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O Centro de Energia de Base do corpo como um segundo cérebro: O sistema

CAPÍTULO I: NOÇÕES DE CENTROS DE ENERGIA DO CORPO EM ALGUMAS

1.2 NOÇÕES ACERCA DO CENTRO DE ENERGIA DO CORPO EM PRÁTICAS

1.2.6 O Centro de Energia de Base do corpo como um segundo cérebro: O sistema

Estudos recentes da neurobiologia dão a entender que existe literalmente um segundo cérebro na barriga, que se comunica com o sistema nervoso central (SNC) através do nervo vago. A pesquisa do neurobiólogo Michael Gershon73 a esse respeito resumida por Sandra Blakeslee no New York Times é referenciada pelo historiador e teórico da performance Richard Schechner74 (2012, p.143):

73Michael Gershon é considerado o pai da moderna Neurogastroenterologia. Autor do livro O Segundo Cérebro

– The Second Brain (1998), no qual pode-se ter informações detalhadas sobre suas descobertas acerca do Sistema Nervoso Entérico (SNE).

74Richard Schechner desenvolveu os rasaboxes - caixas de rasa, uma técnica de treinamento emocional por

jogos para o aprofundamento da representação.Rasaé um conceito essencial na arte da Índia que se assemelha muito ao que compreendemos por emoção. (SCHECHNER, 2012) In: SCHECHNER, Richard. Performance e

Antropologia de Richard Schechner: seleção de ensaios organizada por Zeca Ligiéro; [tradução Augusto

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O cérebro do sistema gastrointestinal, conhecido como sistema nervoso entérico [SNE], está localizado em bainhas do tecido que reveste o esôfago, o estômago, o intestino e o cólon. Considerado uma entidade individual, é uma rede de neurônios, neurotransmissores e proteínas que transmitem impulsos nervosos entre os neurônios, apoiam células tais como as encontradas no próprio cérebro e um completo circuito que lhe permite agir de modo independente, aprender, lembrar, e como diz o ditado, ter intuições.

O sistema nervoso entérico é parte do sistema nervoso periférico [SNP] 75, porém, é diferente tanto fisiologicamente quanto estruturalmente. Curiosamente, o sistema nervoso entérico é capaz de “mediar ação reflexa na ausência de impulso nervoso do sistema nervoso central”. (Gershon apud SCHECHNER, 2012, p. 143).

Esse contraste incita a suposição de que o SNE possui atividade independente e complementar ao SNC, já que a via de comunicação ente os dois é tênue: apenas o nervo vago.

De acordo com Blakeslle (apud SHECHNER, 2012, p. 143-144):

Até relativamente pouco tempo atrás acreditava-se que os músculos e nervos sensoriais do sistema gastrointestinal estivessem ligados diretamente ao cérebro, e que o cérebro controlava esse sistema [...]. O sistema gastrointestinal era [considerado] simplesmente um tubo com reflexos simples. O problema é que ninguém tinha se dado ao trabalho de contar as fibras nervosas no sistema gastrointestinal. Quando o fizeram [...] ficaram surpresos ao constatar que o sistema gastrointestinal contém 100 milhões de neurônios – mais do que a medula espinhal.

Contudo, o nervo vago envia apenas alguns milhares de fibras nervosas para o sistema gastrointestinal. [Grifos meus].

A quantidade de neurônios do SNE é muito relevante. Schechner (2012, p.144) esclarece: “[...] isso significa que o sistema gastrointestinal – esôfago, estômago, intestinos e vísceras – possui o seu próprio sistema nervoso. Esse sistema não substitui ou se apropria do cérebro. Ele opera ao lado do cérebro [...], do ponto de vista evolutivo, [...] „sob‟ o cérebro”.

75O SNP é formado de um grande número de células nervosas por todo o corpo e conduz os estímulos sensoriais

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Figura 10 Intestino: o segundo cérebro

Fonte: Página do blog: Medholos

Parece que a neurociência começa a desvendar, a partir da descoberta de Gershon um conhecimento milenar que os indianos, balineses, chineses e japoneses tiveram acesso através de suas práticas culturais: a importância da região central do corpo, tida como chakra base,

putsab nahbi, tant’tien, koshi ou hara em relação à emoções e sentimentos.

Schechner, intrigado ao ler sobre o SNE, relacionou-o ao sistema rásico e compartilhou sua inquietação com o Dr. Gershon enviando-lhe um e-mail em dezembro de 2002. Transcrevo a resposta do Dr. Gershon à Schechner, dada a sua importância no contexto desta dissertação:

Obrigada por sua carta. Você está tocando em uma ferida e certamente está correto em dizer que nós, no Ocidente, que nos consideramos cientistas sólidos, não levamos o pensamento oridental muito a sério. O problema de boa parte do pensamento oriental é que ele não se baseia em observações documentáveis. Não se podem quantificar ideias sobre sentimentos fortes ou poder profundo. Assim, nós ignoramos as ideias orientais sobre o umbigo, ou as tomamos como metáforas, as quais não são muito diferentes das nossas metáforas sobre „intuições‟. Por outro lado, soube recentemente que há pesquisa quantificável que estabelece, indubitavelmente, que a estimulação do nervo vago pode ser usada para tratar epilepsia e depressão. A estimulação no nervo vago também melhora o aprendizado e a memória. A estimulação no nervo vago é algo que não é natural, mas 90% do nervo vago transportam

informações do sistema gastrointestinal para o cérebro. Portanto, é possível que a estimulação do nervo vago imite a estimulação natural do nervo vago pelo segundo cérebro.[....] O autismo

afeta o sistema gastrointestinal, assim como o cérebro. Em suma, eu admito agora que o sistema gastrointestinal possa afetar seriamente as emoções. (Gershon apud SCHECHNER, 2012, p.144)

61 Seria possível, desta forma, compreender que não apenas as sensações oriundas da má- digestão, constipação intestinal sejam percebidas pelo SNC, mas que várias sensações e emoções tenham origem no SNE. É provável que os autistas não se relacionem, por não conseguirem reconhecer as emoções dos outros e relacionarem-nas com as suas emoções. Porque no caso destes, “a ponte” - o nervo vago, talvez não seja capaz de fazer a conexão entre o SNE – sede de sensações e emoções e o SNC - onde o sentimento destas emoções se torna consciente.

Uma das explicações da forma como o som afeta as emoções tem no sistema gastrointestinal, portanto, no SNE seu embasamento. Joy Gardner (2007, p.154 ) explica que “quando o som atravessa o ar, ativa o nervo vago, que se estende do ouvido à laringe, e percorre todo o trato gastrointestinal (...) que situa-se na área do terceiro chakra, que é um centro emocional”. Gardner salienta que o ouvido, o primeiro órgão a se desenvolver no embrião, é o condutor do sistema nervoso inteiro. “Pela medula o nervo auditivo se liga a todos os músculos do corpo. Portanto, o tônus muscular, o equilíbrio, a flexibilidade e a visão são influenciados pelo som”. (GARDNER, 2007, p. 155). Daí podemos perceber também a escuta e a vocalização como fontes de emoção no corpo humano e sua ampla relação com o

Centro de Energia de Base, um centro de equilíbrio, onde está alojado o sistema nervoso

entérico.

Schechner (2012, p.145) afirma que:

a presença e a localização do SNE confirmam um princípio básico da medicina, da meditação e das artes marciais da Ásia: que a região do sistema gastrointestinal, entre o umbigo e o osso púbico, é o centro, a fonte de disponibilidade, equilíbrio e recepção, o lugar onde se originam e estão centralizadas a ação e a meditação. Um lugar afim é a base da espinha dorsal, o local de repouso da Kundalini, um sistema de energia que pode ser estimulado e dirigido para o alto da espinha dorsal. Ter consciência e controle sobre o sistema gastrointestinal e a parte baixa da espinha dorsal é crucial para qualquer um que aprenda as várias performances, as artes marciais ou meditações asiáticas.

Saliento a importante contribuição de Gershon acerca do Sistema Nervoso Entérico, e de Schechner, que à luz da neurociência acaba por estabelecer um diálogo entre a medicina ocidental com a medicina e as práticas psicofísicas orientais.

Os renovadores do teatro do século XX, como apontei no início do capítulo, lançaram um olhar atento ao oriente. Grotowski, cuja pesquisa ao longo da vida se debruçou sobre a organicidade no trabalho do ator aponta que é da centralidade do corpo, da “cruz” que brota a corrente de impulsos capaz de conferir organicidade à ação corporal e vocal:

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Toda reação autêntica tem início no interior do corpo. O exterior (os detalhes ou gestos) é somente o fim desse processo. Se a reação exterior não nasce do interior do corpo, será sempre enganadora – falsa, morta, artificial, rígida. [...] Onde tem início essa reação? Na pare interior do corpo que chamamos “a cruz”, ou seja, a parte inferior da coluna vertebral, incluindo a inteira base do torso, até o abdômen inferior. (GROTOWSKI, 2007, p.172)

O mapeamento de um Centro de Energia de Base no corpo humano passa a englobar o sistema gastrointestinal, pela importante atuação do SNE. A contribuição de Gershon torna mais clara a importância deste “centro” como um mecanismo reativo e orgânico que está diretamente relacionado à emoção atuando como um importante dispositivo psicofísico.

1.2.7 O Centro de Energias de Base na perspectiva de um corpo sexuado: relações entre