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Adaptação da obra “Épico de Gilgamesh” para história em quadrinhos

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Academic year: 2021

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CAMPUS CURITIBA – SEDE CENTRAL

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIAL - DADIN CURSO TECNOLOGIA EM DESIGN GRÁFICO

GUSTAVO MORETTE DE SOUZA

ADAPTAÇÃO DA OBRA “ÉPICO DE

GILGAMESH” PARA HISTÓRIA EM

QUADRINHOS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA 2018

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ADAPTAÇÃO DA OBRA “ÉPICO DE GILGAMESH”

PARA HISTÓRIA EM QUADRINHOS

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial – DADIN – da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo.

Orientador: Prof. Liber Eugenio Paz

CURITIBA 2018

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TERMO DE APROVAÇÃO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 094

Adaptação da obra “Épico de Gilgamesh” para história em quadrinhos por

Gustavo Morette de Souza – 1359347

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no dia 03 de dezembro de 2018 como requisito parcial para a obtenção do título de TECNÓLOGO EM DESIGN GRÁFICO, do Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico, do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O aluno foi arguido pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, que após deliberação, consideraram o trabalho aprovado.

Banca Examinadora: Prof. Rodrigo André da Costa Graça (Dr.) Avaliador Indicado

DADIN – UTFPR

Prof. Ed Marcos Sarro (Dr.) Avaliador Convidado

PPGDesign – UFPR

Prof. Liber Eugenio Paz (Dr.) Orientador

DADIN – UTFPR

“A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Curso”.

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PR

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Câmpus Curitiba

Diretoria de Graduação e Educação Profissional Departamento Acadêmico de Desenho Industrial

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Todas as pessoas e individualidades anônimas envolvidas na produção das canetas que utilizei para os desenhos, e são provenientes de Taiwan.

Todos indivíduos que participaram da manufatura dos instrumentos de trabalho que possibilitaram a execução deste trabalho, que incluem trabalhadores na China que fabricaram a mesa digitalizadora que foi fundamental para colorir esses quadrinhos. Nunca os conhecerei mas o meu trabalho não teria sido possível sem que o trabalho destes tivesse ocorrido antes.

Agradeço a todos os estudiosos a respeito da Assíria, Suméria, e Mesopotâmia em geral, daqueles que dedicam a sua vida em traduzir e estudar o cuneiforme. Além dos que cito no trabalho, também agradeço por manterem vivo um

conhecimento que nos possibilita enxergar um ponto na história muito

importante sem que o mesmo nos pareça estranho, tornando familiar um outro território que se distancia por cerca de cinco mil anos atrás. Decifrar e manter tal conhecimento possibilita que a própria reflexão continue, nesse período de mono-ideologias.

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cir3-ju10 jectug2-ge na-an-dib-be2 gu-kur silim-ce3 dug4-ga-ja2-kam inim den-ki-ke4 mu-ci-ja2-ja2-a-am3 hul2-hul2-e cag4-ta dug4 tal2-tal2djectin-an-na-ka-kam ud ul-li2-a-ac nu-ha-lam-e-de3 E2.JECTUG2.dNISABA nij2-umun2-a gal-gal mu-bi-ce3 mul-an kug-gin7 bi2-sar ud me-da na-me jectug2-ge nij2 la-ba-ab-dib-be2 [...]-bi nu-ha-lam-e mul-an sag2 nu-di mu da-ri2 mu-tuku2? nar-e dub-sar he2-en-ci-tum2 igi he2-en-ni-in-bar-re jectug2 jizzal dnisaba-ka-kam dub za-gin3-gin7 gu3 he2-na?-ta?-de2-e en3-du-ju10 kug ki dar-ra-gin7 pa he2-em-ta-ed2-ed2 ki-cu-ki-cu-ke4 he2-em-ma-an-du12 ec3 ud-sakar-ra na-me na-an-taka4-taka4 ja2 tigi den-lil2dnin-lil2-la2-ke4 kij2-sig kij2-nim dnanna-ka cul-gi-me-en za3-mi2-ju10 dug3-ga muc3 nam-ba-an-tum2mu

Meus hinos estarão na boca de todos; E minhas canções não deixarão seus ouvidos; A eficácia das bênçãos formais que (o deus) Enki compôs para mim, as quais (a deusa) Geshtinana torna ainda mais ampla através de seu Próprio coração, nunca serão esquecidas! Eu os escrevi linha por linha, como os maiores Exemplos na Casa da Sabedoria de Nisaba, (foram escritos) na Sagrada Escritura Celeste Estelar. Ninguém jamais deixará que eles deixem seus Ouvidos, (eles são) inesquecíveis; a escritura celestial (das estrelas) não pode ser dispersada, dura para sempre. Os escritores levarão (os hinos) aos músicos E os lerão, e pela sabedoria e inteligência de Nisaba, Eles os lerão em voz alta para os outros como se numa Tábua Azul-Escura. Minhas canções brilharão como Prata na Mina; e serão executadas em todos os lugares de culto. Ninguém poderá negligenciá-las no Santuário da Lua Nova, nas câmaras dos Instrumentos dos deuses Enlil e Ninlil, durante as Refeições matutinas e vespertinas (do deus) Nanna O adorável louvor a mim, Shulgi, nunca cessará!

Poema de Exaltação (Shulgi E), versos 240-257 ao Rei Shulgi (cerca de 2029-1982 a.C.)

Período da Terceira Dinastia de Ur. Tradução a partir de Piotr Michalowski (2010) sobre o texto reconstruído por Jacob Klein (1981)

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SOUZA, Gustavo Morette de. Adaptação da Obra 'Épico de Gilgamesh' para uma História em

Quadrinhos. 2018. Número total de folhas. Trabalho de Conclusão de Curso, Tecnologia em Design Gráfico

- Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2018.

O seguinte projeto registra o desenvolvimento de uma História em Quadrinhos adaptando o conteúdo de Literatura Épica Mesopotâmia acerca do herói “Gilgamesh”. O presente documento contextualiza a obra enquanto objeto de estudo, e registra um processo de escolhas referente a adaptação do conteúdo

selecionado para uma história em quadrinhos, abordando a natureza do material e traduzindo a sua narrativa para esse meio.

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MORETTE, Gustavo. Adaptation of the Gilgamesh Epic for a Comic Book Format. 2018. Número total de folhas. Tecnologia em Design Gráfico - Federal Technology University - Parana. Curitiba, 2018.

The following project registers the development of a Comic Book volume adapting the content of Mesopotamian Literature which refers to the character of 'Gilgamesh'. This document

contextualizes the content of the Gilgamesh Epic as a study object, registering a decision-making process about the adaptation of such content into a comic book format, addressing it's nature and translating it's narrative to that medium.

(8)

Figura 1: Antigo Oriente...pág.14 Figura 2: Mesopotâmia. Assíria, Agade e Suméria …...pág.15 Figura 3: Pesquisa de Similares...pág.21 Figura 4: Diagrama das cinco escolhas...pág.23 Figura 5: Esquema das 7 possibilidades...pág.24 Figura 6: thumbnail, Desenho, Arte Final (pintura) e Edição (diagramação) …...pág.26 Figura 7: Oriente Médio e Mediterrâneo Oriental no século 14 a.C. …...pág.34 Figura 8: Cronologia Relativa da Mesopotâmia, sintetizada...pág.40 Figura 9: Impérios do Século 14 a.C. No Oriente Médio e Mesopotâmia...pág.41 Figura 10: As Raças do Mundo, segundo o Livro dos Portões...pág.44 Figura 11: Representações do Deus Enki na tradição de selos cilíndricos …...pág.45 Figura 12: Suméria, Agade e Elam...pág.47 Figura 13: Extensão do Império Acadiano (2254-2218 a.C.)...pág.48 Figura 14: Páginas 3 e 4 do Projeto; Cabeça de Bronze (soberano de Agade) e Relevo da Caça aos Leões de Assurbanipal (detalhe) …...pág.49 Figura 15: Extensão aproximada do Império da Terceira Dinastia de Ur (2112-2004 a.C., cronologia breve)...pág.50 Figura 16: Ur-Nammu e Shulgi ; Soberano desconhecido, figura cerimonial; impressão em selo cilíndrico; brincos de Ur III (cerca de 2300-2004 a.C.)...pág.51 Figura 17: a) Página 3; b) mapa do período de Uruk; c) Sul do Iraque atual...pág.55 Figura 18: Mapa-Múndi Babilônico ...pág.56 Figura 19: Registro dos esboços do script original...pág.58 Figura 20: Esquema da cronologia relativa em relação ao conteúdo do épico...pág.60 Figura 21: Baixo-Relevo; Ninsun...pág.63 Figura 22: Gilgamesh; Sargão II; "Herói domando um Leão"...pág.64 Figura 23: Ninmah; Ninhursag "Senhora do Nascimento", de cerca de 2017-1763 a.C...pág.66 Figura 24: Enkidu; Relevo de selo cilíndrico, cerca de 2350-2000 a.C...pág.68 Figura 25: Shamhat (harimtu)...pág.69 Figura 26: Império de Lugalzagesi de Umma ...pág.71 Figura 27: Reconstrução de fachada do E-Anna; comparação a obra do autor …...pág.72 Figura 28: Exemplos de kudurru em calcário, a) fragmento, com um dragão mushussu, cerca de 1156-1025 a.C; b) incompleto, do reinado de Melishipakk, 1186-1172 a.C; c) completo.…...pág.73 Figura 29: Enheduanna (cerca de 2350-2300 a.C.); Gudea, Ensi de Lagash (cerca de 2144-2124 a.C.); Lugaldalu, Rei (Lugal) de Adab (cerca de 2500 a.C.). …...pág.76 Figura 30: Páginas 42-43. …...pág.79

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Figura 32: Fragmento do cone de argila fazendo referência a Urukagina (2350 a.C); Códigos de Ur-Nammu (cerca de 2100-2050 a.C.) e Hammurabi (cerca de 1754 a.C.) em fragmento; Código de Hammurabi completo, face frontal. …...pág.81 Figura 33: quadros nas pág.10 e 25; imagem de deusa, em fragmento de Nippur...pág.82 Figura 34: quadro na pág.50 e pág.53; interpretação artística a respeito de Uruk …...pág.84 Figura 35: Muros de Uruk (pág. 12, 46 e 65) em comparação a reconstrução do Portão De Ishtar (cenário), oitavo portão da Babilônia (século 6 a.C.) …...pág.86 Figura 36: Cenas do festival …...pág.87 Figura 37: Páginas 30 a 32...…...pág.89 Figura 38: Naditu, Harimtu, En e Gala; comparação com figuras de alabastro …...pág.91 Figura 39: Shamash surge das montanhas do Leste; Comparação com o relevo do selo cilíndrico de Adda. …...pág.97 Figura 40: Possíveis localizações da Montanha dos Cedros …...pág.98 Figura 41: Ninsun em comparação com fita do período Dinástico Inicial (2600 a.C). …...pág.99 Figura 42: apresentação dos soldados (obra do autor); em comparação: Estandarte de Ur (2500 a.C.), "lado da guerra" (em detalhe); lanças de cobre e de eléctrio, lança e machado (restaurados). …...pág.100 Figura 43: Elmo de Meskalamdug, eletro-tipo; A Faca de Pu-abi, réplica...…...pág.102 Figura 44: Machados de bronze do Lorestão (cerca de 2000-1900 a.C.). Comparação com o machado "Força dos Heróis" …...pág.103 Figura 45: Fragmento de estela, motivo do "rei caçador", Uruk; cerca de 3000 a.C.; detalhe do relevo "Assurbanipal e a caça dos Leões"; e Espada do Lorestão (cerca de 1000 a.D.) ….pág.104 Figura 46: Floresta de Cedros …...pág.106 Figura 47: Humbaba como Gigante: Relevo com dois heróis (Neo-Hitita, Hurrita -cerca de 1000 a.C); Figura de Humbaba ; Demônio Humbaba; e rosto de Humbaba …...pág.107 Figura 48: Escultura (braço de cadeira) de leão em prata, tumba real de Ur (cerca de 2050 a.C.). Leoa "Guennol", estatueta Elamita (terceiro milênio a.C.) …...pág.108 Figura 49: O Sonho na Floresta. …...pág.109 Figura 50: Motivo de Gilgamesh, A derrota de Humbaba. Selos cilíndricos (período de Uruk -Dinástico Inicial); Relevo...…...pág.110 Figura 51: Anzu (2500 a.C.); Impressão de selo cilíndrico: Pássaro Anzu, cerca de 2154–2100 a.C.; e Estela dos Abutres (2450 a.C) …...pág.111 Figura 52: Caça aos Leões, de Assurbanipal. Cerca de 635 a.C. Em Nínive. ...pág.112 Figura 53: Humbaba …...pág.113 Figura 54: Inanna e as Estações …...pág.117 Figura 55: Dumuzi e Inanna: Reprodução de fragmento de escultura; impressão de selo cilíndrico, comparação ao quadrinho. …...pág.121 Figura 56: Lira de Ur (detalhe); Amuleto dourado; Touro de Warka (3000 a.C.) …...pág.123 Figura 57: Gugalanna …...pág.124 Figura 58: Motivo do Touro (modelo em terracota), em comparação a obra do autor …...pág.124

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Figura 61: Máscara de Warka (3000 a.C.); Ereshkigal. …...pág.129 Figura 62: Kur (pág. 94-95) …...pág.131 Figura 63: A Morte de Enkidu …...pág.132 Figura 64: Cosmografia Babilônica …...pág.135 Figura 65: Assurbanipal e a Caça dos Leões (detalhe); Comparação com página 104...pág.137 Figura 66: Shamash (detalhe) no Código de Hammurabi (1760 a.C.), e na tábua de Shamash (cerca de 872 a.C) …...pág.140 Figura 67: Sin em fragmento (calcário) da Estela de Ur Nammu (Ur-III); (detalhe) Kudurru de Marduk-nadin-akhi (cerca de 1099–1082 a.C); Pérola dedicada a Sin por Ibi-Sin (2010 a.C); Selo cilíndrico com Ur-Nammu …...pág.141 Figura 68: Homens escorpião: Desenho a partir de um entalhe Assírio; detalhe da lira de Ur. Impressão de selo cilíndrico de mármore, período de Uruk (3500–2900 a.C.). …...pág.142 Figura 69: Mashu; Jardim …...pág.145 Figura 70: Siduri …...pág.147 Figura 71: "Último Cais"; Impressão de Selo cilíndrico Acadiano, 2300 a.C. …...pág.152 Figura 72: Embarcação suméria (Tumba Real de Ur) em prata, 2600 a.C.; Modelo em miniatura de embarcação do período Ubaid, quarto milênio a.C, em Eridu. Comparação a obra do autor. …...pág.153 Figura 73: Nergal (fragmento de impressão de selo); Adad (desenho baseado em relevo assírio). Ninurta de Kalhu (cerca de 883-859 a.C), detalhe de relevo. Em comparação: página 121 do projeto. …...pág.157 Figura 74: Enki (detalhe) de impressão de selo cilíndrico (Selo de Adda); Estatuetas Femininas, período de Ubaid (5400-4200 a.C). Comparação: Enki-Ea e Nammu …...pág.159 Figura 75: Enlil, Enki e Anu. …...pág.160 Figura 76: detalhe da tábua de nabu-apla-idinna (cerca de 860 a.C), parte superior. Comparação com os numes na adaptação. …...pág.162 Figura 77: A cerimônia fúnebre; Fragmento de crânio escaneado; como foi encontrado no cenário das Tumbas de Ur. …...pág.166 Figura 78: Vaso de Libação de Gudea (reino a partir de 2120 a.C.); Figura amplificada: representa Ningizzida; Ningizzida: obra do autor. Relevo em alabastro no palácio de Assurnasirpal II (séc. 9 a.C.); e referência: Armadura lateral para cavalo, Lorestão. ..…...pág.167 Figura 79: Marduk (desenho a partir de selo cilíndrico); em comparação, quadro da obra...pág.170 Figura 80: Uanna-Adapa e os Apkallu (página 144); "Homem peixe" com pinha e cesto, em Aleppo; Oannes, relevo fragmentário; e figura de argila de Apkallu pisciformes....…...pág.171 Figura 81: Selos cilíndricos com figura análoga aos Apkallu passariformes. Período Assírio Intermediário (Séc. 11-12 a.C.); Relevo neo-hitita, contendo seres antropozoomórficos não identificados. Baixo-relevo em alabastro com Apkallus e Árvore Sagrada....…...pág.172 Figura 82: Apkallu em relevo Neo-Assírio (reprodução, 1853)..…...pág.174 Figura 83: Herói domando o Leão, identificado com Gilgamesh; comparação a obra...…pág.175 Figura 84: Exemplos de Páginas Duplas ou Simetria.…...pág.179 Figura 85: Expressões …...pág.181

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Figura 87: Impressões teste …...pág.183 Figura 88: Impressão de Protótipo …...pág.184 Figura 89: Exemplares de Páginas …...pág.184 Figura 90: Protótipo Finalizado …...pág.185 Figura 91: Produto Final …...pág.186

(12)

1. INTRODUÇÃO...pág.13 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA 1.2 PROBLEMAS E PREMISSAS 1.3 OBJETIVOS...pág.17 1.3.1 Objetivo Geral 1.3.2 Objetivos Específicos 1.4 JUSTIFICATIVA...pág.18 2. REFERENCIAL TEÓRICO...pág.20 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...pág.22 4. DESENVOLVIMENTO...pág.25 5. CONTEXTUALIZANDO A OBRA...pág.27 5.1. VERSÕES DO ÉPICO 5.2. Das traduções...pág.29 5.2.1 O Cuneiforme 5.2.2 Arqueologia...pág.30 5.2.3 Tradução Acadêmica ou Poética...pág.32 5.3 A ABRANGÊNCIA DO ÉPICO...pág.33 5.3.1 Antiguidade 5.3.2 Modernidade...pág.35 5.4 O CONTEÚDO DO ÉPICO 6. ADAPTAÇÃO...pág.37 6.1 ARTE SEQUENCIAL...pág.38 7. ENREDO...pág.39 7.1 CONSIDERAÇÕES 7.1.1 Seleção da Cronologia 7.1.2 Etnia...pág.41 7.1.3 Tempo...pág.44 7.1.4 Espaço...pág.54 7.2 ROTEIRO...pág.57 7.2.1 Seleção de Conteúdos

7.3. CAPÍTULO 1: SUPERANDO TODOS OS REIS...pág.61 7.3.1 Gilgamesh …...pág.62 7.3.2 Enkidu …...pág.67 7.3.3 Uruk e Organização Social …...pág.70 7.3.4 En, Ensi e Lugal …...pág.74 7.3.5 Lei, Educação e Civilidade …...pág.76 7.3.6 E-Anna e Estratificação Social …...pág.83 7.3.7 Cerimônia e Renovação …...pág.90 7.4. CAPÍTULO 2: A JUVENTUDE DO ANCESTRAL...pág.95 7.4.1 Guerra …...pág.100 7.4.2 Terra dos Vivos, Floresta de Cedros …...pág.105 7.4.3 Humbaba …...pág.106 7.4.4 Inanna-Ishtar e Ereshkigal …...pág.114 7.5. CAPÍTULO 3: AQUELE QUE VIU O DESCONHECIDO...pág.134 7.5.1 Utu-Shamash e Nanna-Sin

7.5.2 Siduri e Urshanabi …...pág.146 7.5.3 Enlil e Enki-Ea …...pág.155 7.5.4 O Longínquo …...pág.163 7.5.5 Epílogo …...pág.165

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9. PRODUÇÃO...pág.182 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS...pág.185 REFERÊNCIAS …...pág.189

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1. INTRODUÇÃO

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

O projeto consiste na adaptação de uma obra do meio literário para o formato de história em quadrinhos, utilizando-se do meio e suas ferramentas referentes enquanto projeto de design gráfico, para alcançar uma experiência visual e narrativa satisfatórias ao conteúdo da história selecionada. A história, aqui referida como “Épico (ou Epopéia) de Gilgamesh”, consiste numa coleção de poemas desenvolvidos em diferentes espaços geográficos (Sul da Mesopotâmia, atual Iraque) e datas (material escrito nos séc. 13 ao 10 a.C, e fragmentos do século 21 a.C. a 18 a.C.), contidos em escrita cuneiforme sobre tábuas de argila. A principal parte do conteúdo dessa narrativa se baseia na tradução contida na biblioteca do rei Assírio Assurbanipal, em Nínive (século 7 a.C.). O personagem histórico1 Gilgamesh foi

referenciado por Sumérios, Acadianos, Assírios e Babilônicos durante essas datas num contexto mitológico. Sua posição na literatura é tida como uma tragédia pioneira, no sentido em que se trata como a primeira história de poesia 'épica'2 escrita

contendo início, meio e fim (formando um ciclo). A edição levada em conta foi a tradução publicada em 2012 pela editora Martins Fontes. A tradutora do original é N. K. Sandars, sua versão data de 1960, com revisões de 1972 e 1987. Na edição de 2012, o crédito da tradução inglês-português é de Carlos Daudt de Oliveira. A proposta de adaptação segue roteiro do autor e baseia-se na versão clássica (standard) do épico, que procede da biblioteca mencionada, em forma de doze tábuas, além de referências adicionais em torno do poema.

1.2

PROBLEMA E PREMISSAS

O projeto se trata de realizar uma adaptação de uma obra literária da Antiguidade, da Era de Bronze (período que se classifica cerca de 3300 a.C. - 1200

1 Sua historicidade ainda é questão em debate: “Não há uma razão absoluta para crer que nos poemas 'épicos' (…) descrevam eventos históricos (…) a reivindicação de historicidade desse heróis literários é pura questão de crença.” (MICHALOWSKI, 2010) p. 12; “Nós sabemos agora, com certeza, que Gilgamesh foi considerado na antiguidade como personagem histórico. (…) Inscrições históricas de um rei de Kish, Enmebaragesi, que pertence à mesma era, agora vieram à luz.” (DALLEY, 1989) p.40 2 “A classificação de certos textos da Mesopotâmia antiga sobre a categoria épica é moderna, baseada

principalmente na percepção sobre semelhanças familiares com poemas de outras culturas.” (MICHALOWSKI, 2010) p.2

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a.C.) a Idade de Ferro Inicial3, para uma história em quadrinhos, a ser apresentada

num formato de livro em quadrinhos, três capítulos em volume único. Tratando-se de um meio do design gráfico, as ferramentas de uma história em quadrinhos serão utilizadas com relação aos enfoques, o tratamento do tempo e ritmo de uma história, bem como a justificativa das escolhas referentes a seleção do conteúdo, pela exposição ou omissão de elementos da história do “original” (aqui referido como a versão traduzida de N.K. Sandars) e no andamento da trama.

A história, cujo espaço geográfico e tempo é abrangente, e cuja narrativa se dá por um poema, tem uma forma própria em como se dão as funções e significados nos personagens e no tempo: muitas vezes por conta de um anacronismo4. A respeito

disso, a adaptação para outros meios a partir de um material já traduzido ocorre de maneira em que se apela a um processo de escolha consciente de quais detalhes

3 Segundo a Cronologia Relativa do “Sistema de Três Eras” (Pedra, Bronze e Ferro), definida como pilar da categorização arqueológica até os tempos modernos, pelo dicionário Oxford Companion to

Archaelogy. (FAGAN, 2004)

4 A respeito do conteúdo apresentado nos versos 32-38 da Teogonia “a palavra tinha o poder de tornar presentes os fatos passados e os futuros, de restaurar e renovar a vida.” (TORRANO, 1991, p.19). Nesse sentido, atribuo a mesma função de tempo enquanto história narrada, à adaptação.

Figura 1: Antigo Oriente e Mesopotâmia Fonte: Dbachmann, 2004 (WikiCommons).

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ressaltar, para uma função que busque a maneira mais orgânica possível para transmitir um significado ou entendimento que não necessariamente esteja no corpo do texto, mas que corresponda a um parecer sobre cosmologias Suméria, Acadiana, Babilônica e Assíria; e reflita um entendimento de vida e morte geral da Mesopotâmia (figura 2) na Idade do Bronze. Utiliza-se “Suméria” enquanto conceito de unidade étnica e cultural mais antiga dessa tradição, no qual a título introdutório se coloca que, como povo, tinha em sua percepção “pouca confiança em esperar uma vida alegre no mundo inferior”, e a maioria estava “convencida de que a vida no mundo inferior era triste, um reflexo miserável da vida terrena.” (KRAMER, 1963, p.135).

A adaptação do Épico se faz uma oportunidade de trabalhar uma história que nos apresente a constante ressignificação da escrita, onde há como ressaltar um parecer sobre o sistema político de determinado período, e reflita constantes de perenialidade e repetição nos elementos da ficção, sobrepujando a categoria inicial da obra como ferramenta política, e subsistindo no ideário através de sua forma literária,

Figura 2: Mesopotâmia

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narrativa. A tal exemplo, cita-se o frequente uso de ferramentas como a Lista Dinástica Suméria5 no período que está em foco, que em seu contraparte histórico situa um

contexto de expansão da cidade-estado de Uruk; como ideologia tais ferramentas se justificavam pelos favores ou “desejos” de um deus em comum (MIEROOP, 2004, p.40-41). Nesse plano de fundo, se desenvolve o mito.

Como o produto final se trata de uma obra de ficção ou semi- histórica (contando com personagens mitológicos num plano de fundo real [ex:. Mesopotâmia]), busca-se dar um novo elemento em meio a transmissão de conteúdo mitológico (narrativas baseadas no corpo da literatura de caráter cíclico da epopeia) em material de quadrinhos, adaptações de literatura e folclore, expandindo-se o foco para além de panteões consolidados no imaginário popular e no mercado de entretenimento internacional (ex: nórdico e clássico, greco-romano), que hoje se instala em diversas mídias (livros, jogos, animações e filmes). Para projetar um ponto focal, pretende-se que a história a ser desenvolvida é um anacronismo, pois mescla o material de referência (Epopeia) em versões tardias, ao mesmo tempo que trata de um personagem semi-histórico (Gilgamesh), estabelecendo seu início no momento de seu reinado. O enredo se projeta a conter referências de séculos adiante de seu tempo original (enquanto figura histórica), se fazendo necessário abandonar a cronologia para manter um fluxo narrativo plausível. No decorrer da história, as versões6 do

material de referência (cuja percepção atual trata como épico, ou ciclo) foram embelezadas com temas como a moral, sabedoria, e um embate existencial, apresentada enquanto o herói se relaciona com os numes e ao viajar a lugares longínquos. Desse modo a história mantém seu teor mitológico, mesmo que o plano de fundo seja sujeito a forças terrenas, não isentando de pareceres a respeito da complexa relação social entre os personagens. No projeto, tais temas e abordagens a respeito de certos períodos e classes sociais estão presentes: externalizados ou aludidos, para dar um único sentido narrativo. Pode-se argumentar que a história a ser produzida trata-se sumariamente do gênero de fantasia.

5 Lista de soberanos históricos ou mitológicos que exerceram influência e poder sobre a região, documento utilizado por reis para justificar a descendência a outro soberano consolidado ou proclamando a inauguração de uma nova dinastia a partir de poderes concedidos pelos deuses. MIEROOP, 2004, p.43

6 Por estar algumas vezes fragmentada, nesse sentido as versões nem sempre concordam em si, uma versão “mais coerente” nem sempre se torna possível: “não podemos usar um fragmento para restaurar ao outro, cada período e área tinha sua própria versão da história (…) novos fragmentos podem nos perplexar em vez de elucidar um problema anterior.” DALLEY, 1989 p. 39

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1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Desenvolver uma história em quadrinhos que adapte o conteúdo do Épico de Gilgamesh do meio literário para o dos quadrinhos. O Épico/Epopéia de Gilgamesh é um ciclo/conto literário compilado em tábuas cuneiformes produzidos durante o período das civilizações Suméria, Acadiana, Babilônica e Assíria. A tradução compilada (que reúne versões Sumérias, Babilônicas e Assírias, nas linguagens Suméria e Acadiana) escolhida abrange material de, pelo menos, sete séculos de diferença entre si. Há o interesse na manutenção das referências do épico, pois é da narrativa arcaica que surgem os arquétipos e estereótipos que enriqueceram o conteúdo literário ao longo de nossa história (CAMPBELL, 1949, p.17). O desenvolvimento desse produto de design gráfico permite também a análise sobre um processo de adaptação, e busca esclarecer o método do artista no desenvolvimento de uma obra autoral.

1.3.2 Objetivos Específicos

 Adaptar um ciclo episódico de narrativas, de natureza linear, ainda que num espaço-tempo sem limites cronológicos modernos, e sim arcaicos, ou seja, levando em conta as divindades como personificações, os seus poderes não sendo estritamente longe do tipo empregado em Hesíodo como timé – traduzida como lote, honra (TORRANO, 1991, p.49-51) fixos, onde toda a ação é atrelada a um cenário de fatalidade que se constrói por intermédio de revelações: proféticas mas nem sempre elucidativas. Nesse sentido, o desafio é traduzir tais significados ao longo do épico para a duração de leitura de cerca de 150 páginas, e ao fim da história apresentar um entendimento que alude o período para uma audiência moderna.

 Desenvolver uma história em quadrinhos através das etapas de: roteirização do conteúdo; produção de thumbnails para pré-visualizar os quadros e a disposição dos elementos; e eventualmente executar o desenho final e os demais processos de edição (colorização digital, lettering e divisão em

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capítulos). A quantidade de páginas prevista na roteirização e na produção de thumbnails servem de placebo até as próximas etapas. A divisão em capítulos não se dá por critério quantitativo (capítulos igualmente contendo “x” páginas), mas sim por dividir momentos na história.

 Exercer as capacidades de narrativa, roteiro e desenho do autor, tendo ao final do trabalho uma obra finalizada e completa que transforma uma adaptação integral do Épico, eventualmente usando referências adicionais para o fechamento do ciclo pretendido nessa história. Este produto de design gráfico é um material que ressalta uma importante época da história da humanidade, abrangindo filosofia, o funcionamento da escrita e um impasse existencial. Há ainda o interesse na eventual publicação do quadrinho.

1.4 JUSTIFICATIVA

O Épico de Gilgamesh é referenciado como uma das primeiras tragédias, precedendo em séculos a bíblia, a Ilíada e a Odisseia (SANDARS, 1972, p.8-9). Embora não seja a obra ou mesmo o ciclo mais antigo, estima-se que independente das suas versões, a história central em torno do Rei Gilgamesh enquanto mortal tenha sido um todo de uma obra, não somente uma poesia transmitida por meio oral, mas diversas histórias separadas que eventualmente se tornaram um ciclo (DALLEY, 1989, p.39). As obras clássicas e adaptações gozam de uma circulação imortalizada, ainda que sazonal, mediada por um público heterogêneo. Durante anos estavam lado a lado com literatura infanto-juvenil7, sobretudo adaptações que acabavam trazendo

gêneros diferentes do épico. Adaptações tendem de servir como meios de revisar (no sentido inclusive de tratá-los numa óptica revisionista) os elementos mais simbólicos ou gráficos (ex: crepúsculos morais, temas sexuais ou brutalidade) de um material de referência original. Tal revisão se faz por meios de ressignificação, omissão, ou mesmo suavizando-os na linguagem e imagem.

Deste modo a configuração do mito enquanto narrativa persiste até hoje na literatura, “(os mitos) providenciam conexões profundas com questões de identidade, crescimento e pertencimento (...) essas são questões fundamentais na literatura infanto-juvenil, que busca educar e sociabilizar crianças” (HALE, 2016), permitem

7 A exemplo, cita-se no contexto anterior ao moderno, o medieval: uma literatura didática e moralista, com propósito de através de lições educacionais e religiosas, gerar uma certa conduta. (KLINE,2003, p.6-9)

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expressar uma preocupação com o mundo e como individualmente se encontram no mesmo. As adaptações de tais obras tendem a se tornar mais específicas em alcance e público a respeito de quais meios são empregadas, sejam em filmes blockbusters, ou quadrinhos e jogos, onde pouco mais que nomes de personagens e pequenas referências gráficas (roupas, objetos e utensílios) ou coincidências podem se preservar nesse processo. No entanto, partir do consumo da adaptação e deste para o material original (ou como referido, o mais original ou coerente possível), não é um fato ou caso isolado, e fazer isso é parte de um processo de recuperação de significados e referências (ARNOLD, 2002). É de uma natureza de fórmula que os setores de entretenimento reavivam seu conteúdo em momentos sazonais; adaptar essa obra é uma oportunidade de voltar o olhar para pontos distintos na história, como no exemplo, a Mesopotâmia do Calcolítico a Idade do Ferro.

Escolho a obra como objeto de estudo e sujeita da adaptação por meio de interesse pessoal, ao ser um conto literário que permite abordar ou esboçar demais culturas com as quais tenho interesse no estudo, e certa familiaridade na identificação de artefatos. Através de pesquisa independente na história das culturas do Egeu, sobretudo a helênica, e do Mediterrâneo ao Nilo, sobretudo a Egípcia (Kemet), a aproximadamente uma década antes do projeto lanço o meu foco para um ponto distinto – a Mesopotâmia, e dirijo o interesse num contexto fundacional: chego a civilização suméria. Do decorrer desse tempo, adquiri certa referência para abordar o épico, estudando de um lado a literatura enquanto mitologia, e do outro acompanhando a arqueologia e a reconstrução de seu plano de fundo real. Meu intuito em utilizar essa história se faz também na possibilidade que ela permite de discutir sobre a relação de imortalidade, memória, e palavras, situando-se num importante período considerado como uma das primeiras civilizações urbanas. A ascensão de uma civilização, sua organização e a permanência de certas instituições até os dias de hoje se torna um motivo proposital na escolha de Gilgamesh, dentre tantas outras obras. Pois permite uma abordagem existencial ao mesmo passo que mantida sobre um plano de fundo histórico, e uma situação fantástica.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

O principal suporte do projeto é a edição da tradução publicada em 2012 pela editora Martins Fontes. O crédito de tradução para o inglês é de N. K. Sandars. Na edição de 2011, o crédito da tradução inglês-português é de Carlos Daudt de Oliveira. Esta versão, cujo conteúdo foi publicado em 1960, revisado em 1972 e 1987, serviu de base para o roteiro inicial, por tratar de uma tradição poética onde as fontes do Épico foram mescladas de maneira orgânica, capacitando uma adaptação mais eficiente a um meio visual. Para significados mais específicos e possibilidade de interpretações numa abordagem filológica, utilizei referências adicionais: a versão de 1989, com notas de introdução de autoria de Maureen G. Kovacs, publicada pela Stanford University Press ; e a versão de 2003 de autoria de Andrew R. George (The Babylonian Gilgamesh Epic: Introduction, Critical Edition and Cuneiform Texts, Volume 1), publicada pela Oxford University Press. Acerca da narrativa, incluí a pesquisa de referências adicionais, que incluem fragmentos da mitologia Suméria (Enmerkar e o Senhor de Aratta, os contos de Lugalbanda , por exemplo) que são necessários e serão notados ao longo do projeto como suporte a conceitos próprios da narrativa, onde somente o épico careceria de explicação. Estes “meios explicativos” serão inseridos no mesmo conceito de “universo”, para o leitor do projeto não necessitar recorrer a outra referência que não o volume único. A lista de traduções de literatura suméria (disponibilizado em meio eletrônico) organizado pelo departamento na Oxford responsável pelos estudos Orientais (ETSCL Project) servirá para a construção do universo da adaptação nos detalhes possíveis (de provérbios, expressões e linguagem, bem como vocabulário próprio), a fim de esboçar a construção de um meio que faça alusão ao plano de fundo literário e cultural dos povos da Mesopotâmia e regiões próximas, e não somente do conteúdo da obra em si (que em todo caso não é uma historiografia). Para isso, a abordagem se limita numa seleção de tempo. Essa seleção se faz por incluir onde de algum modo foi difundida a história do personagem Gilgamesh. Assim faço conscientemente a mistura de elementos hurritas, assírios, ou acadianos, apesar de não distingui-los precisamente na história.

Na adaptação não há a intenção de representar uma fidelidade com tais momentos históricos, uma vez que como ficção e fantasia, os detalhes se misturam e o próprio tempo-espaço é selecionado porém distribuído a parte de eventos históricos

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ao redor do mundo. Sobreponho os eventos do Épico com sucessões políticas no decorrer dos sete séculos que a história de Gilgamesh foi desenvolvida, notando quando necessário. Para consulta de termos em sumério e acadiano, recorri ao The Pennsylvania Sumerian Dictionary Project (ePSD) desenvolvido pelo setor de estudos da Babilônia do Museu de Antropologia e Arqueologia da Universidade da Pensilvânia, conteúdo que também está disponível em meio eletrônico. Em específico no dialeto Assírio, quando ocorre, utilizei outra ferramenta: o Akkadian Dictionary da Association Assyriophile de France, que foi bastante útil. Somam-se essas as outras referências que serão citadas para abordagens específicas a representação de personagens ou conteúdos da história. A respeito dos processos de adaptação em quadrinhos, utilizei dos livros de Scott McCloud (Understanding Comics e Making Comics) e Will Eisner (Theory of Comics and Sequential Art e Graphic Storytelling and Visual Narrative). Foi feita ainda uma pesquisa de similares, isto é, de possíveis adaptações em específico do Épico de Gilgamesh. A pesquisa foi superficial apenas para levantar uma estimativa da relevância do objeto a ser estudado e como cada autor usou diversas maneiras para fazê-lo. Nenhum dos produtos foi usado como base em minha própria linguagem, porém pelo tema, é concebível admitir paralelos e possíveis comparações.

Figura 3: Trilogia The Epic of Gilgamesh (Kristine Evans), Duologia Gilgamesh (De Bonneval &

Duchazeau) e edição única Gilgamesh (Jens Harder).

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3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O suporte metodológico a ser empregado no desenvolvimento do projeto faz parte da dualogia de McCloud, Understanding Comics (1993) e Making Comics (2006), além das obras Comics and Sequential Art (1985) e Graphic Storytelling and Visual Narrative (1996), de Will Eisner. Tal conteúdo serve de referência para o processo de adaptação e produção do conteúdo, cujo enfoque é uma busca de potencializar o conteúdo através da comunicação. Pois se os quadrinhos são imagens sequenciais, onde as palavras são opcionais, clareza e comunicação devem ser os objetivos primários (McCLOUD, 2006), aonde o artista encontrará um constante fluxo de escolhas, a tratar enquadramentos, ritmos, continuidade, e reiterar questões técnicas (anatomia, expressões), e roteiro para o desenvolvimento de um objeto de arte final. Não existindo apenas uma abordagem ou fórmula, a estrutura metodológica proposta que nos é apresentada em Making Comics, se trata de escolha constante, na medida do possível, para garantir momento a momento, o decorrer e a unidade da história. O principal objetivo na narrativa do quadrinho, nesse caso para se apropriar da narrativa épica avant la lettre, seria informar com clareza aquilo que ao leitor continua misterioso, e persuadir a audiência para acompanhar a história. Na fonte a ser adaptada, por outro lado, temos uma linguagem arcaica, caracterizada por hipérboles, metáforas e repetições, muitas vezes de verso a verso. Por questão dinâmica, muitas vezes omitirei tais repetições ao torná-las um único momento. Na estrutura da metodologia apresentada, limitam-se os desafios do criador para uma sequência de cinco escolhas, que os desenhistas, escritores e artistas do quadrinho encontram no desenvolvimento do projeto, de quadro a quadro.

Eis uma breve descrição das escolhas: a Escolha do Momento significa expor cenas que realmente importam, cortar o que não agrega ou conecta. Como “ferramentas”, são propostos seis tipos diferentes de “transições”, que são interdependentes. São estas: Momento a momento; Ação a ação; Sujeito a sujeito; Cena a cena; Aspecto a aspecto e Non Sequitur (ou non- sense, “sem nexo”). A transição é o fluxo de informações que dão continuidade de um quadro a outro. A Escolha do Quadro tem como objetivo gerar um sentido de localização. Sua ferramenta é o tamanho, a forma, os ângulos, a distância, e posição do quadro. Argumenta-se a existência de dois “quadros” principais: as informações contidas na

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página, a serem lidas por cognição convencional (esquerda para direita, cima para baixo) e a própria página em si, ou mesmo as duas abertas e de face a outra. O foco da audiência no quadrinho se dá pela leitura numa “cooperação voluntária” (EISNER, 1985, p.40), onde os quadros e seus contornos possuem funções narrativas, emocionais, ou nem mesmo possuem separação padrão, no qual a audiência é o intérprete do tempo decorrido de um para o outro. A Escolha da Imagem busca revelar a aparência de lugares, personagens e símbolos. Linguagem corporal, a natureza da expressão, linguagem, semelhanças e especificidades são suas ferramentas, são executadas por primazia estética. Artifícios de estilo são usados para garantir o humor (mood) e emoção das cenas. A Escolha das Palavras busca comunicar de forma persuasiva as ideias, vozes e sons em combinação com as imagens. Uso de abstrações e segundo sentidos nas palavras facilitam o processo. A Escolha do Fluxo se trata de escolher como guiar o leitor entre e em torno das transições dos quadros. Quadros podem seguir o padrão da página ou renegá-lo, para introduzir pela ênfase ou quebra numa próxima página, uma tensão, suspense, ou surpresa para o leitor. O arranjo dos quadros na página permitem dirigir o olhar do leitor através do conteúdo. Usa das outras escolhas, assim também como o seu sucesso ou insucesso é sujeito da execução das mesmas.

Figura 4: Diagrama das cinco escolhas Fonte: Making Comics (McCLOUD,2006 p.37)

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A tratar a combinação de imagens e palavras (Figura 5), propõe-se estabelecer sete possibilidades (McCLOUD, 1993, p.153-155). Uma combinação específica de palavras (word-specific) acontece quando são as palavras (uma narração) que provém tudo que há a ser entendido sobre a cena, e a imagem apenas ilustra esse conteúdo. Uma combinação onde as imagens (image-specific) especificam o ocorrido, e as palavras apenas acentuam o que é visível, configura o segundo tipo. O terceiro (duo-specific) seria uma possibilidade onde tanto a imagem do quadro, a fala do personagem e a narração re-afirmam uma a outra na mesma intensidade. É importante reiterar que o uso exacerbado dessa configuração pode causar redundância no fluxo de uma história longa. Quando palavras e imagens trabalham juntas mas contribuem com informações distintas independentemente umas das outras, configura-se o quarto tipo de combinação (interseção). Quando ambas contribuem para uma informação que não seria comunicável sem uma ou outra, configura-se o quinto tipo (interdependente). Quando a narração e as imagens

Figura 5: Esquema das 7 possibilidades. Fonte: Making Comics (McCLOUD, 2006, p.130)

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seguem caminhos distintos sem uma interseção ou concordância separadamente, configura-se a sexta combinação, paralela. E finalmente, a montagem ocorre quando imagens e palavras se arranjam de forma pictórica.

Todas as combinações foram utilizadas, de forma em que se apresentassem como decisões plausíveis ao ritmo da história. Os pormenores desse ritmo serão explorados no tópico 7 (Enredo) e 8 (Recursos Narrativos), através de análise que só se faz possível com a familiarização do conteúdo a ser adaptado. Ao respeito do método, o ritmo é controlado ou garantido pelo enquadramento, “separa as cenas e age como pontuador”, em sequência o painel se torna o “critério pela qual se julga a ilusão do tempo” (EISNER, 1985, p.28).

4. DESENVOLVIMENTO

O período de produção do quadrinho durou cerca de 150 dias, ao longo de 5 meses. Anterior a esse processo, o primeiro roteiro inicial (draft) foi desenvolvido junto a thumbnails das páginas, num processo que levou duas semanas. Ao longo do período de produção, modificações em relação ao thumbnail e ao roteiro foram feitos para adiantar ou melhor compor eventos da história ao longo das páginas. No final, foram produzidas 141 páginas de conteúdo da história, divididas entre três capítulos. A divisão em capítulos foi decisão posterior, para facilitar a leitura, e exigiu re-organização das páginas. O processo criativo e produção se deu por três principais estágios: Desenho e Arte-Final; Pintura; e Edição. Nos primeiros 68 dias, o autor utilizou-se de thumbnails, rascunhos dos quadrinhos; para em seguida desenvolver, em folhas de papel opaline, formato A4, os originais das 141 páginas. Os desenhos foram traçados com grafite 0,5 e acabamentos adicionais com lápis integral, H ou 2B. A arte-final foi feita em nanquim (tinta, ou canetas 0,05, 0,2 e 0,6). Terminada a etapa do desenho, as 141 páginas foram devidamente escaneadas em resolução 300 dpi, para serem editadas e formatadas para o software digital Photoshop. O processo durou uma semana, onde a posição dos textos foi somente estipulada por meio digital. Sucedendo-se essa etapa, a pintura das 141 páginas ocorreu durante os próximos 68 dias. Foi utilizado primariamente as ferramentas disponíveis no software Photoshop, do qual o artista possui familiaridade. Buscou-se integrar a linguagem própria do artista nos desenhos e arte final originais com as ferramentas digitais que possui na pintura, a fim de embasar uma linguagem visual coerente no projeto.

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Finalmente, em mais uma semana se findou o processo de criação ao recolocar os textos devidamente em balões de fala e caixas de texto nas páginas. O processo criativo se deu de maneira contínua ao longo do desenvolvimento da adaptação. A produção de thumbnails serviu para delimitar a extensão de certas partes da história, o raciocínio empregado majoritariamente nos dois últimos capítulos foi a visualização instantânea de duas páginas face a face: cada 'tópico' ou assunto da aventura deveria conversar com um esquema de páginas pares, ou quando houvesse a intenção, quebrar essa percepção, através de intensidade – como contraste e dinamismo, através de técnicas como sugestão de profundidade, poses e expressões e variações recorrentes de formas e tamanhos de quadro (McCLOUD, 2006, p.45). Ao primeiro capítulo, utilizei um acabamento diferenciado (grafite) que descartei nos demais capítulos, para função de colaborador ao caráter de flashback e anacronismo da narrativa. A possível diferença na linguagem visual foi sanada pela edição e pintura digital. A quantidade de linhas e colunas por página não seguiu um padrão específico, em média conta-se predominância de 4 linhas e 3 colunas (12 quadros por página), mas tais decisões foram feitas levando critério preferencial de exposição de certo conteúdo e encaixe de texto enquanto suporte da narrativa.

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5. CONTEXTUALIZANDO A OBRA

5.1 Versões do Épico

O que chamamos de Épico ou Epopeia de Gilgamesh, ou como foi conhecido em bibliotecas assírias como “série de Gilgamesh”, se trata de uma compilação de materiais distanciados entre si por tempo (cerca de 7 séculos) e geograficamente (do Iraque a Turquia), compondo um elemento comum nas culturas da Mesopotâmia. O protagonista possui contexto histórico: assume-se sua relevância nas listas de reis sumérios pelas fontes onde há menção de disputa entre as cidades de Uruk (onde estava associado) e Kish: a exemplo do relato atribuído a Enmebaragesi (rei de Kish, no contexto, um estado rival de Uruk); contudo, continua sem data precisa, estudiosos hoje estipulam que sua vida ocorreu entre 2800 e 2500 a.C. (DALLEY, 1989, p.45). Após seu período, sua história foi contada com interesses políticos e num contexto que hoje teríamos como mitológico (narrativo), a fim de encorajar, aconselhar e guiar Reis em suas decisões, onde figura como um modelo a ser seguido, para assegurar o eventual alcance da imortalidade de seus nomes através de feitos memoráveis (FINK, 2013, p.78), destacando-se até o período Neo-Assírio (séc 7 a.C.), onde se encontra a versão mais “definitiva” das doze tábuas do épico. A forma de escrita cuneiforme se dava sobretudo em estelas ou tábuas de argila. As primeiras menções encontradas em histórias separadas compõe cinco poemas sumérios (o primeiro datando de cerca de 2150 a.C), durante a terceira dinastia de Ur (ou Império Neo-Sumério, num caráter de renascimento da cultura e linguagem suméria após hegemonia das dinastias Acadiana e Gútia), além de hinos onde o honravam como ancestral de reis (MIEROOP, 2004, p.76). Nisso se separam cerca de 350 a 650 anos desde seu suposto reinado, em Uruk; a primeira versão de fato compilada como uma única Epopéia é posterior, do Babilônico Shūtur eli sharrī (“superando todos os reis”), de cerca do século 18 a.C., continha doze tábuas, das quais poucas estão preservadas atualmente. A versão “clássica” (standard) é posterior, denominada Sha naqba īmuru (“Aquele que viu o desconhecido”), e foi organizada também em doze tábuas, das quais cerca de dois terços do material foi devidamente encontrado e traduzido, são datadas dentre os séculos 13 a 10 a.C.

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Argumenta-se que a configuração em doze tábuas fazia parte do princípio astronômico, nessa obra em específico contava com cerca de três mil linhas, e embora a tábua XII fosse uma tradução verso a verso de uma história mais antiga, as frases do início da primeira tábua e o fim da última são as mesmas, para dar sinal de completude. Sendo o rei Gilgamesh ainda relevante em dois milênios que o separam de seu mandato real (supondo pela data que se dá algumas das importantes construções em Uruk, atribuídas em várias fontes como sendo parte de sua obra) até como foi “imortalizado” pela escrita, o tema de vida terrena finita, em contraste com o nome e memória imortais se apresentarão também como enfoque na adaptação do quadrinho. Aqui vale notar a função de escrita e autorias desse material: no compilado Sha naqba īmuru, o principal exemplo que se encontrava na biblioteca assíria, além da incipit (primeira frase) que dá o título, há atribuição de um “autor”. O poema possibilita uma narrativa completa onde os originais sumérios, fragmentados, ofereciam apenas episódios separados.

Levando em conta que os poemas originais tinham uma origem oral, este em específico foi certamente escrito, e se diferencia de como foi concebido por exemplo a obra helênica Ilíada, cuja autoria é atribuída a Homero (seja figura histórica, um coletivo ou pseudônimo), onde o autor era um aedo (cantor-poeta), e possuía métrica específica; com esta obra, onde foi concebida escrita, por um escriba (asipu – conselheiro, sábio, ou exorcista, dependendo do contexto) há uma tradição escrita, e não um conteúdo original. Nesse contraponto, a poesia Acadiana (classificada como língua semítica antiga), “não tem como base algum esquema métrico fixo, mas constrói um ritmo baseado em unidades sintáticas, um verso comportando, em geral, duas dessas unidades.” Sobre essa versão, afirma-se que “(…) nela, a mão do “poeta” deixa-se perceber sobretudo pela profundidade que imprime para a antiga saga, ao trazer para primeiro plano a pergunta sobre a mortalidade do homem, que transforma o seu herói, de simples aventureiro, num verdadeiro sábio. (...)”(BRANDÃO, 2014, p.126). É esta transição de mortalidade, do herói e aventureiro, tal como a passagem do tempo, que se tornam o principal enfoque do quadrinho, sobretudo no terceiro e último capítulo.

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5.2 Das traduções

5.2.1 O Cuneiforme

A edição usada como texto-base a narrar os principais eventos do quadrinho (excluindo-se detalhes não mencionados, como aspectos da vida social em Uruk, trazida a luz por descobertas arqueológicas, ou o Enuma Elish Babilônico, bem posterior em relação a menção mais antiga de Gilgamesh) é uma tradução de N.K. Sandars, datando de 1960, revisada em 1972 e 1987, respectivamente. Aqui será muitas vezes referida como “material de referência” ou “versão original”, “versão de Sandars”. Antes dessa tradução, a autora nota a importância das traduções de R. Campbell Thompson (1930) e das referências adicionais de materiais sumérios traduzidos por Samuel Noah Kramer (tradutor de diversos materiais entre a década de 40 e 60, muitos deles utilizados nesse documento); versões mais atuais incluem o trabalho de Andrew R. George, com uma edição crítica de 2003. Devido a sequência em que os materiais “originais” se montavam, a possibilidade da tradução dos materiais ocorreu separadamente e necessitou de revisões ao longo do século XIX e XX. Um ponto de partida em comum para o processo foi o decifrar da “Inscrição de Dario” (em Behistun, atual Irã), um entalhe multilíngue contendo Persa, Babilônico e Elamita arcaicos. A partir daí se decifrou o cuneiforme (KRAMER, 1963, p.6). A efetiva importância da descoberta se deu pelo eventual achado de mais tábuas. Segundo a autora, a importância pública sobre o achado se deu “(...)vinte anos mais tarde (1872)”, pela publicação de George Smith, entitulada The Chaldean Accounts of The Great Flood.

Nesse contexto, a sua publicação era a tradução de uma versão incompleta da tábua XI. Assim, a epopeia não chega até nós numa forma separada da bíblia, e sim como um material a parte, julgando-se como pertencente da mesma civilização que Nimrod (suposto criador da torre de Babel) fazia parte, por isso o título The Chaldean Account of Genesis (SMITH, 1876), sequência de The Chaldean Account of the Great Flood de 1872. A primeira edição era senão uma tábua incompleta do épico, publicado sob a supervisão da Archaeological Biblical Society: como se fosse uma narrativa de eventos comuns entre as histórias, servindo de prova definitiva ou de factoide como adendo a escritura. Por mais que existam semelhanças no material narrativo, sejam nos

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episódios da confusão das línguas ou no dilúvio, de onde temos o personagem Utnapishtim, o protótipo babilônico do Noé bíblico (CAMPBELL, 1949, p.171-172), entende-se pela reconstrução histórica que a única coisa em comum é o uso de ferramentas narrativas. Em todos os casos é pertinente reconstruir a ecologia dos achados de acordo com o estudo etno-linguístico e uma reconstrução socio-política apropriada. O seguinte trabalho não busca afirmar ou reconstruir essa ecologia, pois não se dedica como um tratado arqueológico; mas irá em todo caso apontá-la enquanto aparecer no enredo, seja através de um artefato representado na obra, ou como justificativa de alguma concordância para garantir o andamento da história. A datação cronológica atual evidencia que o Gilgamesh precede qualquer fragmento da bíblia hebraica, portanto as similitudes temáticas não se tratam de relatar um acontecimento em comum, mas sim de seus autores possuírem ferramentas narrativas em comum.

5.2.2 Arqueologia

Vale contextualizar a escola de arqueologia que figurava no período de sua des-ocultação, no fim do século 19, reiterada subliminarmente no título do estudo: o registro dos Caldeus sobre o Dilúvio, em tradução livre. Como a arqueologia ainda era fortemente baseada numa concepção de cronologia montada sob uma perspectiva bíblica, colocando evidências em serviço de reconstruir um período ou tempo que conecta-se com aqueles presentes no antigo testamento (Tanakh), onde arqueólogos, eram também estudiosos da bíblia, realizava-se escavações na Palestina para iluminar, decifrar, e nos seus “maiores excessos” provar a bíblia (DEVER, 1990). Emprega-se o termo “Arqueologia da Palestina” para distinguir as abordagens da arqueologia com as diferentes escolas desenvolvidas na medida que as descobertas foram acontecendo nos dois últimos séculos, se usa hoje “estudos Orientais” também com conotação política. É necessário buscar o contexto da obra como objeto de estudo e inclusive da arqueologia como ciência para projetar um dos objetivos do projeto: assegurar a renovação de fontes literárias. A arqueologia como estrutura científica serve para analisar um texto ou coletânea (ex: Bíblia) como objeto de pesquisa. Arqueologia é uma ciência no sentido moderno de conhecimento sistemático, de onde se buscam evidências materiais de civilizações antigas e tenta reconstruí-las, na medida do possível (através inclusive da arte), de maneira a demonstrar o ambiente e as organizações de uma ou mais épocas históricas (VILAR, 1969, p.672). A respeito de

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conteúdos religiosos e filosóficos, como ciência o material concreto que descobertas providenciam variam de: locais de culto, objetos sagrados; e outros materiais, com conhecimento a respeito do que é referenciado nos textos religiosos, rituais, costumes e tradições. Mitologias (do grego μυθολογία ou estudo da narrativa) são usadas comumente como pistas de eventos e lugares que se tornam obscuros, sobrepostos, planos de fundo num processo reverso de “desmistificação” (BULTMANN, 1984, p.203). Exemplos notáveis como a Tróia homérica é material concretos da complexidade histórica acerca da construção da narrativa (mito). Entre preponentes dessa escola de arqueologia está William F. Albright (1891-1971), a cujo respeito é citado:

“Dos primórdios do que chamamos de arqueologia bíblica, talvez 150 anos atrás, estudiosos, em sua maioria estudiosos ocidentais, tentaram usar dados arqueológicos para “provarem” a Bíblia. E por um bom tempo pensaram que isso funcionava. William Albright, o grande pai de nossa disciplina, frequentemente discutia sobre a “revolução arqueológica”. Bem, a revolução veio, porém não como Albright pensou. A verdade em questão hoje é que a arqueologia levanta mais questões sobre a Bíblia hebraica e até o Novo Testamento do que nos traz respostas, e isso é muito perturbador para algumas pessoas.”

(DEVER, 2008)

Colocando em contraponto a metodologia do período de Albright com a arqueologia processual, ou nova arqueologia, metodologia que inclui processos tais como a reconstrução da ecologia dos artefatos encontrados, ao admitir que os objetivos da arqueologia são senão os mesmos que o da antropologia (WILLEY; PHILLIPS, 1958), referentes sobre a vida em volta dos objetos e artefatos e não a eles somente, argumenta-se que com a arqueologia em particular, somos capazes de chegar a “história atrás da história”. Ao mesmo tempo, ela “abrange a nossa visão ao suprir história política com histórias socio-econômicas e culturais” (DEVER, 1996). Esse debate de metodologias nos situa mais próximos do contexto em que o Épico foi trazido ao entendimento público num primeiro momento. Textos como o épico e a bíblia são artefatos. O tratamento diferenciado dessas narrativas distintas é senão resquício da maneira como foi levado o estudo dos achados arqueológicos durante um determinado período histórico, segundo metodologias de uma escola específica (aqui referenciada em relação ao autor Albright). A preocupação da arqueologia contemporânea não é provar que os mitos são histórias verídicas, mas sim descobrir o mundo histórico na qual os

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mitos, os livros da bíblia, se basearam e de qual maneira os adaptaram para dar a eles seu significado8. Paralelos e similitudes nas histórias podem ser traçados, desde a

confusão das línguas (no mito do Antigo Testamento no episódio de Nimrod, no mito Sumério através do deus Enki, o Ea Babilônico), um possível “Éden” (o local Dilmun na própria epopeia, mais uma vez referido em Campbell como um “protótipo” ou ensaio, que aqui admito como sendo uma colocação irresponsável) até ao dilúvio (Noé no Gênesis, e mais uma vez, Utnapishtim como é narrado na epopeia), mas todos estes eventos têm uma natureza mais ou menos episódica, interdependente. Tais “paralelos” serão endereçados individualmente no tópico referente ao enredo, como e quando se apresentarem.

5.2.3. Tradução Acadêmica ou Poética

A versão utilizada para o projeto, de Sandars, é definida pela autora como: “(...) não é uma nova tradução do original cuneiforme (...)”,e diferencia entre tradução “acadêmica” e “literária” (do qual sua obra de tradução faria parte desse segundo grupo), no primeiro caracteriza: “(...) esses textos são de difícil leitura, pois tendem a enfatizar, e não a mitigar, os defeitos e falhas do original”, aponta-lhes presença de lacunas e sua função como objeto de estudo de assiriologistas e estudantes da área, levando o texto a ter um “mau vernáculo”, e acrescenta “Este processo acadêmico fornece ao estudante e ao especialista aquilo que eles precisam, mas apresenta ao leitor comum uma página que mais se assemelha a um problema de palavras-cruzadas inacabado.” (SANDARS, 1972, p.75). Nesse sentido, a versão utilizada que emprega os principais acontecimentos do ciclo no quadrinho são baseadas numa versão poética, onde lacunas são ocultadas e certos termos específicos são traduzidos para a familiaridade do leitor comum. Na adaptação, esses significados específicos re-aparecem ou são omissos: a cada caso, se justificará no longo desse documento. As lacunas não estão presentes, o fluxo da história é contido em três capítulos, onde os principais eventos estão agregados sob um anacronismo – referências a datas ocorrem somente no prólogo e epílogo, mais uma vez nota-se que assim se faz por função poética.

8 Nesse contexto, admite-se que as escrituras não configuram “mais uma relíquia isolada da antiguidade”, ao ser comparável com um contexto maior no qual estava imerso (Oriente Próximo). DEVER,1990 p.32. No caso, é nesse contexto que se encontra a Epopéia, sujeita de adaptação.

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Num período tardio, outras histórias a respeito do mesmo herói foram continuadas (a exemplo, Gilgamesh, Enkidu e o Submundo, história Acadiana que serve de Apêndice a tábua XII, porém não corresponde ao resto dos conteúdos, trazendo personagens outrora falecidos como se estivessem vivos) porém nem todas convém-se agregar no ciclo, pela falta de conexão com o que se considera o “cânone”. Como uma fonte de narrativa menos recorrida, ainda que mais arcaica – portanto fundamental, no sentido etimológico de arkhé (TORRANO, 1991, p.15), entendida como um método de transliteração de tradições orais – afinal tratamos de um poema transcrito, de tradições orais para meios escritos, no sentido de que possui valores em comum que embasam tanto as narrativas clássicas (tanto as obras homéricas e as bíblicas do Antigo Testamento) quanto literatura atual, esse “plano de fundo” em comum com as obras épicas (aqui uma categorização moderna) de maior circulação se tornou interesse de re-imaginação, re-interpretação e adaptação de vários artistas mundo afora.

5.3 A Abrangência do Épico

5.3.1 Antiguidade

Como mencionado, histórias a respeito de Gilgamesh circularam por mais de doze séculos após seu reinado. O grau de influência se dá no momento que identificamos o quão longe abrangem os fragmentos encontrados que de algum modo o referenciam, como personagem ou mesmo como um ancestral (locais atestados incluem região dos Lukka, figura 7, em verde). Se faz prudente ressaltar que este documento apenas oferece um parecer a respeito de história, e não coloca em fundo o contexto ou ecologia do achado: ao presente momento, a saber, foram encontradas versões da narrativa na antiga capital hitita Hattusa (atual Boghazköy, Turquia), na antiga Ugarit (Ras Shamra, Síria), por meio de uma tradição e ciclos independentes, porém ainda disassociáveis do conto a respeito do dilúvio (tratado na tábua XI). Encontram-se ainda 'fraudes' (cartas adereçadas em nome de “Gilgamesh”) que usaram autoridade do rei foram encontradas em Sultantepe, do período Assírio tardio (cerca de 648a.C). A mistura dessa tradição da Mesopotâmia com a cultura Hitita, possibilitada numa expansão Assíria (a ser adereçado no seguinte tópico), levantou teorias que propõe a existência de um elemento asiático, que supostamente teria

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influenciado também a cultura do Egeu, – ainda faltam evidências que comprovem isso. Após a queda de Nínive, o nome do herói foi “deturpado ou desfigurado, tornando-se irreconhecível” (SANDARS, 1972, p.9;16) e pouco mencionado senão por fábulas. Influências, mesmo que temáticas, são inegáveis na Odisséia, e serão exploradas a fundo quando forem apresentadas ao decorrer do projeto em seu roteiro. Nenhum elemento na história é posterior a destruição de Nínive, todas as menções posteriores são de caráter de fábula, como o Gilgamos em Cláudio Eliano (De Natura Animalium, cerca de 200 d.C.), que tratava do único período ausente da história (seu nascimento e infância, temas que não figuram entre qualquer outro herói sumério) ou uma mera menção não característica como gigante no Livro dos Gigantes (100 a.C.), colocado em par com Humbaba (ironicamente, o próprio ogro ou demônio que teria destruído, e conta-se como uma figura benéfica em uma instância9).

9 Como na tábua de Sulaymaniyah, obtida em 2016 [cuja descrição foi referida na BBC, em Museum of

Lost Objects: The Genie of Nimrud, matéria de Kanishk Tharoor e Maryam Maruf, publicada em 9 de

Março de 2016. Disponível em: [https://www.bbc.com/news/magazine-35755273]. Acesso em 1 Set de 2018.

Figura 7: Oriente Médio e Mediterrâneo Oriental no século 14 a.C. Fonte: informações de History Year by Year,

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5.3.2

Modernidade

A epopéia recebeu uma tradução mais completa num momento não muito posterior ao dessa ideologia desenvolvida pelas escolas citadas, após a IGM. A respeito da forma que temos a epopéia hoje, comenta-se:

“Temos boas razões para crer que a maior parte dos poemas de Gilgamesh já haviam sido escritos nos primeiros séculos do segundo milênio a.C e que provavelmente existiam numa forma semelhante muito tempo antes disso, (…) o texto definitivo ea edição mais completa da epopeia vêm do séc VII a.C, da biblioteca de Assurbanipal, antiquário e último dos grandes reis do Império Assírio. Assurbanipal foi um grande general, conquistador do Egito e Susa; mas foi também o compilador de uma notável biblioteca (…) Ele nos conta que enviou seus servos aos antigos centros de saber da Babilônia, Uruk e Nippur para que pesquisassem seus arquivos e copiassem e traduzissem para o semítico acadiano da época os textos escritos na língua antiga sumeriana. Entre esses textos (…) estava o poema que chamamos a epopeia de Gilgamesh.”

(SANDARS, 1972, p.8-9)

Após a IIGM que o conto alcançou maior audiência, por meio de peças de teatro e poemas que se referiam e faziam menção de passagens do material

traduzido. Adaptações para TV ocorreram nos anos 1980. Impressos mais acessíveis de versões definitivas, não fragmentadas, são publicados pela Oxford. A versão utilizada se trata de uma versão não fragmentada. Menções ao personagem são recorrentes em literatura, jogos, mangás e animes, porém totalmente fora de seu contexto habitual.

5.4 O Conteúdo do Épico

Considerado na arqueologia como o ciclo épico mais antigo e relevante (sendo precedido apenas por fragmentos, como exemplos Enmerkar e o Senhor de Aratta; e Lugalbanda e o Pássaro Anzu) dentre a bibliografia da mitologia suméria (a

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