CAPÍTULO I: NOÇÕES DE CENTROS DE ENERGIA DO CORPO EM ALGUMAS
2. CAPÍTULO II: OFICINA VOZ E AÇÃO VOCAL DE CARLOS SIMIONI
2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO DE CARLOS SIMIONI
No âmbito das pesquisas relacionadas ao treinamento corpóreo-vocal para performers no Brasil, podemos destacar o trabalho do ator-pesquisador76 Carlos Simioni (1959), co- fundador do Lume – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade de Campinas77. A elaboração técnica de Simioni junto ao Lume vem sendo por ele transmitida na
oficina Voz e Ação Vocal, no Brasil e no exterior78. A relevância da pesquisa corpóreo-vocal
76O conceito de ator-pesquisador está diretamente relacionado com os objetivos do teatro de pesquisa do século
XX e “denomina o ator cujo trabalho é voltado tanto para a busca de uma nova forma de expressão, quanto para a pesquisa dos critérios correspondentes da formação do ator” (CERASOLI JR, 2010, p.27) in CERASOLI JR:
O Lume no contexto do teatro de pesquisa do Século XX. São Paulo: 2010. Dissertação (Mestrado em Artes
Cênicas). Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
77O Lume foi recentemente premiado na 25ª Edição do Prêmio Shell de Teatro, na categoria especial, (2013)
pelos 25 anos de trabalho permanente de pesquisa. Para maiores informações acesse: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/03/13/lume-teatro-ganha-premio-shell
78O LUME se tornou referência internacional para artistas e pesquisadores no redimensionamento técnico e ético
do ofício de ator. [...] “Ao longo de quase 30 anos tornou-se conhecido em mais de vinte e seis países, tendo atravessado quatro continentes, desenvolvendo parcerias especiais com mestres da cena artística mundial”
66 de Simioni é apontada por Moira Stein, no livro Corpo e Palavra: caminhos da fala do ator
contemporâneo79. Simioni fundou o LUME em 1985, junto com o Luís Otávio Burnier80 (1957-1995). Nas demonstrações de trabalho técnico e oficinas que participei, o ator costuma fazer referência a relação cultivada entre Burnier e ele como uma relação de mestre e discípulo. Simioni relata que Burnier buscou nele um compromisso de pesquisar por vinte anos a “arte de ator”81. Isso indica um trabalho de ator forjado por mais de vinte anos no contexto do “teatro de pesquisa”82, que busca a edificação de um treinamento pessoal alicerçado no contexto do grupo.
A edificação deste treinamento pessoal no LUME parece inserir-se na congruência de práticas culturais orientais e ocidentais, especialmente práticas europeias para “[…] edificar as bases para a elaboração da técnica de ator levando em conta a corporeidade do brasileiro” (BURNIER, 2001, p.15). É interessante notar que a construção deste corpo nacional deu-se pela busca de técnicas psicofísicas apreendidas em projetos com artistas internacionais convidados ou em viagens internacionais de pesquisa realizadas pelos membros do LUME.
Na tese de doutorado de Burnier intitulada A Arte de Ator: da técnica à representação (2004), que versa sobre elaboração, codificação e sistematização de técnicas corpóreas e vocais para o ator, pesquisada no LUME, o autor faz referência à influência de Constantin Stanislavski, Etienne Decroux, Jerzy Grotowski, Eugênio Barba e Iben Nagel Rasmussen, dentre outros e a atores orientais. Simioni, ao se reportar á elabração técnica do Lume enfatiza a influência de Grotowski83: “Nosso trabalho é bem mais Grotowski. Ele parte do
Informação obtida no site do grupo: http://www.lumeteatro.com.br/interna.php?id=8.
79STEIN, Moira. Corpo e Palavra: caminhos da fala do ator contemporâneo. Porto Alegre:
Movimento/EDUNISC, 2009. O livro é baseado na Dissertação de mestrado da autora, intitulada Corpo e Palavra: Organicidade e Ritualização da Fala em práticas Formativas do Ator Contemporâneo, apresentada em 2006, na Universidade do Estado de Santa Catarina.
80Burnier era professor do Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP e foi o idealizador do Lume,
inicialmente chamado Laboratório Unicamp e Movimento e Expressão.
81Burnier inspirado em Decroux justifica o uso da preposição de para designar que a arte é “algo que emana do
ator, algo que lhe é ontológico.” O ator não dono de sua arte, mas quem a concebe e realiza. (BURNIER, 2001, p.18)
82“O teatro de pesquisa procede a um questionamento tanto das formas de expressão quanto do conteúdo de
representação e de seu impacto sobre o público para isso se faz necessário „encontrar uma nova forma de expressão do ator e os critérios de formação correspondentes, fazer da ética uma referencia prioritária e não mais assessoria. Historicamente está contextualizado como um movimento de retomada do „teatro de grupo‟ na Europa da década de 60, com a criação do Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski, do Living Theatre, do Open
Theatre, do Odin Teatret de Eugenio Barba, e do Centro Internacional de Pesquisa Teatral de Peter Brook.” (ASLAN apud CESAROLI JR, 2010, p.28). No Brasil, O CPT - Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho e o
LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP são exemplos de grupos de “teatro de pesquisa” citados por Adriana Dantas de Maris e por Umberto Cesaroli Júnior. (MARIZ, 2007).
83 O polonês Jerzy Grotowski (1933-1999) é considerado um dos grandes nomes do teatro do século XX. Iniciou
67 caótico, do buscar lá dentro de você a vida, o orgânico, e depois dentro desse orgânico encontrar a técnica” (Simioni apud FERRACINI, 2006, p.84). Em sua demonstração de trabalho técnico Prisão para a Liberdade, Simioni expõe também a influência da dançarina de
butô, a japonesa Natsu Nakajima, discípula de Tatsumi Higikata e Kazuo Ohno, que trabalhou
com o grupo em 1991. Na trajetória do Lume está presente outro nome importante da dança
butô, Tadashi Endo, com o qual o grupo realizou duas montagens, a última, um solo de
Simioni intitulado Sopro. Em entrevista84 a mim concedida (2012), Simioni atribui a influência no desenvolvimento de sua técnica vocal à atriz Iben Nagel Rasmussen, do Odin
Teatret, grupo dinamarquês dirigido por Eugênio Barba, o criador da Antropologia
Teatral. Com a atriz, Simioni afirmou ter aprendido inicialmente a dosar as tensões do corpo para trabalhar a voz. Há vinte e um anos, Simioni participa do grupo criado por Rasmussen, o
Ponte dos Ventos, desenvolvendo pesquisas e trocando experiências85.
Na técnica corpóreo-vocal ensinada na oficina Voz e Ação Vocal dois tipos de treinamentos são complementares: o “treinamento energético”, que lembra “o mergulho interno” proposto por Grotowski, com vias a acessar e manter vivas as energias potenciais do
Ludwik Flaslen, Zygmunt Molik e Rena Mireka chamado neste primeiro momento Teatro das treze fileiras e depois TeatroLaboratório, quando foi transferido para a cidade de Wroclaw, em 1964-1955. O teatro era visto por Grotowski como um “ritual laico”. Seus espetáculos exploravam a modificação contínua das relações espaciais entre os atores e os espectadores. Conceitos revolucionários como teatro pobre, do ator como “ator santo” revelando-se através da “via negativa” um processo no qual o ator não colecionava técnicas, mas buscava se desfazer de todos os impedimentos físicos e psicológicos que o impedisse de se revelar, de realizar o “ato total”, um desnudamento de suas máscaras.. No auge de seu sucesso após uma viajem solitária à Índia, Grotowski decidiu abandonar o palco e passou do Teatro dos Espetáculos (1959-1969) para o que ele chamou de
Parateatro, ou de Teatro de Participação ou de Cultura Ativa(1970-1978). Nesta fase, o que predominou foi a
noção de encontro e vários projetos se desenvolveram através da organização de ritos comunitários e de trocas interativas entre todos os presentes em que buscavam um impulso de descondicionamento. Enquanto Grotowski decidiu viajar e fazer palestras para apresentar os novos resultados de sua pesquisa seus atores conduziam os eventos. Um deles Actyng Therapy era liderado inicialmente por Zygmunt Molic. Na fase posterior, denominada de Teatro das Fontes (1978-1982) Grotowski buscou, com pessoas de diferentes continentes culturas e tradições , dedicar-se a atividades que os levassem para as “fontes da vida”. Em 1982 deixou a Polônia que estava sob lei marcial e mudou-se para a Itália. Lá ministrou um ciclo de palestras e depois foi para os estados Unidos, onde trabalhou em universidades. Em 1986 mudou para Pontedera, e estabeleceu o Workcenter of Jerzy Grotowski, onde trabalhou com o que Peter Brook denominou de A Arte como veículo. Nesta fase, a direção dos esforços passa de horizontal (dirigida para espectadores ou participantes) para vertical (eficaz para os próprios performers). Os expectadores passam a ser testemunhas. Há uma reconexão com a primeira fase a dos espetáculos. Grotowski faleceu em 1999, e deixou Thomas Richards como seu sucessor. (CAMPO, MOLIK, 2012). In: CAMPO, Giuliano. Trabalho de Voz e Corpo de Zygmunt Molik: O legado de Jerzy Grotowski. Giuliano campo, com Zygmunt Molik; trad. Julia Barros. São Paulo: É Realizações, 2012.
84SIMIONI, Carlos. Entrevista concedida à Ângela Finardi. Porto Alegre, 25 de mai. de 2012. Entrevista. 85“O grupo Ponte dos Ventos foi fundado em 1989 por Iben Nagel Rasmssen. Reúne anualmente vinte e dois
artistas de onze países europeus e latino-americanos por cerca de 20 dias em diferentes países para uma profunda imersão que culmina numa apresentação pública”. Informação obtida na palestra A Ponte dos Ventos, ministrada por Iben Nagel Rasmussen e Elena Flores, com participação de Tatiana Cardoso. O evento foi realizado em 09 de maio de 2012, no Teatro do Museu de Porto Alegre, durante o Palco Giratório do SESC. Para maiores informações sobre o Ponte dos Ventos, acesse: http://www.pontedeiventi.net/vb/History.html
68 performer, e o “treinamento técnico”, com exercícios cujos princípios são apreendidos para canalizar estas energias despertadas no treinamento energético que irão se corporificar em corpo e em voz. Todos os exercícios propostos, inclusive os ressonadores vocais, têm o koshi como ponto de onde parte o impulso para os ressonadores ou focos vibratórios. No decorrer deste capítulo estes exercícios serão explicitados.