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5. CONTEXTUALIZANDO A OBRA

5.4 O Conteúdo do Épico

Considerado na arqueologia como o ciclo épico mais antigo e relevante (sendo precedido apenas por fragmentos, como exemplos Enmerkar e o Senhor de Aratta; e Lugalbanda e o Pássaro Anzu) dentre a bibliografia da mitologia suméria (a

definir: Suméria foi uma civilização urbana do sul da Mesopotâmia, atual Iraque, que se desenvolveu no terceiro ao segundo milênio a.C, sua linguagem foi mantida apenas no meio litúrgico durante seu sucessor o Império Acadiano). A versão usada é baseada na tradução Assíria, que deve ter sido perdida durante a queda de Nínive. A Epopeia de Gilgamesh agrega histórias que empregam o panteão sumério e revelam (através da interpretação arqueológica científica) o plano de fundo do centro cultural no Crescente Fértil (entre o Tigre e o Eufrates), dos séculos do terceiro milênio a.C, onde podem-se destacar as cidades de Eridu e Uruk, explorar a epopeia e revisitá-la é uma oportunidade de induzir interesse não apenas no universo em que a história é narrada – mas também como na perspectiva daqueles que grafaram essa história, ou do modo de como viam e relataram a sua e consequentemente a nossa história (KRAMER, 1963, p.5).

Gilgamesh nos conta uma história de fatalidade onde elementos como a busca pela imortalidade se apresentam ao personagem. Reconhecemos que Gilgamesh não é um herói humano, mas é o primeiro herói trágico que conhecemos, representa o homem em busca da vida e do conhecimento, uma busca que não pode conduzi-lo senão à tragédia (SANDARS, 1972, p.8). Os elementos do arquétipo que mais tarde embasam a Odisséia e Hércules estão aí, a epopeia reúne "o poder e a tragédia da Ilíada com as viagens e maravilhas da Odisseia. É uma obra sobre aventura, mas não é em parte menor uma meditação sobre problemas fundamentais da existência humana" (ABUSCH, 2001, p.614). A busca pela imortalidade trata-se de um clímax (nas tábuas XI e XII), a tragédia de Gilgamesh é possível apenas pelo elenco que o segue em outras aventuras, tais como os personagens Enkidu e Utnapishtim, e toda a casta de divindades que asseguram o seu destino. “A história tem muitos desdobramentos, mas eis sua tragédia: o conflito entre os desejos do deus e o destino do homem” (SANDARS, 1972, p.30). A fatalidade compara-se ao que se personifica tardiamente como as Moîrai na tradição helênica arcaica de Hesíodo, no sentido que ela coage sobre os entes, como uma impossibilidade de cada ente ultrapassar a esfera que lhe é própria sem que isso transgrida os privilégios (timé) de outro Deus. Ou seja, a força dessa Fatalidade (no latim fātum) é a da facticidade da partilha” (TORRANO, 1991, p.50). No conto, essa força encontra uma personificação em Namtar (o desumano “Destino”), e também está associado ao mundo inferior. As peculiaridades da história serão abordadas no tópico referente ao roteiro.

6. ADAPTAÇÃO

Para caracterizar-se uma adaptação de obra literária em outro meio (ex: cinema ou quadrinhos), ressaltam-se aqui semelhanças entre o processo de adaptação de um romance ou poesia para um meio visual (ex: cinema), ou visual- textual (quadrinho), uma arte sequencial (EISNER, 1985, p.7). Uma análise das diferenças nos meios nos torna cientes dos desafios que o autor possui no câmbio de informações entre um meio e outro, onde o roteirista é responsável pelo corte de conteúdos. É necessário fazer a devida diferenciação entre esses diferentes meios e os processos de criação onde se cabe: A tratar-se da adaptação, existem preocupações referentes ao objeto da adaptação e o produto final. Uma preocupação passível de crítica é a suposição de uma fidelidade à obra literária, sujeita a manter ou condenar o fluxo da história. Para isso me aproprio de um contexto cinematográfico de adaptar uma obra literária, para propor um paralelo com o meio de design gráfico dos quadrinhos, de modo a solucionar a questão de “fidelidade” e esclarecer o rumo da adaptação no projeto. No contexto mencionado, sugere-se a distinção entre uma adaptação literal, fiel e uma adaptação livre (GIANNETTI, 2002, p.46), como possível abordagem para o projeto a ser desenvolvido. Sobre o quesito “fidelidade”, debate-se nesse contexto que a mesma não passa de uma metáfora, e se “fidelidade” é uma metáfora inadequada, propõe-se uma metodologia que trate sobre uma 'tradução'. “A metáfora de adaptação como tradução sugere um efeito principiado de transposição inter-semiótica, com inevitáveis perdas e ganhos típicas de qualquer tradução” (STAM, 1999, p.62). Neste caso, uma tradução de perdas e ganhos, e não uma transliteração, nos situa a que lugar a obra que é o objeto de estudo se encontra, e qual objetivo o projeto visa com essa proposta de adaptação. Nesse contexto da adaptação literária (aqui se refere ao cinema, porém também trata de recursos semióticos – a meu ver, é justificável que tais métodos seriam facilmente adaptados para um meio como quadrinhos) ocorrem por vias de estudos de caso comparativos entre versões impressas e filmes (MURRAY, 2008, p.4).

Essa metodologia de análise comparativa textual sustenta o consolidado texto crítico dos estudos de adaptação Novel into Film, onde se reflete que “grandes inovadores do século 20, tanto em filmes e romances, têm tido tão pouco a ver um com o outro, partiram em seus caminhos sozinhos, sempre mantendo uma distância

firme, porém respeitosa” (BLUESTONE, 1957, p.63), metodologia que ainda se encontra “passiva de críticas”, por “ter ossificada a disciplina de estudo de adaptações em um quase inquestionável ortodoxia metodológica no campo” (MURRAY, 2008, p.4). Concluindo essa aproprição, percebe-se que cada autor separa os diferentes processos de acordo com o meio técnico (tecnologia) na qual a adaptação tende a ocorrer. Os estudos de adaptação encontram-se em diferentes frentes de entendimento onde se busca uma inovação metodológica, cuja preocupação é a arbitrariedade ou não de uma tradução.

Nesse passo, ao estudarmos os meios distintos no qual funcionam a leitura de uma arte sequencial (quadrinhos) e de uma adaptação de obra literária para outro meio (ex: um filme) para fins comparativos, propõe-se buscar uma metodologia a respeito da maneira que o objeto de estudo (a Epopéia) seja traduzida de forma eficiente num formato de adaptação para o meio escolhido (quadrinho), e que esse potencialize a sua comunicação. Por eficiente, entenda-se alcançar o que o projeto busca: compilar e findar o conteúdo de doze tábuas (ou, de como foram apresentados na versão de N.K. Sandars) e referências adicionais em um único volume.