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Diálogos (im)possíveis entre a dança e o teatro : um olhar sobre a formação do artista cênico no CEFAR

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MIRZA FERREIRA

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O

TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

CAMPINAS

2017

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MIRZA FERREIRA

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O

TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia Maria Strazzacappa Hernández O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MIRZA FERREIRA, E ORIENTADA PELA PROF.ª Dr.ª MÁRCIA MARIA STRAZZACAPPA HERNANDEZ

CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

DIÁLOGOS (IM)POSSÍVEIS ENTRE A DANÇA E O

TEATRO: UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DO

ARTISTA CÊNICO NO CEFAR

Autora: Mirza Ferreira

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª Dr.ª Márcia Maria Strazzacappa Hernandez Prof.ª Dr.ª Sayonara Sousa Pereira

Prof.ª Dr.ª Lilian Freitas Vilela

Prof.ª Dr.ª Verônica Fabrini Machado de Almeida Prof.ª Dr.ª Ana Angélica Medeiros Albano

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico esta tese à minha avó Ermelinda que partiu desse mundo sem aprender a juntar as letrinhas...

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AGRADECIMENTOS

Gracias a la vida que me ha dado tanto! Violeta Parra

Minha imensa gratidão....

Aos meus pais (Mirna e José Maria) por terem me dado raízes fortes o suficiente para que eu pudesse criar asas e voar.

À Tatá por me dar a oportunidade de vivenciar o maior amor do mundo e por sempre me ensinar tanto. Obrigada por mais do que filha, ser minha amiga e parceira para tantas coisas da vida, dentre elas, a dança.

Ao Terra pela parceria de uma vida quase inteira, por me ajudar a ser quem eu sou, pelas leituras minuciosas da tese, por fazer o possível para tornar os meus dias de trabalho intenso mais leves e, principalmente, por ser meu porto seguro sempre. Só é possível ir porque eu sei que tenho para onde voltar!

À minha querida orientadora Márcia Strazzacappa por tantas coisas! Pelo apoio constante, pela confiança expressa no convite para eu assumir uma disciplina que lhe era tão cara, pelo exemplo de como ser artista na universidade, pela amizade e pela paciência em respeitar o meu tempo. À Carol (Ana Carolina B. V. Portugal) por toda a força durante o processo de seleção. Sua ajuda e cumplicidade foram essenciais!

À Cris (Ana Cristina B. V. Daltro) e família por terem me recebido de portas e corações abertos em sua casa. Muito obrigada por terem me oferecido um lar em Campinas nos primeiros anos do doutorado!

Ao professor Rogério Moura por ter sido o primeiro orientador (ainda que só para formalidades) e por todo o incentivo e disponibilidade em resolver as tantas burocracias durante o primeiro ano do doutorado.

À professora Ana Angélica Albano pela disciplina encantadora, pelos eventos enriquecedores, pelo acolhimento no momento em que minha orientadora estava longe e por ter aceitado o convite para participar da banca de defesa.

À professora Joana Ribeiro Tavares pela participação e colaboração no exame de qualificação e pelo enorme carinho em me disponibilizar material tão precioso sobre sua história no CEFAR.

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Às professoras Lilian Vilela, Sayonara Pereira e Verônica Fabrini por aceitarem o convite para participar da banca de defesa. À Verônica os agradecimentos se estendem também à sua participação no exame de qualificação.

Aos alunos e professores do CEFAR, que aceitaram participar dessa pesquisa, especialmente às coordenadoras Joana Wanner e Letícia Castilho, por abrirem as portas da escola para mim e me receberem de forma tão acolhedora.

À Lidiane Lobo pelo apoio fundamental no encerramento do primeiro semestre de 2012. À Lelê (Alessandra Ancona Faria) pela amizade e por todo o apoio na época do exame de qualificação. Sua amizade foi um grande presente que o Laborarte me deu!

À amiga-irmã-comadre Carla Ávila por uma vida de amizade, parceria, companheirismo, trocas, afetos, danças, madrinhagens mútuas, sonhos e muito amor! E, especialmente nessa fase, pela companhia na salinha do Laborarte.

À amiga Laura Pronsato pela amizade e pelo importante apoio nos primeiros anos de doutorado. As conversas, os lanches da tarde, os tantos momentos divididos, me nutriram e tranquilizaram em momentos tão delicados da minha vida de mãe-doutoranda.

Às amigas de sempre (e para sempre): Kate (Kátia Figueiredo), Wal (Walquiria Pompermeyer), Ló (Ló Guimarães), Paula (Salles), Lúcia (Nobre) e Ju (Juliana Couto) pelas alegrias vividas, divididas e dançadas! E pelos incentivos e envios de energias positivas nessa fase de escrita da tese.

À Rux (Ruxelli Bergamaschi) pela amizade, pela confiança, pela “força da mente” tantas vezes enviada e, principalmente, pela parceria tão generosa na busca por uma forma de expressarmos nossa arte.

Às amigas do “Quarteto Soprano” (Carla Silveira, Fábia Bozzola e Janaína Lanaro) pelo incentivo e torcida constantes.

À minha irmã-amiga-comadre (Mayra F. R. Laranjeira) por estar sempre presente em minha vida e por ter me dado a grande alegria de me tornar madrinha!

Aos pequenos afilhados Andrey e Rudá, e aos sobrinhos Antony e Ravi, por me trazerem tantas alegrias. Dentre elas a descoberta de que o amor de tia-madrinha é quase tão grande quanto o de mãe!!

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Aos professores que de algum modo me (trans)formaram com suas práticas docentes inspiradoras.

Aos alunos (do passado, do presente e do futuro) que me dão o prazer de ensinar. Ser professora de dança é uma das grandes alegrias da minha vida!

Aos colegas e professoras do Laborarte pelos compartilhamentos, trocas e discussões, mas principalmente, por me ensinarem que é possível fazer pesquisa acadêmica sem abrir mão da minha subjetividade.

Aos colegas do GPAP (Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia) - com um obrigada especial à professora Mírian Celeste Martins, por me mostrarem que é possível encontrar afeto e respeito no mundo acadêmico. Fazer parte desse grupo é uma honra para mim!

Aos funcionários da Faculdade de Educação que realizam suas tarefas de secretaria, limpeza, segurança e informática, tão essenciais para o dia a dia de todos os que passam por lá.

Aos amigos e familiares que de perto ou de longe estiveram sempre mandando mensagens de apoio e torcida constantes.

À toda a comunidade das Danças Circulares - com um agradecimento especial à Cristiana Menezes que foi quem me introduziu nesse universo – pelos tantos momentos dançados e por compartilharem comigo a crença de que juntos, de mãos dadas, somos muito mais fortes. Ao povo brasileiro que através da CAPES me concedeu a bolsa de doutorado, o que viabilizou, por um período, minhas idas e vindas constantes.

***

Como artista da dança e educadora, não posso deixar de DESAGRADECER ao ilegítimo presidente Michel Temer e toda a sua equipe de (des)governo pelo desrespeito com que vêm tratando as áreas de cultura, educação e pesquisa, destruindo em poucos meses tantos avanços que o país levou anos para alcançar. A falta de perspectiva de um futuro digno em nosso país foi fundamental para o meu desânimo em terminar essa tese! Que seja só uma questão de tempo...

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Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, está do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‘Me ajuda a olhar!’

Eduardo Galeano

A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.

Viviane Mosé

É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.

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RESUMO

A partir do pressuposto de que uma das características da cena contemporânea é a hibridização das linguagens artísticas, a presente pesquisa de cunho qualitativo teve como foco principal analisar a formação profissional de atores e de artistas da dança visando verificar se essa hibridização se faz presente no processo de formação inicial do artista cênico. O lócus da pesquisa foi o Centro de Formação Artística (CEFAR) da Fundação Clóvis Salgado, uma das principais escolas de nível técnico profissionalizante do estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, que agrega as duas formações. Por meio de observação de campo durante o ano letivo de 2014 e da realização de entrevistas semiestruturadas junto a estudantes, professores e coordenadoras das escolas de Dança e de Teatro do CEFAR, buscou-se identificar quais eram os princípios e as práticas que fundamentavam a preparação corporal dos estudantes e investigar as similaridades e divergências entre a dança e o teatro durante o processo de formação. A pesquisa revelou que não há nenhuma característica de hibridização de linguagens durante o processo de formação destes artistas, visto que a mesma ocorre de forma completamente separada não havendo, inclusive, integração entre os corpos docentes e discentes de dança e de teatro. Dentre as principais divergências entre as duas linguagens – dança e teatro - se destacaram o tratamento dado ao corpo e as metodologias de ensino utilizadas.

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ABSTRACT

Starting from the idea that a contemporary characteristic of artistic languages is hybridization, this qualitative research is focused on the education of professional dancers and actors, trying to identify if such hybridization is present in the preparation process of scenic arts professionals. The locus of this research was the Centro de Formação Artística (CEFAR) of Fundação Clóvis Salgado, one of the main vocational schools of arts of the state of Minas Gerais, Brasil, at the city of Belo Horizonte, which offers the two courses. By using field observation during the 2014 term and semistructured interviews with students, teachers, and coordinators of Dance and Drama Schools of CEFAR, we tried to identify which principles and practices which sustained the body preparation of the students and to search for similarities and divergencies between Dance and Drama along this process. This research shows the absence of hybridization manifestations during the preparation process, given the parallel strucure of the schools, without any integration between students or teachers. Among the major divergencies between the two languages — dance and drama — we singled oud the treatment given to body and the methodological tools.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem Autor Página

Penélope Tatiana Blass 15

Fotos s/títulos Arquivo pessoal da autora 19 Foto s/título Arquivo pessoal da autora 24

Narcissus Garden Yayoi Kusama 35

Eco e Narciso John Willian Waterhouse 65

La metamorfosis de Narciso Salvador Dalí 83

Narciso after Caravagio Vik Muniz 103

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Sumário

APRESENTAÇÃO ... 15

COMO TUDO COMEÇOU ... 19

OS CAMINHOS DA PESQUISA ... 24 A PESQUISA DE CAMPO... 26 • Observações ... 27 • Entrevistas ... 28 • Análise do material ... 31 Capítulo 1 ... 33

1. Meu quintal é do tamanho do mundo... ... 38

1.1 Era uma vez um palácio modernista... ... 38

1.2 A criação do CEFAR ... 40

1.3 A organização escolar do CEFAR ... 42

1.3.1 O processo de seleção ... 42

1.3.2 O projeto pedagógico ... 46

1.3.3 O corpo discente ... 54

1.3.4 O corpo docente ... 57

1.3.5 A integração entre as escolas ... 59

Capítulo 2 ... 65

2. Um estranho no espelho: relações entre a dança e o teatro ... 68

2.1 Cruzamentos entre a dança e o teatro no tempo e no espaço ... 70

2.1.1 Klauss Vianna: um exemplo brasileiro de entrelaçamento entre a dança e o teatro ... 72

2.2 Sobre as relações entre a dança e o teatro no CEFAR: o que vi, ouvi e percebi ... 74

Capítulo 3 ... 83

3. Um olhar por trás das cortinas... como se forma um artista cênico? ... 86

3.1 Ingredientes para formar um artista da cena... ... 88

3.2 O pensamento pedagógico do CEFAR ... 90

3.2.1 A proposta curricular ... 91

3.2.2 Os professores e seus diferentes estilos de ensino ... 92

3.3 Do que são feitas as escolas de artes.... ... 96

Capítulo 4 ... 103

4. O corpo que sou versus O corpo que tenho ... 106

4.1 Corpo como interface entre a dança e o teatro ... 107

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4.1.2 Percepções de corpo no teatro: ... 110

4.2 Sobre os corpos que habitam o CEFAR... ... 113

Considerações finais ... 121

Antes de partir... ... 124

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Los cientistas dicen que estamos hechos de átomos pero a mi um pajarito me contó que estamos hechos de historias. (Eduardo Galeano) Na mitologia grega, as Moiras eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Durante o trabalho faziam uso da roda da fortuna, que era o tear utilizado para tecer os fios. Por suas mãos passavam o destino de todos os seres.

Trago a imagem das moiras para ilustrar como concebo essa tese. Uma trama de fios de diferentes texturas e cores, vindos de diferentes lugares, carregando diferentes histórias, que quando cruzados, geram poesia, sugerem movimento, desenham a história de um lugar. O fio da minha história – o qual passa a fazer parte desta trama – se conecta a tantos outros fios de pessoas e lugares distintos. E assim, ao observar o desenho da trama composta, já não é mais possível saber onde começa um e termina outro. A qualidade individual de cada fio não é mais tão importante. O produto criado a partir do cruzamento de tantos fios e de tantas histórias é o que mais me interessa.

E dessa forma essa tese foi sendo escrita. Produzindo uma trama de vozes, olhares, movimentos e sensações. Dela fazem parte fios da história da dança e do teatro, fios de estudantes e professores do CEFAR, fios de autores que tratam do teatro, da dança, do corpo, do ensino de arte. Fios que cruzados e trabalhados em uma minuciosa trama geraram o material que se apresenta aqui.

Durante o processo da escrita, em muitos momentos, tive que buscar entre tantos fios, o “fio de Ariadne”, afim de encontrar a saída de um labirinto repleto de informações que, em um primeiro momento, parecia não ser possível organizar. Com a paciência de uma tecelã que muitas vezes precisa pausar a feitura da trama para desfazer os nós que atrapalham o desenho, aos poucos fui encontrando o fio central dessa trama que apresento a seguir.

Escrevi um capítulo de Introdução que chamei de “Como tudo começou: Antes da pesquisa, a pesquisadora...” no qual apresento parte da minha história de vida dando ênfase aos momentos que se relacionam com os assuntos mais relevantes para essa tese. Procurei trazer para esse capítulo minhas principais lembranças no que diz respeito ao meu corpo, à dança e à educação. São três temas que permeiam minha vida desde criança e é a partir deles que entendo meu lugar no mundo. Se hoje encerro minha pesquisa de doutorado desenvolvida em um grupo que trata dos “estudos sobre corpo, arte e educação”, é porque de alguma forma as vivências e

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experiências que tive como artista da dança e professora me trouxeram até aqui. Neste capítulo também encontram-se expressos os questionamentos que embasaram a pesquisa, assim como algumas reflexões pessoais sobre o tema. Trechos do Memorial que escrevi para o exame de qualificação do doutorado, também fazem parte desse capítulo.

Passagens desse mesmo Memorial também foram inseridas como abertura de alguns capítulos. Nesse contexto é importante anunciar que propositalmente o texto do Memorial foi escrito em terceira pessoa. Essa opção se deu pelo fato de eu acreditar que toda memória é um passado recriado. Quem recorda opta (consciente ou inconscientemente) por destacar ou esquecer determinados fatos. A memória é composta por imagens, cheiros, gostos, sensações, sonhos, desejos, saudades... E ao acessá-la tem início um processo de recriação quase ficcional. O resultado é sempre uma narração que o eu atual faz de algo que acredita ter vivido.

Em seguida apresento o capítulo “Os caminhos da pesquisa”, em que faço uma descrição detalhada de todo o percurso metodológico da pesquisa, afim de que o leitor possa compreender como a mesma foi se constituindo. Trago informações sobre a metodologia utilizada, os participantes da pesquisa, os procedimentos realizados e como os dados obtidos foram analisados. Esse capítulo tem a principal função de oferecer a novos pesquisadores a possibilidade de conhecer o caminho que percorri.

O próximo capítulo apresentado – “Meu quintal é do tamanho do mundo...” – tem como tema o local onde a pesquisa foi desenvolvida: o Centro de Formação Artística do Palácio das Artes (CEFAR)1. Questões históricas relativas à sua criação, o contexto cultural que o envolve e questões formais sobre sua organização escolar são apresentadas e discutidas com base nos depoimentos dos entrevistados (estudantes e professores das escolas de Dança e Teatro). Trata-se de um capítulo de cunho informativo que levanta importantes questões que serão aprofundadas nos capítulos seguintes.

Em seguida vem o capítulo “Um estranho no espelho: relações entre a dança e o teatro”, no qual são apresentadas e discutidas algumas divergências e semelhanças entre as duas linguagens. As relações que elas estabelecem em diferentes tempos e espaços são referências para entender como essas relações se dão dentro do CEFAR. Aqui surge o nome de Klauss Vianna como exemplo de um artista brasileiro que representa o entrelaçamento entre a dança e o teatro.

1 Em 2016, por decisão da nova diretoria da mantenedora do CEFAR, o nome da escola foi mudado para CEFART

(Centro de Formação Artística e Tecnológica). Pelo fato da pesquisa ter sido desenvolvida em 2014, assim como por questões afetivas, optei por manter o nome antigo.

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No terceiro capítulo “Um olhar por trás das cortinas... como se forma o artista cênico?”, discuto os conceitos de formação e (trans)formação com base nas diferenças entre a dança e o teatro. O que é necessário para formar um artista cênico e os pensamentos e práticas pedagógicas dos professores do CEFAR são analisados a partir de autores que discutem o ensino das duas linguagens.

Em seguida apresento o capítulo “O corpo que sou versus O corpo que tenho”, o qual tem como principal objetivo discutir as diferenças de tratamento dado ao corpo na dança e no teatro. Busco na história das artes da cena referências que tratam do treinamento corporal nas duas áreas para dialogar com a realidade de corpos que encontrei no CEFAR. Evidencia-se nesse capítulo uma sensível diferença que se manifesta na forma como bailarinos e atores lidam com o próprio corpo influenciando, inclusive, na autonomia que demonstram ter sobre suas próprias formações.

Em um quinto e último capítulo “Antes de partir...” apresento as considerações finais sobre a pesquisa. Com a sensação de que ainda haveria muito a ser dito, após rememorar algumas questões da minha formação em dança e voltar a temas apresentados em outros capítulos, trago alguns novos questionamentos que surgem a partir da finalização da pesquisa. E, travando uma luta entre tempos internos e externos, aceito que apesar de inacabada, é hora de colocar o ponto final nessa tese.

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COMO TUDO COMEÇOU

ANTES DA PESQUISA, A PESQUISADORA...

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Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo. Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança. (Rubem Alves) Questões ligadas ao corpo e à dança sempre estiveram presentes em minha vida. Fosse por meio das brincadeiras no quintal ou das aulas de ballet que comecei a frequentar aos 7 anos de idade, sentir meu corpo em movimento e explorar suas possibilidades sempre me trouxeram muito prazer. Lembro com uma certa nostalgia das tardes de sábado que eu passava dançando na sala de casa enquanto meu pai ouvia música italiana; ou da alegria das primeiras aulas de ballet; ou ainda de como me senti flutuando quando subi pela primeira vez em uma sapatilha de ponta... São memórias inscritas no corpo.

Como artista da dança, minha formação se deu principalmente em duas escolas na cidade de São Paulo (Especial Academia de Ballet e Escola Municipal de Bailado2) e, em seguida, no curso de graduação em dança da UNICAMP3. Neste último, desde a prova de aptidão, meu corpo foi apresentado a uma série de técnicas e estilos de dança até então desconhecidos e descobriu inúmeras e novas possibilidades de criação.

Foi ainda na graduação que percebi meu interesse pelo corpo também como fonte de pesquisa. No segundo ano desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica que investigava questões anatômicas relacionadas à prática do ballet clássico. O corpo foi novamente escolhido como tema quando realizei uma breve pesquisa de campo para a elaboração do trabalho final da disciplina: "Didática aplicada ao ensino de dança", em meu terceiro ano. Voltei ao tema durante minha pesquisa de mestrado4 quando abordei as transformações corporais ocorridas em virtude da utilização das novas tecnologias de comunicação e como essas transformações acarretavam mudanças ao ensino de dança. O corpo sempre esteve presente.

Durante todo o meu percurso na dança, desde a infância, dúvidas e questionamentos ligados ao meu próprio corpo me acompanharam. A busca por um “corpo ideal”, as relações entre técnica e expressividade, a importância da presença cênica... Quanto a esta última, lembro-me de uma professora da graduação que repetia sempre em aula: “no palco, tudo deve ser feito cenicamente!!!” Mas nunca indicava o caminho para chegarmos a esse estado cênico. Seria possível indicá-lo? Ou teríamos que aprender a partir da própria experiência? As dúvidas permaneciam!

2 Hoje Escola de Dança de São Paulo.

3 Cursei o Bacharelado e a Licenciatura em Dança entre os anos de 1992 e 1995.

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Iniciei minha carreira docente muito precocemente, aos 13 anos de idade. Ao longo desses quase trinta anos trabalhei em academias de dança, escolas de educação infantil, cursos de graduação e projetos de extensão universitária. Para mim o ato de ensinar sempre foi fundamental, mas também esteve associado a muitos questionamentos. Compartilho das ideias de Lecoq (2010, p. 34):

Na verdade, sempre quis e gostei de ensinar, mas ensinar, sobretudo, para conhecer. É ensinando que posso continuar minha busca, no sentido de conhecer o movimento. É ensinando que compreendo melhor como tudo se movimenta. É ensinando que descobri que o corpo sabe coisas que a cabeça ainda não sabe! Essa pesquisa me fascina e, ainda hoje, desejo compartilhá-la.

Passaram por mim aprendizes com idades entre 2 e 82 anos. Bailarinos5 e não-bailarinos. E me chamava a atenção a diferença que esses alunos apresentavam quanto à presença cênica. Em geral os que possuíam um maior domínio da técnica utilizada alcançavam esse estado mais rapidamente. Mas isso não era regra! Alunos com alto nível técnico podiam subir ao palco e não dizer nada, enquanto outros, mais fracos tecnicamente, conseguiam impressionar com suas atuações. A partir dessa percepção, uma questão se fez presente: o que faz com que alguns corpos digam mais que outros? O senso comum me respondia que era o talento, mas eu sabia que era preciso sair do senso comum, pois como nos aponta Santaella (2010): “o senso comum é uma dose de conhecimento comum de que dispomos para dar conta das necessidades rotineiras. (...) Entretanto, tão logo necessitamos de informação especializada, comprovada, confiável, esta só pode provir da ciência” (p. 69).

Por ter uma formação artística essencialmente só em dança, acreditava que essas questões que me acompanhavam relacionavam-se especificamente ao campo da dança e de seu ensino. Fui surpreendida quando, ao cursar algumas disciplinas isoladas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG6, identifiquei que as mesmas questões também se aplicavam ao campo do teatro. Dessa forma, meu interesse se ampliou para o corpo do artista cênico, ou artista da cena, como denominado por Pavis (1999). Passei a estudar mais sobre o tema e pude perceber que as questões ligadas ao corpo em cena estavam muito além de uma separação entre dança e teatro. Tanto atores quanto bailarinos tinham como local de construção de seu trabalho o próprio corpo. Percebi que era um campo fértil para muitas investigações.

5 Bailarino aqui e, ao longo dessa tese, não se refere com exclusividade a quem pratica o ballet clássico. O termo

está sendo utilizado como sinônimo de dançarino ou artista da dança.

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Em meio a esses estudos fui apresentada a alguns autores que defendiam a ideia de que a tendência das artes da cena na contemporaneidade era a hibridização. Intrigada com o tema busquei mais informações e, com a perspectiva do olhar de educadora que tem me acompanhado ao longo dos anos, surgiu o interesse em verificar se essa hibridização se fazia presente no processo de formação de artistas da cena.

Com essas ideias em mente, escrevi um projeto de doutorado então intitulado “Corpo em cena: que corpo é esse?”. Já nesse primeiro momento com o interesse de verificar as possíveis similaridades entre a dança e o teatro na construção de um corpo cênico. Com esse projeto, em 2012, dei início ao meu doutorado em Educação no LABORARTE7. As reuniões do grupo, as disciplinas cursadas e minha participação em diversos eventos acadêmicos da área trouxeram, evidentemente, muitas contribuições e alterações para o projeto. Uma delas, talvez a mais significativa, foi a transformação do CEFAR de simples local para realizar as observações de campo, para a condição de protagonista da pesquisa.

Inicialmente escolhido por ser uma escola de referência na formação de atores e bailarinos na cidade em que vivia – Belo Horizonte -, a importância do CEFAR foi tomando destaque durante o desenvolvimento da pesquisa, talvez pelo fato de minhas relações com ele irem muito além das acadêmicas. Além de ter sido professora de sua escola de Dança, durante dez anos frequentei o CEFAR também como mãe de uma das alunas. Assim, minhas relações com aquele espaço estavam carregadas de memórias e afetos ainda antes mesmo de iniciar a pesquisa.

Quando passei a frequentar a escola atuando em meu novo papel, o de pesquisadora, passei a estar alerta para algumas questões que anteriormente não me saltavam aos olhos. E uma delas, que passou a ser fundamental para a pesquisa, foi a relação entre as escolas de Dança e Teatro. Percebi o quanto eu, como professora da escola de Dança, desconhecia a escola de Teatro e seus professores. O quanto não havia integração entre as escolas. Agora me interessava saber os motivos para essa falta de integração.

Mantendo ainda a ideia original de investigar as possíveis similaridades e divergências no processo de formação do artista cênico, meus interesses se ampliaram para entender também quais os princípios e as práticas que fundamentavam a preparação corporal dos atores e dos bailarinos em formação no CEFAR. E foram essas as questões que me guiaram durante toda a pesquisa que resultou nessa tese.

7 Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação –

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Percebo, ao observar minha trajetória, que meus principais questionamentos tiveram origens em dúvidas e buscas pessoais que foram se acumulando durante minha experiência como estudante, artista da dança, educadora e pesquisadora. Não são frutos apenas de uma reflexão teórica sobre o fazer dança (ou teatro), mas sim frutos de uma postura crítico-reflexiva como artista e professora de dança. Entender o corpo e suas potencialidades foi uma busca constante em minha vida desde a infância – ainda que, naquele momento, eu não soubesse disso.

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“Toda pesquisa nasce, portanto, do desejo de encontrar resposta para uma questão.” (Santaella, 2010, p.72) Apesar de não ser uma exigência, eu penso que relatar os procedimentos de pesquisa em uma tese, mais do que cumprir uma formalidade, tem a função de oferecer a outros a possibilidade de conhecer o caminho que percorri para, a partir dele, buscar o seu próprio caminho. É pensando nos que virão que busco apresentar detalhadamente a metodologia dessa pesquisa.

De acordo com Pereira de Queiroz (1983, p.70), “toda proposição de uma pesquisa se efetua dentro de um universo muito restrito - o universo do pesquisador (...) - a partir de seus conhecimentos, de seus raciocínios e da sua visão do mundo”. De onde conclui-se que a metodologia de pesquisa a ser utilizada deve ser algo em que o pesquisador acredite e com a qual se identifique.

(...) não escolhemos em um armário de metodologias essa ou aquela que melhor nos atende, mas somos “escolhidas/os” (e esta expressão tem, na maioria das vezes, um sabor amargo) pelo que foi historicamente possível de ser enunciado; que para nós adquiriu sentidos; e também nos significou, nos subjetivou, nos (as)sujeitou (CORAZZA8 citado por LIMA, 2016, p. 86).

Por acreditar que essa pesquisa habita o que considero um entrelugar9, fui buscar

diferentes linhas metodológicas afim de encontrar a que eu considerasse a mais adequada. A busca se deu tanto na área de humanas, em especial da educação, por se tratar de uma pesquisa que se desenvolve em um programa de pós-graduação em educação, quanto na área de artes, pois apesar de não ter como objetivo um produto artístico, toda a minha pesquisa de campo se daria na área das artes cênicas (aulas, ensaios e espetáculos de dança e teatro).

Após ponderar todas essas informações, optei pela linha da pesquisa qualitativa pois compartilho da visão de Triviños (1987) quando este afirma que:

(...) o processo da pesquisa qualitativa não admite visões isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica retroalimentando-se, reformulando-se constantemente, de maneira que, por exemplo, a coleta de dados num instante deixa de ser tal e é análise de dados, e esta, em seguida, é veículo para nova busca de informações. As ideias expressas por um sujeito numa entrevista, verbi gratia, imediatamente analisadas e interpretadas, podem recomendar novos encontros

8 CORAZZA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.).

Caminhos investigativos – novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 105-131.

9 “Pensar nos lugares do corpo e da arte na vida humana leva-nos, inescapavelmente, aos entrelugares, aos desvãos,

aos esconderijos onde o inexplicável, poeticamente, também se faz presente... Coloca-nos numa posição onde não estamos nem lá nem cá, desafiando nosso desejo de encontrar um refúgio seguro. (...) [move-nos] sinuosamente, de um lado para outro, de baixo para cima, em diagonal; do corpo para a arte, da arte para o corpo; na continuidade e na descontinuidade dos tantos e dos intensos diálogos que os estudos do corpo e da arte vêm realizando já há algum tempo no meio acadêmico, habitando os lugares entre as áreas consideradas sérias e produtivas (STRAZZACAPPA et al, 2010, p.15).”

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com outras pessoas ou a mesma, para explorar aprofundadamente o mesmo assunto ou outros tópicos que se consideram importantes para o esclarecimento do problema inicial que originou o estudo (p.137).

Acredito ainda que a pesquisa de caráter qualitativo, na qual se trabalha com a vivência, a experiência, a cotidianidade e a compreensão das estruturas e instituições como resultantes da ação humana objetivada, possibilita uma maior reflexão e um aprofundamento das complexidades do objeto de estudo (MINAYO, 1994).

Definido o território – a pesquisa qualitativa – faltava escolher os caminhos que seriam trilhados em busca de meus objetivos pois como aponta Zamboni (2006, p.52):

Toda pesquisa necessita de um método para chegar a seus objetivos. Método é o caminho pelo qual estes são alcançados. Poderá haver vários caminhos diferentes, mas existirá sempre um mais adequado para ser trilhado. Essa adequação não diz respeito somente a uma escolha no seu sentido lógico mais apurado; o adequado revela também o ponto de vista pessoal de quem escolhe (o que é adequado para um indivíduo obrigatoriamente pode não ser para outro), e o paradigma em que o indivíduo está atuando, pois a escolha do caminho adequado está intimamente ligada ao conjunto de regras e das teorias em que se está atuando.

Dessa forma, foram escolhidos alguns caminhos que se entrecruzaram em diversos momentos. O primeiro foi o da revisão bibliográfica em busca do apoio teórico necessário para dar continuidade à caminhada. Foram estudados temas relacionados ao corpo cênico (história do corpo em cena, conceituações de corpo cênico, métodos de preparação corporal do artista cênico), ao ensino da dança e do teatro e aos cursos técnicos profissionalizantes. Em seguida foi escolhido o caminho que me aproximaria do meu objeto de estudo, a fase denominada de pesquisa de campo. Esse caminho se bifurcou em duas trilhas: a trilha da observação não-participante e a da entrevista semiestruturada. Trilhas que me proporcionaram uma maior compreensão das singularidades do universo pesquisado.

A PESQUISA DE CAMPO

• Local

A escolha do CEFAR como local para a realização de minha pesquisa de campo se deu por três motivos principais. Primeiro, por acreditar que os cursos técnicos profissionalizantes são responsáveis pela formação de um número significativo de artistas da dança e do teatro e, de acordo com os estudos realizados, é um campo pouco pesquisado e discutido. Segundo, porque durante três anos fiz parte do corpo docente de sua escola de Dança e algumas das questões levantadas nessa pesquisa originaram-se em minha prática ali vivenciada. E terceiro, por sua localização, pois Belo Horizonte tem se destacado no contexto da produção nacional em dança e em teatro.

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Em setembro de 2013, foram feitos os primeiros contatos com a então gerente de ensino que era a responsável pela supervisão das três escolas do CEFAR (dança, música e teatro). Em seguida foi marcada uma reunião com as coordenadoras das escolas de dança e teatro, na qual apresentei o meu projeto esclarecendo como se daria a parte prática da pesquisa. Provavelmente por já ter sido professora da escola de Dança, fui recebida com muito entusiasmo. Ambas as coordenadoras se colocaram inteiramente à disposição para ajudar no que fosse possível, autorizando a minha entrada na escola sempre que necessário. Surgiu nesse momento de primeiros contatos uma diferença que considero relevante explicitar.

A coordenadora da escola de dança enfatizou que as portas da escola estavam abertas para mim e que eu poderia entrar e sair de qualquer sala/aula quando fosse necessário. Imediatamente me entregou a grade de horários dos três anos do curso profissionalizante deixando à minha livre escolha quando e quais aulas assistir. Apesar de sua autorização enquanto coordenadora da escola, fiz questão de pedir que ela avisasse a todos os professores (na grande maioria meus conhecidos) sobre a minha pesquisa, informando que eu estaria presente em algumas aulas e ensaios.

No caso da coordenadora da escola de teatro, apesar de também ter se demonstrado bastante receptiva à pesquisa, ela fez questão de esclarecer que eu deveria conversar individualmente com cada professor. Gentilmente me indicou os que ela considerava mais interessantes de acordo com os meus objetivos e enfatizou que eles teriam toda a liberdade em aceitar ou não a minha presença dentro da sala.

Observações

Iniciei em novembro de 2013 uma fase que considerei de observações preliminares. Nesta etapa assisti a algumas aulas de dança e de teatro e acompanhei os ensaios e o espetáculo de formatura dos estudantes de dança. Mais do que obter dados para a pesquisa, essa fase tinha o intuito de entender a dinâmica das escolas, me aproximar dos estudantes e dos professores e, desta forma, elaborar elementos para uma nova fase de observação mais aprofundada.

Em março de 2014, retornei ao CEFAR, agora sim participando intensivamente da rotina de aulas, ensaios, apresentações de trabalhos e espetáculos. Foram três meses de visitas diárias dividindo meu tempo entre os três anos do curso de Dança e de Teatro pois as aulas acontecem concomitantemente (os dois cursos são noturnos com horário de aulas de 18h às 22h40).

Quanto à opção pela observação como método de pesquisa, é importante lembrar que pelo fato do objeto de estudo ser o corpo, a observação se faz necessária pois “as práticas

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apenas podem ser acessadas por meio da observação, uma vez que as entrevistas e as narrativas somente tornam acessíveis os relatos das práticas e não as próprias práticas” (FLICK, 2009, p. 203). Ainda vale ressaltar que a observação satisfaz as necessidades principais da pesquisa qualitativa enfatizando a relevância da prática manifesta do sujeito e a ausência da necessidade do estabelecimento de pré-categorias para compreender o que se observa (TRIVIÑOS, 1987). A opção específica pela observação não-participante baseia-se na tentativa de, como observadora, não influenciar a prática observada. Porém estou ciente que o ato da observação sempre tem algum grau de influência sobre o observado (FLICK, 2009). Sei que por mais que eu tenha buscado uma postura neutra, minha presença pode ter influenciado, ainda que minimamente, a prática observada.

Alguns ensaios, apresentações de trabalhos e espetáculos foram filmados como material de pesquisa também. Bauer (2007) afirma que “o vídeo tem uma função óbvia de registro de dados sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único observador” (p.149). Caso que, a meu ver, inclui as práticas corporais.

Durante todo o período das observações elaborei um diário de bordo onde tomei nota do que via, ouvia, sentia e pensava. Esse diário se tornou uma importante fonte de dados, pois nele estão impressas as observações a partir do meu ponto de vista. Em minhas anotações busquei “ser eu em cada palavra(...) ser um eu aberto em relação a todas as partículas e pensamentos que correm comigo, ao meu lado, entre mim e o outro. Pensamentos que dialogam com minhas inquietações” (FERRACINI, 2004, p.17). Ao retornar ao diário, durante a escrita da tese, pude rever não apenas minhas anotações descritivas, mas também minhas sensações e reflexões que ali ficaram registradas.

• Entrevistas

Optei pela entrevista semiestruturada pautada no fato dela oferecer um amplo campo de interrogativas que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do entrevistado. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha do seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987). Outra vantagem da entrevista semiestruturada é que parece existir uma relação entre o grau de liberdade deixado ao entrevistado e o nível de profundidade das informações que ele pode fornecer. A liberdade deixada ao entrevistado facilita a produção de informações sintomáticas que correriam o risco de serem censuradas num outro tipo de entrevista. (MICHELAT, 1980).

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Como não seria possível – nem tampouco necessário - entrevistar todos os professores e estudantes, me pautei em alguns critérios para realizar os convites. No curso de Teatro convidei primeiramente os cinco professores cujas aulas eu havia acompanhado. Apenas um não pode participar devido a indisponibilidade de agenda. Em seguida convidei os dois diretores responsáveis pelas montagens dos espetáculos de formatura daquele ano. Um é professor da escola e o outro, ex-aluno. Por último entrevistei um professor que participou da criação do CEFAR tendo sido o primeiro coordenador da escola de Teatro. No curso de dança convidei duas professoras de técnica clássica, um professor de dança contemporânea (que também trabalha no curso de teatro), uma professora de dança contemporânea e composição coreográfica, uma professora de danças populares10 e as duas coreógrafas convidadas (uma é ex-aluna da escola). Todos aceitaram o convite.

No caso dos estudantes, fiz o convite em aberto para todas as turmas deixando que os interessados se manifestassem através de uma ficha onde colocavam seus dados para contato e disponibilidade de horário. Como acompanhei as aulas por um tempo razoável, eu já sabia quais eram os alunos que se expressavam mais, que exerciam algum tipo de liderança em suas turmas, dentre outras características pessoais. Porém fiz questão de não os selecionar acreditando que assim estaria dando espaço para que todos os interessados tivessem a chance de participar.

O número de interessados foi muito maior do que minha expectativa, o que interpretei positivamente pois me pareceu que eles queriam ser ouvidos. Demonstraram interesse em participar 20 estudantes da escola de teatro e 13 da escola de dança. Por uma questão de compatibilidade de horários foi possível realizar a entrevista com 7 estudantes de teatro e 6 de dança11.

Ao todo entrevistei 29 pessoas12 o que considero um número bastante alto para uma pesquisa qualitativa pois sei que “o importante é explorar ao máximo a riqueza de cada depoimento e não a quantidade deles” (DEMARTINI, 1992, p. 255). Porém, considerei fundamental realizar as entrevistas com os professores que observei e com os estudantes que se dispuseram pois só assim pude esclarecer e aprofundar elementos levantados durante o período de observação.

10 Por motivo de problemas técnicos com a gravação, a entrevista com essa professora não foi utilizada.

11 Por motivo de problemas técnicos com a gravação, a entrevista com um dos alunos de Dança não foi utilizada.

12Com relação aos aspectos éticos da pesquisa, todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido, onde consta autorização para revelação de identidade. As informações pessoais dos entrevistados

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As entrevistas foram realizadas em sua maioria nas dependências do CEFAR, com exceção de quatro professores que optaram por realizá-la em suas próprias casas e uma professora que preferiu me encontrar em um outro local onde trabalhava. Em todos os locais busquei uma área tranquila e reservada para que o entrevistado pudesse se sentir à vontade e onde fosse possível fazer a gravação sonora da entrevista.

A utilização do gravador facilita a captação das informações pois “este mecanismo permite apanhar com fidelidade os monólogos do informante, ou o diálogo entre informante e pesquisador, guardando-os em seguida por um longo tempo” (PEREIRA DE QUEIROZ, 1983, p. 45). Porém, este tipo de gravação não registra uma importante gama de manifestações como as expressões faciais, os gestos, as mudanças de postura e de tom de voz, dentre outras manifestações não-verbais. Ciente dessa fragilidade da técnica utilizada, procurei estar atenta às manifestações corporais dos entrevistados, tomando nota sempre que possível.

Cada entrevista13 foi realizada de forma individual em horários previamente

agendados com os entrevistados. A duração variou bastante pois por se tratar de um modo de entrevista onde o entrevistado tem a liberdade da palavra e a disponibilidade do tempo que considerar necessário para elaborar seu pensamento, o tempo de duração varia de acordo com sua história de vida, suas características pessoais, seu envolvimento com o tema, dentre outros fatores individuais. Também foi dada liberdade para que os entrevistados trouxessem novas questões para a conversa. Muitos trouxeram assuntos bastante pessoais o que considerei a priori positivo pois interpretei como uma forma de demonstrarem que estavam seguros e bastante à vontade.

(...) ao mesmo tempo em que coleta informações, o pesquisador oferece ao seu interlocutor a oportunidade de refletir sobre si mesmo, de refazer seu percurso biográfico, pensar sobre sua cultura, seus valores, a história e as marcas que constituem o grupo social ao qual pertence, as tradições de sua comunidade e de seu povo. Quando realizamos uma entrevista, atuamos como mediadores para o sujeito apreender sua própria situação de outro ângulo, conduzimos o outro a se voltar sobre si próprio; incitamo-lo a procurar relações e a organizá-las. Fornecendo-nos matéria-prima para nossas pesquisas, nossos informantes estão também refletindo sobre suas próprias vidas e dando um novo sentido a elas. (DUARTE, 2004, p.220).

Todas as entrevistas foram transcritas por mim pois compartilho com a ideia de Pereira de Queiroz (1983, p. 83) quando afirma que “a transcrição efetuada pelo próprio pesquisador tem, também, o valor de uma primeira reflexão sua sobre a experiência de que partilhou, e que ele cria uma segunda vez ao escutar a fita”. Ouvir as entrevistas durante as transcrições trazia sempre a memória de algum gesto ou movimento realizado pelo entrevistado.

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• Análise do material

Após a transcrição de todas as entrevistas – o que durou aproximadamente um ano e produziu cento e oitenta páginas de material - veio a fase de análise. Considero importante salientar que análise aqui é entendida em um sentido mais amplo, o qual inclui a interpretação dos dados da pesquisa em toda a sua completude. Foi preciso apurar o olhar e ter muita sensibilidade (ainda que amparada pela teoria) para fugir das generalizações e dos julgamentos e conseguir me aproximar ao máximo de cada microuniverso apresentado pelos entrevistados. Busquei, a partir da análise de todo o material (entrevistas e observações), interpretar o que estava por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que estava sendo comunicado (GOMES,1994).

Em diversos momentos me senti bastante perdida em meio à grande quantidade de material que eu tinha para analisar. Precisei buscar o “fio de Ariadne” para encontrar a saída do labirinto. A saída encontrada foi trabalhar com eixos temáticos articulados aos objetivos centrais da pesquisa (DUARTE, 2004). Assim defini alguns eixos principais (Corpo, Técnica, Expressão, Dança/Teatro, Ensino e CEFAR) e fui retirando das entrevistas as informações relacionadas a cada um dos temas. Criei ainda uma espécie de “eixo extra” que denominei “Interessante” onde eu colocava todas as informações que por algum motivo me chamavam a atenção, mas não se relacionavam diretamente a nenhum dos outros temas.

Em uma próxima etapa voltei ao material criando, dentro de cada tema, grupos organizados de acordo com as funções dos entrevistados no CEFAR. Ou seja: professores da escola de Teatro; professores da escola de Dança; estudantes da escola de Teatro; estudantes da escola de Dança. Nessa fase me interessava entender as similaridades e divergências sobre os temas dentre os que praticam dança e os que praticam teatro.

A escrita da tese, a partir desses temas, não foi tão simples quanto eu imaginava, pois para mim os eixos sempre estiveram muito interligados. Muitas vezes, ao falar de corpo cênico, o discurso vinha carregado de informações sobre ensino de dança (ou de teatro); em outras, ao descrever determinada ação pedagógica, um professor se utilizava de questões relacionadas a uma técnica específica. A minha vontade era, cada vez mais, criar uma tese em espiral onde os temas estivessem interligados e, a cada vez que passássemos por cada tema, conseguíssemos entendê-lo com mais profundidade. Não sendo possível desenvolver essa ideia em um material que se apresente na estrutura linear de um texto, como estamos acostumados a conceber uma tese, aceitei a ideia dos capítulos.

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Os eixos Técnica e Expressão foram incorporados ao eixo Corpo que se tornou um capítulo. Os outros três eixos (CEFAR, Dança/Teatro e Ensino) foram temas para os outros três capítulos. É verdade que muitas informações sobre o CEFAR são também apresentadas e discutidas nos outros capítulos, visto que ele é o cenário onde a pesquisa se desenvolveu. O eixo extra “Interessante” também atravessa todos os capítulos.

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Informações pessoais dos entrevistados Corpo Docente – Escola de Teatro

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Ângela Mourão 59 Professora de Expressão Corporal no curso de Teatro

Bacharel em Psicologia

Gilberto Amancio 59 Professor de Som e Movimento no curso de Teatro

Graduação em História Incompleta

Lenine Martins Alves 41 Professor de Interpretação no curso de Teatro

Técnico em Química Letícia de Freitas Castilho 42 Coordenadora do curso de

Teatro

Licenciada em Teatro – Mestrado em Artes incompleto

Lúcia Ferreira 53 Professora de Expressão Corporal no curso de Teatro

Licenciada em História e Especialista em Gestão Cultural Luiz Carlos Garrocho 59 Professor de Interpretação

no curso de Teatro

Bacharel em Filosofia e doutorando em Artes

Paulo José Buarque 61 Professor de Dança Contemporânea nos cursos de Dança e Teatro

Ensino médio completo

Walmir José Ferreira de Carvalho

66 Professor do curso de Teatro

Graduação em Direção Teatral

Corpo Docente – Escola de Dança

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Cristiana Menezes 50 Professora de Técnica Clássica no curso de Dança

Licenciada em Música Joana Ladeira Wanner 36 Coordenadora do curso de

Dança

Bacharel em Direito Maria Clara Salles 67 Professora de Técnica

Clássica no curso de Dança

Licenciada em Pedagogia Marise Dinis Sousa 46 Professora de Dança

Contemporânea e

Composição Coreográfica no curso de Dança

Bacharel em Psicologia

Paulo José Buarque 61 Professor de Dança Contemporânea nos cursos de Dança e Teatro

Ensino médio completo

Profissionais convidados

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Aretha Maciel Barbosa* 32 Coreógrafa convidada Ensino médio completo

Joelma Barros Rocha 35 Coreógrafa convidada Cursando graduação em Pedagogia

Odilon Esteves* 36 Diretor teatral convidado Licenciado em Teatro

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Corpo Discente – Escola de Teatro

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Diego Ferreira da Silva 25 Aluno do 2º ano do curso de Teatro

Ensino médio completo Éder Augusto Reis 30 Aluno do 2º ano do curso

de Teatro

Bacharel em Comunicação Erika Rohles Paiva 18 Aluna do 1º ano do curso

de Teatro

Ensino médio completo Gabriela Fernandes

Ferreira

17 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Cursando graduação em Odontologia

Luciano Magno de Macedo

25 Aluno do 3º ano do curso de Teatro

Ensino médio completo Luiza Rodrigues dos

Santos14

19 Aluna do 1º ano do curso de Teatro

Cursando graduação em Direito Priscilla Monteiro Daniel 22 Aluna do 1º ano do curso

de Teatro

Cursando graduação em Educação Física

Corpo Discente – Escola de Dança

NOME IDADE FUNÇÃO no CEFAR GRAU DE INSTRUÇÃO

Bárbara Andrade de Santana

17 Aluna do 3º ano do curso de Dança

Cursando graduação em Educação Física

Carolina de Souza Nogueira

17 Aluna do 1º ano do curso de Dança

Cursando 3º ano do Ensino Médio Elisa Cristina Crespo

Wenceslau

16 Aluna do 2º ano do curso de Dança

Cursando 2º ano do Ensino Médio Júlia Vieira Alves 18 Aluna do 1º ano do curso

de Dança

Ensino médio completo Mateus Alves Passos 22 Aluno do 1º ano do curso

de Dança

Graduação em Dança Incompleta

14 Luiza passou recentemente por um processo de mudança de gênero utilizando, hoje, o nome Lui Rodrigues. Pelo

fato da pesquisa ter sido realizada em 2014 e, portanto, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido constar o nome feminino, esse será mantido em suas declarações presentes no corpo da tese.

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Desde muito pequena sua filha lhe pedia para fazer ballet, mas ela sempre adiava pensando que era apenas uma vontade de fazer parte do universo ao qual a mãe pertencia. Ela procurou oferecer outras atividades corporais e artísticas, mas a insistência continuava. Decidida a atender a vontade da filha, ela foi pesquisar sobre as escolas de dança de Belo Horizonte e foi assim que descobriu o CEFAR (Centro de Formação Artística). Trata-se de uma escola de arte mantida por uma fundação estadual que oferece cursos básicos e profissionalizantes nas áreas de dança, teatro e música.

Em 2002, sua filha começou a frequentar a escola e ela a conhecer melhor todo o espaço do Palácio das Artes onde o CEFAR está localizado. No final do ano foi aberto concurso para a designação de novos professores e ela resolveu se inscrever para professora de técnica clássica. Foi aprovada e em 2003 começou a trabalhar com a turma do Preliminar (crianças de 8 e 9 anos). Já fazia algum tempo que não trabalhava diretamente com o ballet clássico, mas era algo que sentia tão incorporado que não haveria grandes dificuldades. Realmente em termos técnicos não houve nenhuma dificuldade. Mas foram muitas as dificuldades em termos didáticos, metodológicos e até filosóficos! A filosofia da escola ia de encontro com o que ela acreditava ser o mais importante para trabalhar com uma criança na iniciação à dança. A escola exigia resultados técnicos enquanto ela considerava que o prazer de dançar, de criar, de descobrir as potencialidades do próprio corpo eram mais importantes naquela idade.

Estava claro que ali não era seu lugar. No final do ano a coordenadora da escola a convidou para elaborar uma disciplina para o curso profissionalizante. Havia uma demanda por parte das alunas de uma disciplina que as preparasse para serem professoras. Apesar do curso na época formar “bailarino/a para corpo de baile” muitas delas já lecionavam e a maioria sabia que inevitavelmente faria isso em algum momento de suas vidas. Assim nasceu a disciplina “Metodologia para o Ensino de Dança” oferecida para os alunos do 3º (e último) ano do curso profissionalizante de dança. Agora sim ela tinha encontrado o seu lugar!

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Em novembro de 2013, ela deu início à sua pesquisa de campo de doutorado, o que fez com que voltasse a frequentar o CEFAR diariamente. Um espaço que ela havia frequentado por tantos anos como mãe de aluna e professora, agora se revelava sob uma nova perspectiva: a de pesquisadora. Novos olhares, novos espaços, novas descobertas que começavam a ser desvelados.

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1. Meu quintal é do tamanho do mundo...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque sou do tamanho do que vejo, E não do tamanho de minha altura... (Alberto Caeiro) Entender um pedaço como parte do todo. Compreender que o que encontro ali – naquele quintal – reflete o que acontece em tantos outros quintais. Enxergar além daqueles jardins e perceber que as histórias que ali conheci contam tanto sobre outras tantas histórias vividas longe dali.

Naquele quintal “brincaram” alguns nomes que ajudaram a construir a história da dança e do teatro em Belo Horizonte. Alguns deixaram suas marcas e de lá foram brincar em outros quintais pelo mundo. Outros continuam por ali, brincando e escrevendo a história daquele lugar.

Por isso, ao falar sobre o CEFAR – sua história, sua organização, seus cursos – pretendo dar voz aos que habitaram aquele lugar. Trazer à tona a fala de seus estudantes, professores e coordenadoras ajuda a compreender que a instituição é resultante da ação humana e não algo estanque e sem vida.

Assim, neste capítulo, eu busco apresentar a história do CEFAR, mesclando informações de diferentes fontes bibliográficas (livros, materiais de divulgação e sites) com trechos das entrevistas realizadas durante a pesquisa. A minha intenção é produzir uma espécie de tensão entre a história contada nos livros e as memórias dos que ali viveram. Entrelaçar os diversos fios que ajudam a reconstruir essa história.

Trata-se de um capítulo de caráter mais informativo visto que alguns assuntos que surgem aqui, serão discutidos e aprofundados nos capítulos seguintes. Nesse momento o mais importante é que o leitor adentre esse “quintal” e possa, então, se sentir em casa!

1.1 Era uma vez um palácio modernista...

Para entender a história do CEFAR é necessário começar pela história do Palácio das Artes15, instituição que o abriga. Localizado na região central de Belo Horizonte, o Palácio

15 O Palácio das Artes é composto pelo Centro de Artesanato Mineiro; Grande Teatro; Teatro de Arena João

Ceschiatti; Sala Juvenal Dias; três galerias (Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard; Galeria Genesco Murta e Sala Arlinda Corrêa Lima); Cine Humberto Mauro; Espaço Maristella Tristão; Jardins Internos e Jardins do Parque; uma cafeteria; uma livraria; biblioteca; prédio da Administração e o Centro de Formação Artística (CEFAR) com suas escolas de música, teatro e dança. Abriga ainda a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, a Companhia de Dança do Palácio das Artes e o Coral Lírico de Minas Gerais. Fonte: site da Fundação Clóvis Salgado e o livro O Palácio das Artes é muito mais do que um grande teatro (FCS, 1998).

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das Artes é um complexo cultural que ocupa uma área de 18 mil metros quadrados e está cercado por uma grande área verde que pertence ao Parque Municipal Américo Renné Giannetti.

Em suas origens, o Palácio das Artes foi planejado para ocupar a posição do Teatro Municipal de Belo Horizonte, o qual havia sido construído em 1909, mas no final da década de 1930 encontrava-se em um processo de envelhecimento precoce (REIS e AVELLAR, 2006).

(...) O Teatro Municipal, marco de nossa história, selo da vida intelectual da cidade, encontrava-se em um processo de envelhecimento precoce, resultado das inferências de progresso que o próprio Teatro ajudou a construir. (O Palácio das Artes, 1971). Dessa forma, em 1941, o então prefeito Juscelino Kubitschek, inspirado na ideia da construção de um novo teatro municipal, encomendou um projeto de teatro ao arquiteto Oscar Niemeyer.

Ao falar de Belo Horizonte da década de 1940, não há como deixar de fazer referência à atuação de Juscelino Kubitschek como prefeito. A construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, o início das obras do Teatro Municipal, o convite a Guignard para dirigir a Escolinha do Parque, a exposição de arte moderna na cidade em 1944 são apenas alguns exemplos do processo de construção do pensamento moderno que começara a ganhar impulso na capital mineira (REIS, 2010, p. 37). Apesar de todo o entusiasmo de Kubitschek, a construção do novo Teatro Municipal foi se arrastando por mais de duas décadas. Em meados da década de 1960, o estado de Minas Gerais assumiu a obra e criou a Comissão Especial do Palácio das Artes (CEPA), destinada a promover todos os atos relacionados com a retomada e o prosseguimento das obras. Neste momento, o teatro inicialmente idealizado para ser apenas uma casa de espetáculos, passa a ser o projeto de um centro de produção cultural (REIS e AVELLAR, 2006).

Um fato de grande importância para a área da dança na cidade ocorreu em 1966 quando o professor Carlos Leite16, então diretor do Ballet Minas Gerais17, foi convidado para trabalhar no local das obras do futuro Palácio das Artes.

As condições de trabalho eram péssimas, as dificuldades imensas, o chão não era apropriado, não havia instalações sanitárias próximas do local das aulas, mas mesmo assim o Ballet Minas Gerais passou a ocupar oficialmente o prédio inacabado da futura casa de espetáculos (REIS, 2010, p. 45)

16 Carlos Leite (1914-1995) foi bailarino, coreógrafo e professor de dança clássica. Teve grande influência na

dança clássica de Minas Gerais pois ao se instalar em Belo Horizonte em 1948, criou a primeira escola de dança da cidade. Alguns anos mais tarde criou também o primeiro grupo profissional de dança da capital mineira. Para mais informações sobre sua biografia vide Reis (2010).

17 O Ballet Minas Gerais foi criado em 1951 pelo professor Carlos Leite. Primeiro grupo profissional da cidade

teve grande importância na divulgação da dança clássica não só na cidade de Belo Horizonte como em todo o estado de Minas Gerais (REIS, 2010).

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Em 1970, foi criada a Fundação Palácio das Artes que seria a responsável pela administração do complexo cultural18. No ano seguinte ocorreu a inauguração do Grande Teatro e a partir de então o grupo do professor Carlos Leite adquiriu o status de Corpo de Baile da Fundação Palácio das Artes. Em 1972, foi criada a Escola de Dança da Fundação com a finalidade de formar profissionais habilitados para o Corpo de Baile. A partir de então Carlos Leite tornou-se professor e coordenador da escola de dança, assim como maître e diretor do Corpo de Baile19 (REIS, 2010; REIS e AVELLAR, 2006).

A implantação oficial do corpo de baile aconteceu em 1973, quando os bailarinos prestaram concurso público e Carlos Leite foi designado para o cargo de Diretor da Companhia de Dança da Fundação Palácio das Artes. Surgia, então, a primeira companhia de dança profissional de Minas Gerais e, com ela, o cargo público estadual de bailarino. (CHRISTÓFARO, 2010, pp.32-33)

Em 1976, a Schola Cantorum que também havia sido criada dentro do Palácio das Artes quatro anos antes, passou a oferecer cursos para a formação de instrumentistas e, em 1979, foi nomeada Escola de Música. Um pouco mais tarde, a elas juntou-se um curso livre de teatro (REIS e AVELLAR, 2006).

Sobre o curso livre de teatro, nos conta o professor Walmir José em sua entrevista:

Existia uma escola livre de teatro pela qual passaram vários atores. Mas era mais uma sequência de oficinas que se trabalhava lá. Formou algumas pessoas, mas era uma escola muito incipiente. Essa escola começou no princípio dos anos 70, não sei ao certo que ano. Foi logo no princípio do Palácio das Artes mesmo. Mas ela não tinha relevância para a cidade. (...) ela nunca foi uma escola de valor. Então quando se decidiu por essa criação do CEFAR, essa escola foi desfeita. Ela tinha poucos alunos. Não era uma escola com corpo docente contratado, os contratos eram temporários. Não tinha uma organização escolar. Era quase algo que se chamava escola, mas que ministrava mais oficinas de acordo com as turmas. Não chegou a ter importância para a cidade. E quando ela foi desfeita, ninguém sentiu falta, não teve nenhum protesto. Ela já não tinha força em si mesma. Era uma coisa encrustada ali atrás do Palácio das Artes, nos porões. Não tinha a mesma importância da escola de dança nem da escola de música.

1.2 A criação do CEFAR

No dia 5 de dezembro de 1986 foi criado oficialmente o Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado. De acordo com o depoimento do professor Walmir José,

18 Em 1978 a Fundação Palácio das Artes passa a chamar Fundação Clóvis Salgado. Entidade jurídica responsável

por administrar o Palácio das Artes, hoje ela ampliou seu escopo de atuação e é responsável por gerir, além do Palácio das Artes e seus Corpos Artísticos, o CEFAR, a Serraria Souza Pinto, o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia e o Centro Técnico de Produção. Fonte: www.fcs.mg.gov.br/fundacao/historia/

19 Em virtude de desacordos com a direção da Fundação, Carlos Leite foi obrigado a se aposentar em 1986 (Reis,

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primeiro coordenador do curso de teatro, a criação de uma escola de arte pública era um desejo da classe artística.

A gente [SATED20] realizava vários seminários para organização da classe, discussão de espaço, de financiamento. Formação e tudo. E em um desses seminários que a gente fez lá em Cachoeira do Campo, em 1985, a categoria pediu que o estado de Minas Gerais criasse uma escola de teatro e de dança. Do seminário foi tirada essa decisão em 85. O estado se comprometeu através da Fundação Clóvis Salgado e do secretário de cultura e, em 1986, foi criado o Centro de Formação Artística do Palácio das Artes – CEFAR (Walmir José).

Tal criação se deu por meio de uma portaria da Secretaria de Estado da Educação que autorizava o funcionamento dos cursos técnicos de dança, música e teatro, nos termos da legislação que regia o ensino suplementar. Desta forma foram unificadas as três escolas livres que já existiam: Escola de Dança, Schola Cantorum e o Curso Livre de Teatro.

A primeira diretora do CEFAR foi uma professora que deu um suporte, ela era da educação e deu um suporte para a gente na organização do CEFAR. Ela chamava Albertina Salazar. Eu fiquei como coordenador da área de teatro, a Helena Vasconcelos como coordenadora da área de dança e o Domingos Sávio Luís Brandão ficou como coordenador da área de música (Walmir José).

Sobre o contexto político que envolve a fundação da escola, apontam Reis e Avellar (2006, p. 116): “é difícil separar o processo que conduz à fundação do CEFAR da euforia política do período de redemocratização do Brasil, em meados dos anos 80”.

Administrativamente o CEFAR possui uma situação institucional bastante singular. Ele integra a Diretoria de Ensino e Extensão da Fundação Clóvis Salgado, se submetendo, portanto, às suas normas internas. Com relação às questões pedagógicas, seus cursos profissionalizantes, de acordo com as leis vigentes brasileiras, submetem-se à autoridade da Secretaria de Estado da Educação e do Conselho Estadual de Educação. Ou seja, oficialmente trata-se de uma escola de ensino suplementar em nível médio mantida pelo estado, mas tecnicamente não integra o sistema estadual de ensino. De acordo com Avelar e Reis (2006) os cursos profissionalizantes do CEFAR abrem caminhos para se pensar no ensino de arte em Minas Gerais no que tange à articulação entre os conhecimentos prático e teórico e à regulamentação estatal de um programa de ensino dentro de uma instituição inserida no setor das artes, e não da educação.

Na cidade de Belo Horizonte o CEFAR é a única instituição que oferece curso técnico profissionalizante de Dança. Já o curso técnico de Teatro é oferecido também por outras

Referências

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