rev bras reumatol.2017;57(6):630–632
ww w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Relato
de
caso
Hanseníase
que
simula
esclerose
sistêmica:
relato
de
caso
夽
Leprosy
simulating
systemic
sclerosis:
a
case
report
Bruna
Burko
Rocha
Chu
a,∗,
Giorgina
Falcão
Brandão
Côrtes
Gobbo
a,
Rafaela
Copês
a,
Glênio
Gutjahr
a,
Erick
Cavalcanti
Cossa
ae
Eduardo
dos
Santos
Paiva
b aUniversidadeFederaldoParaná(UFPR),HospitaldeClínicas,Curitiba,PR,BrasilbUniversidadeFederaldoParaná(UFPR),HospitaldeClínicas,Servic¸odeReumatologia,Curitiba,PR,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem23defevereirode2016 Aceitoem11deagostode2016 On-lineem17desetembrode2016
Introduc¸ão
Ahanseníaseéumadoenc¸ainfectocontagiosacrônica, cau-sada pelo Mycobacterium leprae, altamente contagiosa, mas combaixa morbidadedevidoàresistência de grandeparte da populac¸ãoaessa doenc¸a.Suaprevalênciamundial tem diminuído desde a introduc¸ão da poliquimioterapia, mas, apesar disso, o Brasil não alcanc¸ou a meta de eliminac¸ão da doenc¸a, ganha apenas da Índia em número absoluto de casos.1 A hanseníase apresenta um amplo espectro de manifestac¸ões clínicas, pode ser um desafio diagnóstico principalmentenosprimeirosanosdadoenc¸a.Algumas des-sas manifestac¸ões assemelham-se a quadros de doenc¸as reumatológicas.2,3 Relatamos um caso de hanseníase com espessamentocutâneo,reabsorc¸ãodefalangedistale telan-gectasiasemfacequesimulaesclerosesistêmica.
夽
TrabalhodesenvolvidonaUniversidadeFederaldoParaná(UFPR),HospitaldeClínicas,Servic¸odeReumatologia,Curitiba,PR,Brasil. ∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:brunabrchu@gmail.com(B.B.Chu).
Relato
de
caso
Paciente masculino de 69 anos, com quadro iniciado havia quatro anosde esclerodactiliaassociado acianosee palidezdeextremidadesnãorelacionadasaofrio. Sem his-tóriadeulcerac¸õesdigitais,mascomprogressivareabsorc¸ão de falanges distais evidenciada na evoluc¸ão clínica. Apre-sentava ainda sintomas de polineuropatia sensitiva em mãos e pés e telangiectasias em face. Um ano antes do diagnóstico houve o aparecimento de lesões cutâneas em cotovelos,comreduc¸ãodesensibilidadelocal.Não apresen-tava queixa articular, dispneia ou disfagia. Havia história de contato íntimo com parente portador de hanseníase seis anos antes do início dos sintomas. A investigac¸ão prévia para hanseníase com biópsia de pele resultou negativa.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2016.08.001
rev bras reumatol.2017;57(6):630–632
631
Figura1–Espessamentocutâneoereabsorc¸ãodasfalanges distais.
Figura2–Radiografiademãosqueevidenciaacrosteólise.
Naavaliac¸ãoatualforamevidenciadosespessamento cutâ-neodistaledenervoulnarbilateral,reabsorc¸ãodasfalanges distais(fig.1),telangiectasiasemface,alémdelesões hipo-estésicas,infiltradaseeritematosasemambososcotovelos. Exameslaboratoriaisforamnormaisearadiografiademãos demonstrouareabsorc¸ãodasfalangesdistais(fig.2).A capi-laroscopia não foi feita. O paciente foi submetido a nova biópsia,queconfirmouodiagnósticodehanseníase tubercu-loide.Pacientefoiorientadosobreotratamentoeaavaliac¸ão doscontatosíntimosemantémseguimentocoma dermato-logia.
Discussão
Ahanseníaseapresentadiversasmanifestac¸õesclínicas,que dependemdarespostaimunológicadohospedeiro.Naforma tuberculoide,háumarespostaeficientemediadaporcélulas,
enquantoaformavirchowianasecaracterizaporimunidade humoral.Encontram-se,entreessesdoisextremos,asformas intermediárias,querefletemvariac¸õesgraduaisdaresistência aobacilo.4
Nasfaseiniciais,opacientepodeapresentarsomente sin-tomas cutâneos e neurológicos, sem demonstrarsinais de envolvimento de outros órgãos.2 O acometimento muscu-loesqueléticoéo terceiromais frequente.5 Emestudo com 70pacientescomhanseníase,Vengadakrishnanetal. mostra-ramque61,42%apresentarammanifestac¸ãoreumatológica, aartriteéamaiscomum.6Umestudobrasileiro,poroutro lado,mostrouqueapenas6,1%de1.257pacienteshansênicos apresentaramacometimentoarticular.7
Podemocorrer,também,sintomassistêmicoseapresenc¸a de autoanticorpos.2 Ribeiroet al. determinaram operfil de anticorpos de 158 pacientes com hanseníase, com e sem comprometimentoarticular.Afrequênciadeanticorpos anti-cardiolipinaeantibeta-2glicoproteínaIfoisignificativamente maiornos pacientescom hanseníasedoquenos controles saudáveis.8Elbeialy etal.demonstraramqueapresenc¸ade anticorposanticardiolipinafoiassociadaapresenc¸ado fenô-menodeRaynaudempacienteshansênicos.9
Jáforamdescritosnaliteraturacasosdehanseníase erro-neamentediagnosticadoscomolúpuseritematososistêmico, vasculite, artrite reumatoide3 e esclerose sistêmica. Essa últimaéumadoenc¸aautoimunequecausaacúmulo exces-sivodecolágeno,levaaesclerosecutâneaefibrosedeórgãos internos.Leeetal.tambémrelataramumcasodehanseníase que simulava esclerose sistêmica. O paciente foi erronea-mentediagnosticadocomoportadordessadoenc¸adevidoà similaridade das lesões cutâneas, fenômenode Raynaud e a positividadedealguns anticorpos.Oespessamento cutâ-neofoiposteriormenteinterpretadocomoedemacutâneode longadatasecundárioaplacashansênicas,enãocomo escle-rodermiaverdadeira.2
O paciente do nosso relato foi inicialmente diagnosti-cado como portador de esclerose sistêmicapor apresentar espessamento cutâneo nas mãos, fenômeno de Raynaud, telangectasias,reabsorc¸ãodasfalangesdistaisedevidoaofato de abiópsiadepeleinicial nãoterevidenciadoapresenc¸a de BAAR. A reabsorc¸ão da falange distal ocorre em 20-25%dospacientescomesclerosesistêmicaeestáfortemente associadacomaisquemiadigitalgrave,sugerequeseja decor-rentedeatrofiaisquêmica.10Nahanseníase,asalterac¸õesda falangedistalpodemserdeváriostipos,comodefeitofocal, irregularidades, destruic¸ãocompletaouestreitamento con-cêntrico,ocorreem19-45%dospacientes.11
Apesardeterapresentadosintomascomunsaessasduas doenc¸as,nossopacientetambémapresentavaanestesiaem botaeluvaenãoforamobservadossinaisdeacometimentode outrosórgãos,demonstradospelaausênciadedisfagiae disp-neiaepelostestesdefunc¸ãopulmonardentrodospadrõesda normalidade.Dessaforma,ahanseníasesemostroucomoo diagnósticomaisprováveleseconfirmouapósnovabiópsia depele.
632
rev bras reumatol.2017;57(6):630–632reumatologistacomohipótesediagnósticaempacientescom acometimentomusculoesquelético,principalmentese apre-sentaremcomprometimentodenervosperiféricos.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramquenãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1. LastóriaJC,deAbreuMAMM.Leprosyreviewofthe epidemiological,clinical,andetiopathogenicaspects.Part1. AnBrasDermatol.2014;89:205–18.
2. LeeJY,ParkSE,ShinSJ,KimCW,KimSS.Caseoflepromatous leprosymisdiagnosedassystemicsclerosis.JDermatol. 2014;41:343–5.
3. RibeiroSLE,GuedesEL,PereiraHLA,SouzaLS.Manifestac¸ões sistêmicaseulcerac¸õescutâneasdahanseníase:diagnóstico diferencialcomoutrasdoenc¸asreumáticas.RevBras Reumatol.2009;49:623–6.
4. PereiraHLA,RibeiroSLE,SatoEI.Manifestac¸õesreumáticas dahanseníase.ActaReumatolPort.2008;33:407–14.
5.ChauhanS,WakhluA,AgarwalV.Arthritisinleprosy. Rheumatology.2010;49:2237–42.
6.VengadakrishnanK,SaraswatPK,MathurPC.Astudyof rheumatologicalmanifestationsofleprosy.IndianJDermatol VenereolLeprol.2004;7:6–8.
7.PereiraHLA,RibeiroSLE,PenniniSN,SatoEI.Leprosy-related jointinvolvement.ClinRheumatol.2009;28:79–84.
8.RibeiroSLE,PereiraHLA,SilvaNP,SatoEI.Autoanticorposem pacientescomhanseníase,comesemcomprometimento articular,noEstadodoAmazonas.RevBrasReumatol. 2009;49:547–61.
9.ElbeialyA,Strassburger-LornaK,AtsumiT,BertolacciniML, AmengualO,HanafiM,etal.Antiphospholipidanti-bodiesin leproticpatients:acorrelationwithdiseasemanifestations. ClinExpRheumatol.2000;18:492–4.
10.JohnstoneEM,HutchinsonCE,VailA,ChevanceA,HerrickAL. Acro-osteolysisinsystemicsclerosisisassociatedwithdigital ischaemiaandseverecalcinosis.Rheumatology.
2012;51:2234–8.