________________________________ Profª.Drª. Sandra Meyer Nunes

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Às Professoras Drª. Maria Brígida de Miranda, e Dr ªJanaína Trasel Martins, pela orientação; Aos Professores de Programa de Pós Graduação – Mestrado em Teatro, pelo compartilhar; Às Professoras da banca de qualificação: Profª. Drª. Sandra Meyer Nunes, Prof.ª Draª Sulian Pacheco, Prof.ª Drª Vera Regina Colasso, pelas importantes contribuições;

A Carlos Simioni, Tiago Porteiro e Jorge Parente pela generosidade com a qual me estenderam as suas pesquisas;

Às Professoras Jaqueline Lunardi, Jacqueline Fernandes; e Prof.ª Drª Carmencita Pallermo; A Fabio Henrique Nunes Medeiros, Daiane Dordetti, Andréia Paris e Isabela Irlandini; À Angélica Bottini, Marcel Machado, Sônia Biscaia e Sílvio Borges de Garuva;

À Charles Salomão, Javier Padilla, Nando Moraes, Jessé de Oliveira, Sabrina Lermen e Lucas David;

A Denis Radun, Dimitri Possamai; Marinaldo de Silva e Silva, Vanda Emília Malinverni e Tiago Martins;

Aos meus alunos no Programa Institucional de Artes Cênicas da Univille; Aos meus filhos, aos meus pais e familiares;

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Também pela superfície profunda da pele a memória se faz palavra. No roçar do frio as lembranças das mãos do amor desanuviam. É atravessando os poros que sua voz, em música, alcança meus ouvidos.

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RESUMO

Essa pesquisa trata da articulação da minha experiência encarnada nas oficinas Voz e Ação Vocal, de Carlos Simioni e Do Corpo e da Voz à Composição Cinética de Jorge Parente e Tiago Porteiro e a busca de outras referências além das apreendidas e incorporadas para discutir a principal questão nela surgida: a de que a região central do corpo, seu Centro de Energia de Base, que compreende o quadril e o baixo ventre - desempenha influência determinante na corporeidade da voz nas ações vocais. O objetivo fundamental dos estudos é investigar a relação em diferentes práticas e discursos sobre o apoio vocal, aqui entendido como um Centro de Energia de Base, no qual pode se apoiar a vocalidade poética do performer, a partir de um arcabouço teórico que o referencie na literatura e em algumas práticas culturais ocidentais e orientais específicas. Esta dissertação argumenta que exercícios psicofísicos podem ampliar a consciência do performer sobre o seu Centro de Energia de Base, e consequentemente melhorar a percepção deste/desta da voz como uma produção corporal.

Palavras-chave: treinamento vocal; apoio respiratório; Centro de Energia de Base; organicidade; voz.

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ABSTRACT

This research is about the articulation of my experience applied at the workshops Voice and Voice Action, from Carlos Simioni and From the Voice and the Body to the Kinetic Composition from Jorge Parente and Tiago Porteiro and the search of other references beyond the learned and incorporated ones to discuss the main question suggested: the central region of the body, the Base Energy Center, comprising the area of the hip and the venter. The fundamental objective of this studies is to investigate the relation in different practices and speeches about vocal support, understood here as the Base Energy Center, which can give support to the poetic voicing of the performer, from a theoretical framework that references in the literature and in some specific Eastern and Western cultural practices. This paper argues about how psychophysical exercises can increase consciousness of the performer on its Base Energy Center, and consequently improve the perception of his/her voice as a body production.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Chakras: Os Vórtices humanos de energia ... 35

Figura 2 Brevíssimo resumo sobre os Chakras ... 35

Figura 3 Cinta abdominal ... 44

Figura 4 Estrutura da laringe ... 45

Figura 5 Cadeias Musculares e Articulares GDS... 48

Figura 6 O diafragma e os músculos do abdômen... 49

Figura 7 Ação do diafragma e dos psoas sobre o arco inferior da coluna vertebral ... 50

Figura 8 As tipologias de Goldelieve Denys-Struyf e as cadeias musculares correspondentes ... 54

Figura 9 Ilíaco e psoas maior ... 56

Figura 10 Intestino: o segundo cérebro ... 60

Figura 11 Equilíbrio precário em camadas - lateral esquerda ... 74

Figura 12 Retorno da lateral esquerda ao eixo ... 74

Figura 13 Expansão energética bilateral ... 75

Figura 14 Equilíbrio precário em camadas - frente ... 75

Figura 15 Retorno da extremidade frontal ao eixo. ... 76

Figura 16 Equilíbrio precário em camadas - atrás ... 76

Figura 17 Retorno da extremidade dorsal ao eixo ... 77

Figura 18 Alavancas laterais ... 77

Figura 19 Alavanca concomitante bilateral ... 78

Figura 20 Alavanca frente e alavanca atrás ... 78

Figura 21 Alavanca concomitante frente-atrás ... 79

Figura 22 O Koshi ... 79

Figura 23 Vibração da voz a partir do Koshi ... 81

Figura 24 Esculturas tridimensionais ... 83

Figura 25 Potes ... 84

Figura 26: Pote lateral de quadril ... 85

Figura 27 Pote cabeça 100% frente ... 85

Figura 28 Pote cabeça 100% - atrás ... 85

Figura 29 Pote cabeça 100% - lateral direita. ... 86

Figura 30 Pote cabeça 100% lateral esquerda ... 86

Figura 31 Pote cabeça 50% - frente... 86

Figura 32 Pote cabeça 50% - atrás ... 87

Figura 33 Pote cabeça 50% - lateral direita ... 87

Figura 34 Pote cabeça 50% lateral esquerda ... 87

Figura 35 Pote cabeça 10% - frente... 88

Figura 36 Pote cabeça 10% - atrás ... 88

Figura 37 Pote cabeça 10% - lateral direita ... 88

Figura 38 Pote cabeça 10% - lateral esquerda ... 89

Figura 39 Expansão da energia do koshi para a cabeça ... 90

Figura 40 Pote peito 100% - frente ... 91

Figura 41 Pote peito 100% - atrás ... 91

Figura 42 Pote peito 100% - lateral direita... 91

Figura 43 Pote peito 100% - Lateral esquerda ... 91

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Figura 45 Pote Cintura 100% - atrás ... 92

Figura 46 Pote cintura 100% - lateral direita ... 92

Figura 47 Pote cintura 100% - lateral esquerda ... 92

Figura 48 Pote quadril 100% - frente ... 93

Figura 49 Pote quadril 100% - atrás ... 93

Figura 50 Pote quadril 100% - lateral direita ... 93

Figura 51 Pote quadril 100% - lateral esquerda ... 93

Figura 52 Dilatação energética pelo exercício dos Potes ... 94

Figura 53 Ombros ... 125

Figura 54 Empurrar a água ... 127

Figura 55 Empurrar o ar ... 128

Figura 56 Voar como um pássaro ... 129

Figura 57 Tocar o Impossível ... 130

Figura 58 Cabeça ... 131

Figura 59 Relaxar e despertar subitamente ... 132

Figura 60 Tentar alcançar algo atrás de si ... 133

Figura 61 Cantar com o quadril ... 134

Figura 62 Puxar ... 135

Figura 63 Abrir caminho ... 136

Figura 64 Empinar uma pipa ... 137

Figura 65 Embaixadinha ... 138

Figura 66 Cobra ... 139

Figura 67 Borboleta procurando um lugar para pousar ... 140

Figura 68 No chão, levar a perna atrás ... 141

Figura 69 Arrastar a rede atrás de si ... 141

Figura 70 Lançar ... 142

Figura 71 Tocar os pés e assustar-se ... 143

Figura 72 Bater o sino e rolar para trás ... 144

Figura 73 Brincar com os pés ... 145

Figura 74 Capim balançando ao vento ... 146

Figura 75 Apanhar uma folha ao vento ... 146

Figura 76 Saltar projetando o peito... 147

Figura 77 Correr com o tronco inclinado à frente ... 148

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...14

CAPÍTULO I: NOÇÕES DE CENTROS DE ENERGIA DO CORPO EM ALGUMAS PRÁTICAS ORIENTAIS E OCIDENTAIS SELECIONADAS ... 24

1.1 INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE CENTROS DE ENERGIA EM PRÁTICAS CULTURAIS TRADICIONAIS ORIENTAIS ... 26

1.1.1 Noções acerca do conceito de hara e koshi e a energia ki ... 26

1.1.2 Noções acerca do conceito de tant'ien e a energia chi ... 30

1.1.3 Noções acerca do conceito de chakras e a energia prana ... 33

1.1.4 Noções acerca do conceito de putsab nabhi e a energia bayu ... 37

1.2 NOÇÕES ACERCA DO CENTRO DE ENERGIA DO CORPO EM PRÁTICAS CULTURAIS CONTEMPORÂNEAS OCIDENTAIS SELECIONADAS ... 40

1.2.1. Noções acerca do conceito de energia no Ocidente ... 40

1.2.2. O Centro de Energia de Base em relação à respiração e ao fenômeno vocal – A noção de apoio respiratório ... 43

1.2.3. O Centro de Energia de Base na Educação Somática: O Método das Cadeias Musculares e Articulares GDS e sua relação com a respiração ... 47

1.2.4 O Centro de Energia de Base na Educação Somática: O Sistema Bartenieff: Princípios do Movimento - Correntes de Ar e Movimento. ... 55

1.2.5 O Centro de Energia de Base como apoio respiratório para o fenômeno vocal ... 58

1.2.6 O Centro de Energia de Base do corpo como um segundo cérebro: O sistema nervoso entérico ... 58

1.2.7 O Centro de Energias de Base na perspectiva de um corpo sexuado: relações entre os anéis de couraças de Reich e o bloqueio bioenergético com o sistema dos chakras e o prana ... 62

2. CAPÍTULO II: OFICINA VOZ E AÇÃO VOCAL DE CARLOS SIMIONI ... 65

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO DE CARLOS SIMIONI ... 65

2.2. DESCRIÇÃO DA OFICINA VOZ E AÇÃO VOCAL ... 68

2.3 A CONSTRUÇÃO DO CENTRO DE ENERGIA DE BASE OU KOSHI NOS EXERCÍCIOS PROPOSTOS POR SIMIONI E SUA IMPLICAÇÃO NA AÇÃO VOCAL .. 73

2.4. O CENTRO DE ENERGIA DE BASE NA OFICINA VOZ E AÇÃO VOCAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA EMISSÃO DA VOZ ... 94

2.4.1. O processo de conscientização do Centro de Energia de Base ... 95

2.4.2. O Centro de Energia deBase no Treinamento Energético: o corpo em vibração 97 2.4.3. Do Centro de Energiade Base para outros centros energéticos: o trabalho com os Ressonadores ouVibradores ... 99

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2.5. O CENTRO DE ENERGIA DE BASE COMO VIA DE ACESSO À MEMÓRIA ... 105

CAPÍTULO III:OFICINA DO CORPO E DA VOZ À COMPOSIÇÃO CINÉTICA, DE JORGE PARENTE E TIAGO PORTEIRO ... 109

3.1. JORGE PARENTE E TIAGO PORTEIRO: PORTA-VOZES DE ZYGMUNT MOLIK ... 110

3.2. A OFICINA DO CORPO E DA VOZ À COMPOSIÇÃO CINÉTICA ... 116

3.3. O CENTRO DE ENERGIA DE BASE NO ALFABETO DO CORPO ... 123

3.3.1 Ombros ... 125

3.3.2 Empurrar ... 126

3.3.3 Voar como um pássaro ... 128

3.3.4 Tocar o impossível ... 129

3.3.5 Cabeça ... 130

3.3.6 Relaxar e despertar subitamente ... 131

3.3.7 Tentar alcançar algo atrás de si ... 132

3.3.8 Cantar com o quadril ... 133

3.3.9 Puxar ... 134

3.3.10 Abrir caminho ... 135

3.3.11 Empinar uma pipa ... 136

3.3.12 Embaixadinha ... 137

3.3.13 Cobra ... 138

3.3.14. Borboleta procurando um lugar para pousar ... 139

3.3.15 No chão, levar a perna atrás ... 140

3.3.16. Arrastar a rede atrás de si ... 141

3.3.17 Lançar ... 142

3.3.18 Tocar os pés e assustar-se ... 142

3.3.19 Bater o sino e rolar para trás ... 143

3.3.20 Brincar com os pés... 144

3.3.21 Capim balançando ao vento ... 145

3.3.22 Apanhar uma folha ao vento ... 146

3.3.23 Saltar abrindo o peito ... 147

3.3.24 Correr com o tronco inclinado à frente ... 148

3.4. O ALFABETO DO CORPO COMO VIA DE ACESSO À MEMÓRIA ... 149

3.5 CORPO E VOZ EM JOGO – O PAPEL DA ESCUTA ... 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 156

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INTRODUÇÃO

Há canções e há momentos Eu não sei como explicar Em que a voz é um instrumento Que eu não posso controlar Ela vai ao infinito Ela amarra todos nós E é um só sentimento Na plateia e na voz Há canções e há momentos Em que a voz vem da raiz Eu não sei se quando triste Ou se quando sou feliz Eu só sei que há momentos Que se casa com canção De fazer tal casamento Vive a minha profissão

(Canções e Momentos. Milton Nascimento)

Lembrei-me desta música: Canções e Momentos, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, imortalizada também na voz de Mercedes Sossa1, após ter participado da oficina Voz e Ação Vocal2 ministrada por Carlos Simioni, na sede do Lume - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp em Campinas, no ano de 2003. De volta à Joinville - cidade em que moro, na sala de trabalho, eu a cantava com tanta verdade, como se todo o meu corpo se expandisse em voz. “A voz vem da raiz”, percebia emocionada enquanto cantava... Eu percebia o contato dos pés sobre o chão, as vibrações do ar e do som tocavam o meu corpo despertando lembranças, e uma sensação de plenitude surgia junto da emoção, como se ele se externasse em voz. Eu tinha em meu corpo alguns princípios que me permitiriam refazer essa experiência.

Minha formação artística teve início na dança e no canto. Ao longo de dez anos frequentei aulas de balé clássico, contemporâneo, jazz, sapateado americano e dança-teatro. E por cerca de cinco anos, aulas de canto. Dança e canto eram para mim instâncias separadas até que o teatro me levou a descobrir esta importante conexão: corpo-movimento-voz. No primeiro grupo de teatro profissional que participei, o Unicórnio Grupo Alternativo de Teatro e Música, atuava fazendo vários personagens com diferentes vozes, tocava e cantava junto de

1NASCIMENTO, M; BRANDT, F. Canções e Momentos. Intérprete: Milton Nascimento. In: NASCIMENTO. Yauaretê. São Paulo: CBS, 1987. 1 CD. Faixa 3. Disponível para download no blog: http://umquetenha.org/uqt/2006/07/30/milton-nascimento-yauarete-1987/. Acesso em 23/11/2013.

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outros dois atores. Foi na prática que percebi que a forma de me deslocar no espaço interferia na voz. Como fui mãe muito jovem, precisei permanecer na cidade onde moro e na ausência de um curso de graduação em Teatro em Joinville, graduei-me em Educação Física, pensando sempre no treinamento de atores, considerando assim a dimensão psicofísica do ser. Meus três filhos me acompanharam neste processo de formação artística.

Trabalho com teatro há vinte anos3 como performer, quinze deles como diretora e preparadora corporal e vocal da Companhia de Teatro da Universidade da Região de Joinville. Como pedagoga sempre me perguntei o porquê de se trabalhar corpo e voz como sendo duas instâncias separadas no treinamento. Haveria necessidade de “preparar” o corpo para a voz? Estariam corpo e voz dissociados? Na prática percebo que na cena ainda somos herdeiros de um pensamento dualista. Seguidas vezes dissociamos corpo e voz, corpo e pensamento. A busca constante por encontrar embasamento técnico para o meu trabalho como performer e pedagoga me aproximou do Teatro de Pesquisa, inicialmente da Periplo Companhia Teatral, da Argentina, com a qual fiz várias oficinas, e aqui no Brasil, do Lume - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp. A pedagogia de Simioni, no Lume, foi esclarecedora ao apontar princípios metodológicos sobre os quais ele edificou a sua técnica. Esses princípios, apreendidos e incorporados somaram-se à minha prática como atriz e professora de teatro durante os oito anos seguintes e me levaram a entrar no Programa de Pós Graduação em Teatro da UDESC para pesquisar o treinamento vocal para o performer4, escolhendo como objeto de análise a oficina Voz e Ação Vocal5, de Carlos Simioni. A importância da pesquisa desenvolvida por Simioni junto ao Lume ao longo de 26 anos de trabalho corpóreo-vocal orientou inicialmente a minha escolha do tema a ser trabalhado nesta Dissertação, bem como a experimentação prática a ser relatada. Além da oficina Voz e Ação Vocal, já havia participado de outra oficina ministrada por Simioni: Metodologia de Treinamento do Ator no Lume que incluía o treinamento vocal; e havia participado, também, de outra oficina de Voz e Ação Vocal. Em todas as oficinas6 a voz foi percebida por mim como

3Atriz nos grupos catarinenses: Unicórnio Grupo Alternativo de Teatro e Música, no Grupo Compasso

Dança-Teatro, na Metamorfose Companhia Cênica e no Grupo Teatral Fio de Ariadne. Junto da atuação na Universidade, contabilizo ao longo da carreira a atuação em 50 espetáculos.

4Opto pelo termo performer nesta Dissertação por poder denominar especificidades que no Ocidente são

separadas: dança, canto, teatro, sendo consideradas neste estudo como atividades performativas, e também pela questão de identidade de gênero. Performer em inglês não tem gênero definido.

5Oficina Voz e Ação Vocal, ministrada por Carlos Simioni no Nosso Espaço, sede do Grupo Na Companhia dos

Anjos, em São Paulo, de 26 a 30 de setembro de 2011, com carga horária total de 17h30min.

6Apresento aqui a relação completa de oficinas de e demonstrações técnicas de Simioni que participei:

Metodologia do Treinamento do ator no Lume (2001), na sede do grupo, em Barão Geraldo. Voz e Ação Vocal

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veículo da emoção e até como a emoção em si. A capacidade de afetar e o desafio de controle da voz por parte do performer me instigaram a pesquisar o treinamento vocal como performer e como professora. Corpo e voz sendo veículos da emoção seriam indissociáveis? – eu me perguntava. Essa pergunta foi recorrente em outra oportunidade que tive durante o mestrado: a oficina Do Corpo e da Voz à Composição Cinética7, ministrada por Jorge Parente e Tiago Porteiro. Parente foi encarregado oficialmente por Zygmunt Molik, co-fundador do Teatro Laboratório com Jerzy Grotowski, para difundir o Alfabeto do Corpo, "sistema que permite que o ator concilie o corpo e a voz em seu processo de preparação"8. Os questionamentos advindos da prática nas duas oficinas delimitaram o foco desta para o que tratarei ao longo dessa dissertação como Centro de Energia de Base.

A principal pergunta que norteia esta pesquisa é: De que maneira a região que compreende a coluna vertebral, o quadril e seus músculos, o abdômen, o músculo iliopsoas, e o sistema nervoso entérico, tidos aqui como o Centro de Energia de Base, exerce importância na organicidade da voz? Este centro de energia exerce influência na vibração física, energética e emocional da voz?

Esta Dissertação trata da articulação da minha experiência encarnada9 nas oficinas Voz e Ação Vocal, de Carlos Simioni e Do Corpo e da Voz à Composição Cinética de Jorge Parente e Tiago Porteiro e a busca de outras referências além das apreendidas e incorporadas para discutir a principal questão nela surgida: a de que a região central do corpo - o quadril e o baixo ventre - desempenha influência determinante na corporeidade da voz nas ações vocais10. Blumenau, SC e a Oficina Voz e Ação Vocal (2011).

Demonstração de trabalho Prisão para a Liberdade (2011), em Blumenau, SC. A demonstração trata da elaboração técnica de Simioni e sua aplicação no espetáculo Kelbilim. (Maiores informações em http://www.lumeteatro.com.br/interna.php?id=15.

7A oficina Do corpo e da voz à composição cinética foi realizada de 5 a 11 de março, na UDESC, em

Florianópolis, em 2011.

8Apresentação do Alfabeto do Corpo na obra de Giuliano Campo. In: CAMPO, Giuliano. Trabalho de Voz e

Corpo de Zygmunt Molik: O legado de Jerzy Grotowski. Giuliano campo, com Zygmunt Molik; trad. Julia Barros. São Paulo: ÉRealizações, 2012.

9“Experiência encarnada” é aqui compreendida como embodiment. Esta noção de mente corporizada trazida na

perspectiva orgânica de Grotowski é relacionada à fenomenologia merleaupontiana por Fischer-Lichte. A noção de energia como mente incorporada é por ela esclarecida: Para Grotowski ter-corpo é indissociável de ser-corpo. Para ele, o corpo não é um instrumento, nem um meio de expressão, nem um material para a construção de

signos, senão que sua “matéria” se “queima” em e pela atividade do ator e se transforma em energia. O ator não

domina seu corpo, nem no sentido de Engel, nem no de Meyerhold - deixa que se converta ele mesmo em ator: o corpo atua como uma mente corporizada (embodied mind) [...] É como a mais alta etapa do organismo do ator em que a consciência e o instinto estarão unidos. (Grotowski apud FISCHER-LICHTE, 2011, p.170). In: FISCHER-LICHTE, Erika. Estetica de lo Performativo. Madrid: Abada Editores, 2011.

10A ação vocal está relacionada ao como dizer, e não exatamente a o que dizer. Citando os poemas dadaístas

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A noção de centro de energia no trabalho corporal é encontrada no treinamento dos performers na contemporaneidade. Esta noção foi trazida no início do século XX a partir dos discursos e práticas de corpo orientais. De acordo com Sharon Marie Carnicke (1998, p. 22) muitos exercícios de “raios de energia” propostos por Stanislavski expressavam seu fascínio com o Yoga. Miranda (2010) argumenta que a ideia do controle da energia a partir do controle de centros energéticos do corpo humano aparece nos discursos e nas elaborações técnicas de renovadores do teatro no século XX. Jerzy Grotowski (2011, p.30) Eugênio Barba (2012, p. 75), Luís Otávio Burnier (2001, p. 51), Yoshi Oida (2001, p. 35), Zygmunt Molik (2011, p.122) trouxeram referências de centros de energia no treinamento do ator.

Junto a esses autores que discutem as noções de energia, a ideia de corpo parte dos pressupostos teóricos de dois autores da fenomenologia para discutir comportamento corporal, experiência e percepção em relação ao fenômeno vocal: Maurice Merleau-Ponty (1908- 1961), um dos precursores desta perspectiva filosófica, e Jorge Larrosa Bondia. Em sua obra A Fenomenologia da Percepção (1994), Merleau-Ponty coloca o ser humano como ser cuja consciência de existir se dá através da experiência, propondo a noção de corpo enquanto consciência encarnada. Para ele não há possibilidade de “ser” fora da experiência corporal. Merleau-Ponty (1999, p. 26) argumenta que: “Quer se trate do corpo de outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão de vivê-lo, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o transpassa e confundir-me com ele. Portanto sou meu corpo”. O pedagogo espanhol Jorge Larrosa Bondia vê na experiência uma condição essencial para que haja aprendizagem. Bondia (2002, p.21) define experiência como “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, o que acontece, ou o que toca”. Além destes dois autores, Annie Suquet vem complementar as discussões acerca da percepção com o seu olhar para o corpo dançante. A importância da percepção cinestésica é assim estendida para a voz, pois compreendo que corpo e voz são vivenciados pelo movimento. Estou tratando do corpo e da voz como fenômenos intrínsecos à experiência de viver, e não como instrumentos da razão.

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exemplo, demonstra como esse pensamento norteou o tratamento dado ao corpo e à voz nas escolas de atuação até o século XIX11.

Meu objetivo nesta Dissertação é investigar a relação em diferentes práticas e discursos sobre o apoio vocal, aqui entendido como um Centro de Energia de Base. Meu percurso para fundamentar a noção de um Centro de Energia de Base no qual pode se apoiar a vocalidade poética do performer foi buscar um arcabouço teórico que o referenciasse na literatura e em algumas práticas culturais ocidentais e orientais selecionadas. Considero como práticas culturais no âmbito desta pesquisa as práticas psicofísicas, a Medicina Oriental e também a Medicina Ocidental moderna e suas ramificações: a Fisioterapia, a Fonoaudiologia e a Neurobiologia.

Por ter incorporado entendimento não só da ação física, mas também da ação vocal partindo do Centro de Energia de Base, saliento a importância da percepção e ativação deste centro para conferir ao performer autonomia em relação ao seu treinamento, o que de fato aconteceu comigo pela experiência encarnada. A reflexão sobre a minha experiência encarnada constitui a abordagem desta Dissertação.

Algumas questões surgidas nas oficinas ao perceber a voz como veículo da emoção me instigaram a refletir: Onde estavam essas lembranças em mim? De onde provinha essa sensação de plenitude, e de expansão do corpo? Seria isso o que Grotowski conceituou como corpo-memória, como corpo-vida12? A ideia grotowskiana do corpo ser memória e do corpo ser vida também passou a orientar a investigação. Assim, a percepção e ativação do Centro de Energia de Base para a experiência da voz como um fenômeno do memória, do corpo-vida passou também a ser uma das questões pesquisadas.

A relação do Centro de Energia de Base com a criação das ações individuais e em grupo me levou a questionar sua implicação nos aspectos criativos; e mais questões surgiram: a sua implicação na vocalidade poética e o papel da escuta do ambiente para a voz em jogo.

Essa Dissertação defende a percepção e ativação do Centro de Energia de Base do corpo no regime de práticas psicofísicas de preparação de performers para a organicidade da

11Janaína Träsel Martins aprofunda essa questão em sua Dissertação de Mestrado. MARTINS, Janaína Träsel. A

Integração Corpo-Voz na Arte do Ator: A função da voz na cena, a preparação orgânica, o processo de criação vocal. 137 f. Dissertação – [Mestrado em Teatro] – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. Além da dissertação de mestrado, a indissociabilidade corpo-mente e corpo-voz é recorrente em sua tese. Nela Martins propõe jogos de criação vocal. In: ______________________. Os Princípios da Ressonância Vocal na Ludicidade dos Jogos de Corpo-Voz para a Formação do Ator. [Tese de Doutorado] Salvador: Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas, ETUFBA, 2008.

12A noção grotowskiana de corpo-memória e corpo-vida será discutida no decorrer da dissertação, a partir da

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voz na cena. A organicidade é aqui compreendida como a "organização interna real e viva, que tem a ver com o real fluxo de vida que alimenta/engendra uma ação" (BURNIER, 2001, p.53). Essa “organização interna real e viva”, diz respeito ao fluxo do movimento cujos impulsos tenham origem na base da coluna vertebral, na região que Grotowski denominou de cruz13. Com os atores explorando os movimentos partindo deste centro até a exaustão, através da via negativa Grotowski procurou “eliminar a resistência do organismo [do performer] a esse processo psíquico. O resultado é a liberdade do intervalo de tempo entre o impulso interior e a reação externa em modo tal que o impulso é já uma reação externa”. (Grotowski, 2010, p.106). Nessa perspectiva o corpo é tido como um organismo, uma unidade psicofísica, ou seja, um corpomente14. As ações físicas e vocais orgânicas ocorrem quando há um pensar-em-ação, num nível de consciência expandida. A esse nível de consciência, que não se trata do pensamento racional a priori, mas no tempo presente, Grotowski chamou de awareness15.

A metodologia desta pesquisa parte de uma abordagem auto-etnogrática envolvendo também a percepção do meu corpo nas oficinas como fonte de pesquisa. Esta é uma proposta metodológica validada por Sylvie Fortin (2009, p.81), que afirma que “a corporeidade do pesquisador, suas sensações e suas emoções sobre o campo são reconhecidas como fontes de informação”. As minhas percepções e reações corporais foram registradas em diário de bordo e foram tratadas por mim como uma “fonte parcial” tendo sido combinadas a outros tipos de fontes: relatos dos participantes das oficinas, registros das minhas observações nas demonstrações de trabalho técnico de Simioni, Parente e Porteiro, anotações da palestra de Parente e Porteiro em diário de bordo. Além destes dados, fiz uso de gravações das oficinas, e entrevistas com os ministrantes. A observação atenta da implicação do Centro Energético de Base na corporeidade do performer buscou subsídios em conceitos e noções de centro de gravidade e centros de energia. Tais conceitos foram levantados em pesquisa bibliográfica e através de entrevistas com renomados professores de práticas psicofísicas com os quais pude também fazer algumas aulas e perceber no corpo a relação entre o Centro de Energia de Base, o movimento e a respiração. Foi a bricolagem destas fontes de dados que geraram a minha reflexão enquanto pesquisadora.

13Esta associação do Grotowski com a “cruz” situada na região do quadril e baixo ventre será melhor explorada

no segundo capítulo.

14A denominação corpomente é uma licença quase poética de autoria da pesquisadora Sandra Meyer para

designar a unidade de substância pela “ausência de uma terminologia que abranja o entendimento encarnado na

mente e a perspectiva de um corpo que pensa” (NUNES, 2006, p.15). In: NUNES, Sandra Meyer. As Metáforas do Corpo em Cena. São Paulo: Annablume/UDESC, 2009.

15A ascepção de Grotowski para o termo awarennes será melhor esclarecida no segundo capítulo desta

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Ainda sobre a metodologia desta pesquisa, em concordância com a ideia de ator-pesquisador presente nas propostas de treinamento vocal de Simioni, Parente e Porteiro proponho com este trabalho não a formulação e divulgação de um “manual” de suas oficinas, com “exercícios a serem seguidos”, mas um relato da minha experiência enquanto performer- pesquisadora, no qual exercícios selecionados são analisados tendo como contribuição várias vozes advindas de teorias e práticas psicofísicas orientais e ocidentais. Previno o leitor, ao se deparar com as imagens de Simioni executando a sua técnica e com as minhas imagens realizando o Alfabeto do Corpo de Molik, que não sou uma representante da metodologia de treinamento corpóreo-vocal desenvolvida por eles. Sou bastante grata a Simioni pela generosidade com a qual realizou todos os exercícios para a filmagem, e à Parente - fiel depositário do método de Molik. Parente deu permissão para que eu fizesse fotografias minhas realizando as ações do Alfabeto do Corpo em um período posterior a oficina.

Mesmo não se tratando de um manual é possível que o leitor queira fazer uso destas imagens para experimentar os exercícios. A utilização de imagens foi uma importante ferramenta de análise e compreensão do movimento e da emoção no treinamento do ator ao longo da história do teatro. Nesta dissertação a opção metodológica do uso de imagens sequenciais surgiu ao longo da pesquisa por necessidade de análise da expressividade do movimento e dos princípios nele contidos que gerariam a corporeidade da voz. Para analisar os movimentos do corpo de Simioni em relação ao seu eixo de equilíbrio, foi importante a edição frame a frame realizada pelos atores Angélica Bottini e Marcel Machado da Cia. de Teatro da Univille que cursavam Design de Animação Digital e que generosamente me auxiliaram. Espero que tais imagens contribuam na compreensão do leitor.

Na escrita, opto por manter em itálico o termo Centro de Energia de Base, assim como conceitos e palavras estrangeiras, sendo as aspas utilizadas apenas nas citações diretas ou para enfatizar alguma expressão. A opção de transliteração dos termos estrangeiros principalmente os oriundos das práticas orientais é mantê-los de acordo com o original, ou seja, tal como referenciados na bibliografia e nas entrevistas. Quando houver um termo que apresente outro correspondente no decorrer do texto, este será informado em nota.

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indonesiana de putsab nabhi e aponto sua relação com a respiração e a voz. Tais noções foram pesquisadas através de entrevistas e aulas com professores de artes marciais e yoga renomados16, e também tiveram aporte nas obras: O Mosterio de Shaolin: história, religião e artes marciais chinesas de Meir Shahar, Autoperfeição com Hatha Yoga, de Hermógenes, Yoga: A revolução Silenciosa, de Suely Firmino, The Anatomy of Dependence, de Takeo Doi e o artigo Respirando para dentro da máscara: o corpo toma forma no teatro dança balinês uma experiência de aprendizado, de Carmencita Palermo. Na segunda parte do primeiro capítulo discorro acerca do centro de energia na visão ocidental em relação à respiração e ao fenômeno vocal. Abordo a noção de apoio respiratório e fonação na perspectiva da fonoaudiologia tendo como aporte a obra Voz: O Livro do Especialista da fonoaudióloga brasileira Mara Behlau e a obra Canto Equilíbrio entre Corpo e Som: princípios da fisiologia vocal da fonoaudióloga Cláudia Pacheco e da cantora Tutti Baê. Tais obras são utilizadas para discutir a ideia de energia numa abordagem anátomo-fisiológica. A fim de ampliar as percepções dos aspectos fisiológicos que envolvem a produção vocal utilizarei contribuições da Educação Somática, especificamente o Método das Cadeias Musculares e Articulares (GDS) de Goldelieve Denys-Struf17 e os Princípios do Movimento do Sistema Bartennieff, desenvolvido pela discípula de Laban, a alemã Imgart Bartenieff18. Trago de forma breve uma importante contribuição da neurobiologia que localiza no intestino um segundo cérebro que atua no Sistema Nervoso Entérico. Esta contribuição, apresentada pelo estudioso da performance Richard Schechner é referida ao final do capítulo apontando uma possível correlação entre as noções orientais deste centro de energia como sede das intuições e do pensamento, uma compreensão validada pela ciência ocidental acerca deste fenômeno. Também a noção ocidental de anéis Couraça Muscular de Reich e a bioenergética de Alexander Lowen é trazida em relação aos sistemas dos chakras. Para isso, faço uso da obra

16Foram realizadas duas entrevistas com uma professora de artes marciais e uma professora de yoga. A primeira,

Jacqueline Fernandes, presidente da Confederação Brasileira de Kung Fu, proprietária da escola Lin Tai Kung Fu Shaolin do Norte, em Florianópolis. Além de ser Mestra de kung Ku, Jacqueline é formada também em Tai Chi Chuan, Qi Gong; aluna direta do Grão-Mestre Chan Kwok Wai; diplomada pela Chi Cha Hai Sport School

(Beijing/China) e especialista em Acupuntura pelo Centro de Esnseñanza de la Medicina Tradicional China

(Madri/Espanha). A segunda pessoa entrevistada, Jaqueline Lunardi, é professora de Hatha Yoga e Tantra Yoga. Proprietária do Santosha Espaço de Yoga em Joinville, Jaqueline Lunardi foi uma das fundadoras da Casa de Yoga de Joinville, sendo reconhecida na cidade pelo trabalho que desempenha ao longo de 25 anos.

17A abordagem do Método GDS é estudada na obra de Philippe Campignon: CAMPIGNION. Philippe.

Respir-Ações A respiração para uma vida saudável; Ilustração Goldelieve Denys-Struf; tradução Lucia Campello Hahnl. São Paulo: Summus, 1998.

18Os Princípios do Movimento de Bartenieff são estudados principalmente na obra de Ciane Fernandes.

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O corpo e seus símbolos de Jean-Yves Leloup.

As principais perguntas que geram as reflexões apontadas neste capítulo são: Se a forma pela qual o corpo responde à gravidade interfere na distribuição de tensões no corpo e no desempenho corpóreo-vocal do performer, quais os princípios para se pensar a fonação, considerando sua relação com o centro de gravidade? Reconhecendo as diferenças culturais e filosóficas em relação à energia e centros energéticos nas abordagens orientais e ocidentais, que noções de corpo estão presente em cada uma delas? O Método GDS considera o indivíduo na sua dimensão somatopsíquica. É uma abordagem terapêutica individualizada, que verifica em qual tipologia somática o indivíduo está no tempo presente, relacionando-a a qual cadeia muscular está mais ativa e quais precisam ser dinamizadas para liberar o movimento e a respiração. É possível estabelecer um Centro de Energia de Base nesta abordagem, que seja comum a todas as tipologias? Quais exercícios do método GDS podem ser executados por todos os tipos de corpos, ou “tipologias”, buscando o reajuste de tensões que favoreça o fenômeno vocal? De que forma os Princípios de Bartenieff, de Suporte Muscular Interno e de Correntes de Ar e Movimento auxiliam o performer a mover-se em vários eixos de equilíbrio? Este suporte constitui-se também como apoio vocal?

Meu principal objetivo no Capítulo I, considerando os diferentes conceitos de energia, é verificar se há nestas abordagens uma proposta de consciência da energia junto do fluxo respiratório. Tais perguntas surgiram ao se pensar na especificidade do trabalho do performer, que se movimenta em vários eixos de equilíbrio, necessitando ampla consciência corporal para a emissão vocal.

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que possam vir a contribuir na análise. Aspectos acerca da criação de ações vocais no trabalho do performer sobre si mesmo também são abordados, bem como as sensações experimentadas por mim no decorrer da oficina quanto à organicidade.

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CAPÍTULO I: NOÇÕES DE CENTROS DE ENERGIA DO CORPO EM

ALGUMAS PRÁTICAS ORIENTAIS E OCIDENTAIS SELECIONADAS

A voz é um pedaço de natureza cuja fronteira é a pele. (Espinoza)

Neste primeiro capítulo levanto de forma breve algumas noções de centros de energia encontradas em conceitos e práticas culturais orientais e ocidentais e aponto sua relação com a respiração e a voz. Tal levantamento se faz necessário para mapear no corpo o Centro de Energia de Base, considerando que as noções de corpo ocidentais e orientais, que estão diretamente relacionadas à forma como a energia é compreendida por essas culturas. O ar e o corpo enquanto energia apresentam diferentes visões no oriente e no ocidente. Considerando essas diferenças, proponho-me a verificar se há nessas abordagens uma proposta de consciência da energia junto do fluxo respiratório que favoreça o fenômeno vocal. Além disso, a importância em apresentar essas diferentes noções de corpo presentes no Oriente e no Ocidente se dá, não para refazer este percurso, que foi trilhado por importantes nomes do teatro do século XX, mas para buscar uma melhor compreensão acerca da noção vitalista e neovitalista sobre a qual estes renovadores pautaram inicialmente as bases de suas teorias de treinamento do performer, bases que nos são tão caras na contemporaneidade.

Segundo Miranda (2010, p. 143),

Nas tradições orientais o controle do corpo deriva de uma ideia de que exista um centro a partir do qual o corpo pode ser controlado. No Ocidente, este pode ser a cabeça, mas no Oriente é em outro lugar. Esta noção de "centro" está presente na maioria das práticas de corpo tradicionais do Oriente e se refere a perspectivas antigas sobre o corpo, mente, controle de energia e disciplina. As Tradições espirituais e corporais chinesas, japonesas e indianas consideram a parte inferior do abdômen como o centro da energia vital do corpo. No entanto, essa também é uma noção perpetuada nas práticas teatrais contemporâneas.19 (Tradução minha20).

A noção de centro de energia está presente nas práticas corporais tradicionais do

19In Eastern traditions the control of the body derives from an idea of it having a centre from which the body can

be controlled. In the West this might be the head but in the East it is elsewhere. This notion of the “centre” is

present in most of the Eastern tradicional body pratices and refers to ancient perspectives on the body, mind, energy control, and discipline. Chinese, Japanese, and Indian spiritual and corporeal tradicions regard the lower

part of the body‟s abdomen as the centre of its vital energy. However, it is also a notion perpetuated in

contemporary theatre practices. (MIRANDA, 2010: 143) In: MIRANDA, Brígida M. Playful Training: Towards Capoeira in the Physical Training of Actors. Berlin: LapLambert Academic Publishing AG &CO, 2010.

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oriente. De acordo com a diretora e pesquisadora na área de treinamento de atores Maria Brígida de Miranda21 (2010, p. 145), “estes antigos princípios filosóficos e religiosos animistas influenciam as práticas físicas orientais”. Miranda traz a contribuição de Oscar Ratti e Adele Westbrook (1991), que descrevem a operação do conceito de centro de energia em pelo menos três níveis de implementação:

O primeiro é o corpo individual, onde o centro físico, mental e espiritual está no abdomen hara no Japão, e t'ien na China. Esta noção oriental afirma que o caminho para a auto-descoberta é „introspecção e meditação‟ e que para unificar mente e

corpo os exercícios estão focados no baixo ventre (Ratti e Westbrook). O segundo nível é o foco da filosofia confucionista e refere-se ao encontro social harmonioso entre indivíduos. Equilíbrio social é atingido por uma atitude de cooperação no sentido de "bem-estar mútuo" (ibidem). O terceiro nível é a "dimensão cósmica", que era o elemento essencial no "Taoismo" (ibid). Ela reflete a "máxima integração" e encontrou o equilíbrio entre os níveis individual e social (ibid). Ratti e Westbrook assinalam que os chineses "Chi", o japonês "ki", e na Índia "prajna" (ou prana), literalmente, força de vida, muitas vezes é traduzida no Ocidente como "energia intrínseca" (ibid: 381). Esta energia é a energia vital, a "essência da vida" e "respiração" (ibidem) (MIRANDA, 2010, p.144).22

Como já mencionei, vários renovadores do teatro do século XX buscaram referências acerca do controle da energia nas técnicas psicofísicas asiáticas, dentre eles Constantin Stanislaviski e Jerzy Grotowski. Empenhados em uma análise transcultural entre a Europa e a Ásia os italianos Eugênio Barba e Nicola Savarese, criaram a “Antropologia Teatral23” e

elegeram “princípios que retornam24”, ou seja, princípios que verificaram serem comuns no

21Doctor of Philosophy pela La Trobe University, Austrália. Professora adjunta nas áreas de Interpretação e

Direção do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes da UDESC. Miranda é autora do livro Playful Training: Towards Capoeira in the Physical Training of Actors. Saarbrücken: Lambert Academic Publishing, 2010.

22The first one is the individual body, where the physical, mental and spiritual centre is in the abdomen; hara in

Japan and tan t’ien in China. This Eastern notion claims that the path for personal discovery is by “introspection

and meditation”, to unifiy mind and body in exercises centred on the lower abdomen. (Ratti andWestbrook1991, p.378). The second level is the central point of Confucian philosophy and relates to the harmonious social

encounter between individuals. It is the social equilibrium achieved by a cooperative attitude towards “reciprocal welfare” (ibid). The tird level is the “cosmic dimension” wish was the essencial element in “Taoism” (ibid) It is the reflection of the “maximum integration” and equilibrium encountered between the individual and social levels.(ibid). Ratti and Westbrook point out that Chinese “Ch‟I”, Japanese “Ki”, and Indian “prajna” (or prahna) literally life force, is often translated in the West as “intrinsic energy”(ibid, p.381) . This energy is the vital

energy, the “essence of life”, and “breathing” (ibid). (Miranda, 2010, p.144).

23A antropologia teatral estuda o comportamento fisiológico e sociocultural do homem em situação de

representação [...] A antropologia teatral não busca princípios universalmente verdadeiros, mas indicações úteis. (BARBA E SAVARESE, 2010, p. 14).

24Barba através de uma análise transcultural elegeu “princípios que retornam”, ou seja, princípios comuns que

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26 corpo dos orientais e ocidentais que “determinam a qualidade da presença do ator em cena”. Faço uso dos “princípios que retornam” da Antropologia Teatral mais adiante, na análise dos exercícios das duas oficinas, pois entendo que independente dos questionamentos acerca da uniformização dos corpos que tem sido feita à Antropologia Teatral25, estes princípios podem ser uma importante “bússola” para o performer. Entretanto, para não restringir o treinamento à busca de princípios, exponho as noções orientais de centros de energia minimamente associadas aos aspectos filosóficos inerentes a estas tradições, mais especificamente às tradições chinesas, japonesas, indianas e indonesianas. Estas noções são conhecimentos necessários para compreender a noção de corpo implícita nestas práticas e sua relação com a organicidade da voz.

1.1 INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE

CENTROS DE ENERGIA

EM PRÁTICAS

CULTURAIS TRADICIONAIS ORIENTAIS

Em algumas práticas culturais tradicionais do Japão encontra-se o conceito de energia como ki e hara. Na China como a energia Chi. Na Índia como chakras. Em Bali, a energia é chamada de ngunda bayu. Todas essas designações de energia referem-se ao ar como energia vital e cada uma delas tem na centralidade do corpo o seu foco de acúmulo de maior intensidade, que se configura a partir do contato com a energia da terra conforme mostrarei a seguir.

1.1.1 Noções acerca do conceito de hara e koshi e a energia ki

Yoshi Oida na escrita de seus livros faz primeiro uma definição pontual de hara dizendo que hara transportado para o Ocidente significa barriga (2001, p. 35) e localiza onde na barriga estaria o hara. O hara está a poucos centímetros abaixo do umbigo, sendo considerado o centro de gravidade do corpo humano. Ao mesmo tempo ele expande o conceito não para apenas um lugar no corpo, mas para uma relação do corpo com sentimentos, bem estar, identidade do sujeito. Oida explica que o conceito de hara é abrangente:

de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

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[...] O conceito japonês de hara é algo que ultrapassa a noção de um lugar físico; é o núcleo de todo o self. É o centro da força da personalidade, da saúde, da energia, da integridade, e o sentido de conexão com o mundo e o universo [...] é impossível praticar qualquer tipo de disciplina física ou espiritual (como artes marciais, meditação, teatro) sem considerar essa região. (OIDA&MARSHALL. 2001, p. 35. grifos dos autores).

Chamo a atenção acerca da afirmação de Oida para o hara como o “núcleo” do self. A relação do hara com o self é feita também pelo psiquiatra Takeo Doi (2002). Doi afirma que o termo ki no Japão parece ter ganhado popularmente um conceito diferente do original chinês chi, estando fortemente vinculado à psique. Analisando diversas expressões idiomáticas populares no Japão, Doi verifica que:

O termo ki aparece num grande número de expressões japonesas lidando com emoções, temperamento e comportamento[...]. O ki é talvez a mais acuradamente definido como o movimento do espírito de momento a momento. [...] termos que imediatamente vêm à mente como se referindo à funções do ki são atama (cabeça),

kokoro (coração) e hara (barriga), e kao (face) [...] Em outras palavras, atama kokoro e hara indicam o local onde várias obras do espírito tomam lugar. [...] Vou focar primeiramente no hara [barriga]. Como a barriga é um lugar onde as coisas se juntam, então a mesma palavra usada como metáfora para coisas espirituais, se refere ao self como uma acumulação, ou compêndio das experiências individuais e assim a alguma coisa que não é prontamente mostrada ou aparente aos outros. Kao

[face], é similar ao original do latim persona, o que significa máscara – uma superfície que um mostra aos outros e por isso uma fronte que pode ser enganosa. (Doi, 2001, p. 95-100).26

É interessante percebermos que não é a face, localizada na cabeça - lugar onde se aloja o cérebro e a racionalidade, o núcleo do self, mas no centro de equilíbrio do corpo. O Ki, compreendido como “movimento do espírito de momento a momento”, referido pelo autor Doi, remete à awareness27, termo oriundo da Gestalterapia, também utilizado por Grotowski28

26[…] ki appears in a large number of Japanese expressions dealing with emotion, temperament, and

behavior[…]ki is perhaps most accurately defined as the movement of the spirit from moment to moment. […]

Terms apart from ki that at once come to mind as referring to such functions are atama (head), kokoro(heart),

hara(belly), and kao(face). […]In other words, where atama, kokoro, and hara all indicate the site where carious

workings of the spirit take place […] I will leave this point for later consideration and turn first to the meaning of

hara (belly). Just as belly is that part of the body where things gather or pile up, so the same word when used as

a metaphor for spiritual things seem to refer to the self as an accumulation, or compendium of the individual‟s

experience, and thus to something which is not readily shown or apparent to others. Kao, face, is similar to one showed to others and hence a front that could be deceptive –whereas in the west the word “person” came to

have a far more profound significance. In: DOI, Takeo. The Anatomy of Dependence, Kodansha America, INC., 2002.

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28 para designar a “presença” do performer. O hara, sendo considerado como núcleo do self, não mascara as experiências do indivíduo para ele mesmo. As ações que partem deste centro promovem a consciência de si mesmo pelo movimento.

Oida (2001, p.35) atribui ao hara o ponto de onde parte a ação vocal. O ator japonês afirma que esta área “deve ser mantida aberta” para se acumular a energia interna, o Ki, e manter o ator em equilíbrio.

Koshi, em japonês significa uma parte bem precisa do corpo: os quadris (BARBA E SAVARESE, 2011, p.18). Para o ator kabuki Sawamura Sojurô corresponde a uma forma de energia peculiar: “Dizemos que um ator tem ou não tem Koshi para indicar que tem ou não tem a energia certa no trabalho” (SOJURO apud BARBA DE SAVARESE, 2011, p.19). É por uma posição específica do corpo, com redução do movimento de ondulação dos quadris que se chega a esse nível de energia:

Quando caminhamos, os dois quadris seguem o movimento das pernas. Mas se quisermos reduzir esse movimento aos quadris – ou seja, criar um eixo fixo no corpo, somos obrigados a dobrar as pernas e a manter o tronco como se ele fosse um bloco único. Ao bloquear os quadris para que sigam o movimento das pernas, são criados dois níveis diferentes de tensão no corpo: na parte inferior (as pernas, que devem mudar de posição) e na parte superior (o tronco e a coluna vertebral que está empenhada a pressionar os quadris). A criação destes dois níveis opostos dentro do corpo obriga-o a adotar um equilíbrio particular que repercute sobre os músculos da nuca, do tronco, da bacia e das pernas. Todo o tônus muscular do ator fica alterado, ele passa a usar muito mais energia e deve se esforçar bem mais do que se caminhasse usando a sua própria técnica cotidiana. (BARBA E SAVARESE, 2011, p.75).

Embora hara signifique abdômen e koshi quadril, é possível considerar que ambas as terminologias são utilizadas para se referirem ao centro de gravidade. O nível de energia - Ki implicado para manter o corpo em equilíbrio está diretamente relacionado com o centro de uma palavra de difícil tradução. [...] Para evitar confusão com a palavra consciência, tal como utilizada em psicanálise, preferimos manter o termo em inglês. In: FRAZAO, Lilian Meyer. A relação psicoterapeuta-cliente. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678- 51771995000200011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 18 jan. 2014.

28Magnat esclarece (2000, p.6): “Para Grotowski, „awareness quer dizer a consciência que não está ligada à

linguagem, (à máquina de pensar), mas à presença. Esta noção de consciência unifica a percepção e a presença

ao fenômeno performático, onde Richard Schechner sublinha a natureza liminar e que ele descreve como o o „eu‟

[...] o espaço que separa e une ao mesmo tempo os espaços, a essência entre os dois, que está ligada ao fluxo e à

evanescência da vida humana (enquanto da consciência dela mesma) ( Trad, minha). No original: “Pour Grotowski „awareness [...] veut dire la conscience qui n‟est pas liée au langage (à la machine à penser), mais à la

Présence‟ Cette notion de „conscience‟ unifie la perception et la présence au sein du phénomène performatif, dont Richard Schechner souligne d‟aailleurs la nature liminale et qu‟il décrit comme le „seuil‟, l‟espace qui

sépare et joint à la fois les espaces l‟essence de l‟entre-deux [...] qui est liée [...] au flux et à l‟éva nascence de l avie humaine (em tant que conscience d‟elle même)”. MAGNAT, Virginie.Cette Vie n'est pas Suffisante: De

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gravidade e com aspectos psíquicos.

A forma de caminhar no Teatro No é deslizando os pés no chão, o que implica em maior esforço, com micromovimentos e ajustes de tensões musculares que ocorrem internamente. Mostrarei o quanto a repercussão desta posição, sobretudo sobre os músculos da nuca e as vértebras cervicais é importante para a emissão vocal, mais adiante, ao discorrer sobre o processo da respiração.

Em relação à associação do movimento à voz, Oida coloca que: “No Japão, assim como em muitos outros países, achamos que para efetuar um movimento que necessita de força, é melhor emitir ao mesmo tempo um som que facilite a sua execução, graças à energia suplementar que sua emissão proporciona.” (OIDA, 1999, p. 64).

No Japão, explica Oida, “sempre existiram laços fortes entre religião, arte e artes marciais”. Estes laços não estão apenas no plano da filosofia e das ideias, mas também no plano da prática e da técnica física:

Os exercícios religiosos do xintoísmo, ou do budismo (como os mudras, os mantras, os rituais de purificação e do za-zen), aproximam-se dos exercícios que se praticam no caminho das artes marciais. Todos visam atingir a verdade mais por intermédio do corpo que pelo intelecto (OIDA, 1999, p.175).

Nas artes marciais, Miranda (2010) aponta que os princípios filosóficos e a disciplina física Zen foram incorporadas ao Bujutsu29, ao Karate e a outras formas tradicionais de combate japoneses:

Foi, de fato, o conceito de ki como hara em ação, [...] que interessou o bushi e seu sensei. E sua concentração sobre esta aplicação em especial do haragei30 tornou-se,

na maioria dos casos tão absoluta, e os resultados dos métodos de treinamento utilizados para o desenvolvimento e utilização de energia centralizada tão surpreendentes, que o ki era considerado por natureza "esotérico" e intrinsecamente "divino". (Ratti e Westbrook apud MIRANDA, 2010, p.145, grifos do autor)31.

É interessante perceber que no karate as pernas são bastante utilizadas nos golpes, e o tônus nessa região é necessário para o equilíbrio. Assim como no teatro No, os pés “lambem o

29Arte marcial exclusiva do Bushi, ou guerreiro feudal japonês.

30Haragei é um amplo estudo do domínio da bioenergia a partir do conceito de ki (energia vital), adquirido

através da respiração. In: http://www.bugei.com.br/bugei/mentais/haragei.asp.

31It was, in fact, the concepto of ki as hara in action, [...] which interested the bushi and his sensei. And their

concentration upon this particular application of harangei became, in most cases, so absolute, and the results of the training methods employed for the development and employment of centralized energy so astounding, that ki

was considered to be “esoteric” in nature and intrinsically “divine”. (Ratti e Westbrook apud MIRANDA, 2010, p.145, grifos do autor).

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30 chão”. A associação com a gravidade e os apoios corporais está relacionada para transformar peso em energia. Esta energia, expressa nas artes marciais ou no teatro japonês está relacionada à respiração e tem uma conotação espiritual.

1.1.2 Noções acerca do conceito de tant'ien e a energia chi

Para elucidar as questões relacionadas ao centro energético tant’ien e à energia chi, Jaqueline Fernandes, Mestra de Kung Fu, Tai Chi Chuan e Qi Gong32 e também especialista em acupuntura concordou em me conceder uma entrevista33. Os conceitos que serão expostos acerca do tant’ien e do chi e suas relações culturais, quando não mencionadas outras fontes são oriundos desta entrevista.

Fernandes explica que nas artes marciais chinesas, o centro de energia do corpo é chamado de tant’ien, que significa campo cultivável. A localização deste centro pode ser encontrada colocando-se os dedos polegares no umbigo e os indicadores em direção ao púbis, formando o que na horizontal se assemelharia a um olho – “o olho do tigre”, conforme explicou Fernandes. O tant’ien fica no centro do corpo, constituindo um espaço que é tridimensional. É o local, onde a energia, o pensamento, as visualizações são projetadas e ali elas germinam. Dali toda energia vai brotar no corpo e para o corpo retornar.

De acordo com Shahar, (2011 p.207-208)34, O qi, “considerado vital para o funcionamento do corpo”, era inalado nas técnicas respiratórias da ginástica Daoyn35 e conduzido ao “baixo campo de cinábrio”, ou dantien sob o umbigo. Pela “respiração embrionária” chamada de taixi, o qi era levado até este ponto, obedecendo a metas taoístas de tentar readquirir a vitalidade revertendo o processo do envelhecimento. Shahar aponta que “Pela subversão do tempo biológico era possível e reencontrar o ilimitado potencial de crescimento do feto. Desde que o embrião era alimentado pelo cordão umbilical, era necessário estimulá-lo, respirando através do umbigo”. (SHARAR, 2011 p.205). A respiração embrionária se reportava ao fecundo imaginário da obra taoista O Caminho e seu Poder,

32Qi Gong e Chi Kun são expressões análogas que designam uma prática de respiração e energização embasada

no Taoísmo.

33FERNANDES, Jacqueline. Entrevista concedida à Ângela Finardi. Florianópolis, 09 de mar. de 2013.

Entrevista.

34SHAHAR, Meir. O Mosterio de Shaolin: história, religião e artes marciais chinesas; Trad. Rodrigo Wolff

Apolloni e Rodrigo Borges de Faveri. São Paulo: Perspectiva, 2011.

35A ginástica chinesa Daoyn (guar e puxar), de origens ancestrais combinava o movimento dos membros com

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datada aproximadamente do século IV a. C, da qual transcrevo um pequeno trecho apresentado por Sharar (2011, p.208): “Aquele que possui virtude em abundância é comparável a um recém nascido. [...] Seus ossos são frágeis, seus tendões flexíveis e ainda assim o seu agarre é firme [...] Ele grita o dia inteiro e mesmo assim não fica rouco: isso acontece porque sua harmonia está no ponto máximo”.

É importante perceber que o ar enquanto qi está sempre vinculado ao movimento e a otimização da força física. Cinestesia, concentração e movimento caminham juntas nas artes marciais chinesas. De acordo com Amaral (1984) somos seres bipolarizados. Na conceituação da filosofia chinesa taoista o Yin e Yang são energias que regem o universo e a nós mesmos. No fluir das energias positiva e negativa é que vamos descobrir o ponto do equilíbrio, o momento de inércia (wu-wei) entre expansão e recolhimento. Este ponto de equilíbrio, no corpo corresponde ao tant’ien.

Fernandes afirma que nas práticas do Tai Chi, do Chi Kun e do Kung Fu, a consciência é trazida para este ponto, o tant’ien. A energia, por ser real, não precisa ser imaginada, basta ser visualizada: “a energia é como um objeto atrás de uma porta, dentro de um quarto fechado, você não precisa imaginar nada, ele esta lá, é palpável, você atravessa essa porta e chega até ela”. Utilizando a visualização, a mestra afirma que é possível direcionar o chi.

Três energias são unidas através da prática, e consideradas como sendo três tesouros: O tesouro do céu, que é o chi celestial ou sopro divino, é inalado e percebido também como oxigênio; o tesouro da terra ou chi telúrico é extraído principalmente dos alimentos; e o tesouro que é o homem, cujo chi vem de por o pé no chão, a energia que vem da terra. O homem em conexão com o céu e a terra, ou seja, em vida, em movimento.

A forma como o chi se aloja no corpo é explicada por Fernandes:

Na hora da fecundação os chineses dizem que surge do céu um filete dourado que desce o chi e vai se alojar nas células que vão se reproduzir para formarem os rins. Os rins, eles recebem o nome de Ming - Mei. Mei é o portão divino, portão da vida. Lá se aloja a energia desse sujeito quando concebido. Essa energia vem da herança genética do pai e da mãe, mas vem de uma herança simbólica também, dos seus ancestrais. Este chi, herdado dos ancestrais no ato da concepção é chamado pelos chineses de chi pré-natal e sua quantidade depende da forma de vida dos antepassados. As práticas possibilitam armazenar chipós-natal, para não se gastar o

chipré-natal. Daí a urgência de se praticar.

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Figura 1 Chakras: Os Vórtices humanos de energia
Figura 3 Cinta Abdominal
Figura 4 Estrutura da Laringe
Figura 8 As tipologias de Goldelieve Denys-Struyf e as cadeias musculares correspondentes
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Referências

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