• Nenhum resultado encontrado

1. Meu quintal é do tamanho do mundo

1.3 A organização escolar do CEFAR

1.3.3 O corpo discente

Em 2014 o CEFAR tinha um corpo discente de nível técnico profissionalizante formado por 82 estudantes sendo 28 no curso de dança e 54 no curso de teatro. Com idades e formações escolares variadas (conforme mostra o quadro apresentado na página 34), os motivos

que trouxeram esses estudantes ao CEFAR também variam bastante. Na escola de dança, em que muitos alunos começam no curso básico e seguem até o profissionalizante, muitas vezes a escolha da escola foi feita pelos pais (na maioria dos casos pela mãe), como contam duas alunas em seus depoimentos:

Foi minha mãe. Eu não lembro direito. Eu fazia ginástica rítmica mas resolvi que queria parar e queria dançar. Daí minha mãe foi procurar uma escola. Ela descobriu que tinha a escola do Palácio das Artes e resolveu me por aqui (Carolina Nogueira).

Minha mãe trabalha na prefeitura e teve um ano que no dia das mães trouxeram as mães aqui para assistir uma apresentação. Eu já falava muito que queria fazer ballet. Ela achou a apresentação muito legal, gostou muito então ao final foi conversar com a diretora para saber como era para estudar aqui (Bárbara Andrade).

São poucos os casos como o da Aretha Maciel (ex-aluna da escola de dança que trabalhou como coreógrafa convidada durante o período da pesquisa) que tomou a decisão de entrar no curso profissionalizante já mais velha e buscou sozinha se preparar para o processo de seleção:

Aí eu fiquei um mês no Cristina Helena [academia de dança], fazendo aula para tentar a prova para o Cefar. Porque tinha que fazer ponta e eu não tinha noção. Então eu forcei copiar os movimentos para vir fazer a prova.

Casos como o dela são mais comuns na escola de teatro, em que normalmente os alunos entram um pouco mais velhos e por vontade própria:

E outra coisa também que foi aumentando o desejo de vir para cá, era a partir do momento que eu ia vendo coisas de grupos que foram formados aqui, de atores que foram formados aqui. Eram trabalhos que me chamavam muita atenção. Na minha concepção de ator completo, eu tinha que passar por aqui. (...) eu achava que se eu não passasse por aqui eu não ia conseguir meu objetivo. Custei mas vim para cá! (Diego Ferreira).

Eu ficava encantado com a ideia de estudar no palácio. A ideia de estudar aqui era me preparar para trabalhar com qualquer coisa como ator. Enquanto ator eu ia me garantir. (...) se eu estou em uma das melhores escolas de teatro de Belo Horizonte, então é para valer! A minha ideia era que aqui me daria uma base muito grande (Luciano Magno).

O meu desejo, talvez seja um pouco pelo fato da época que eu estudava lá no SESC e aqui [CEFAR] era o lugar de que eu mais ouvia falar (Éder Reis).

Eu acredito que o desejo que move a busca pela escola pode ter uma grande influência durante o processo de formação. Parece que o fato de decidir autonomamente estar lá faz com que esses estudantes tenham mais consciência e participem mais ativamente de seu processo de formação.

De qualquer forma, um elemento que caracteriza o corpo discente do CEFAR como um todo, é a carga horária intensa que eles vivenciam diariamente. Na opinião da professora Marise Dinis, esse seria um diferencial da escola:

Eu acho que o diferente é que são pessoas que estão num processo de imersão muito grande, no CEFAR as pessoas estão em formação em um processo intensivo. Eu acho que isso é muito interessante.

O professor Walmir José, que acompanha a escola desde a sua criação, também traz questões bastante interessantes quanto às mudanças do perfil dos estudantes da escola de teatro:

As primeiras turmas eram turmas mais velhas. Eu acho que até por uma questão cultural. Naqueles anos 80 fazer teatro ainda era mal visto. Então as pessoas precisavam ter uma certa independência para poder fazer teatro. Com o passar do tempo fazer teatro foi sendo ligado ao fazer televisão, ao ator, atriz, ao dinheiro... Então hoje é muito natural que os pais aceitem. A outra coisa é aquele preconceito relativo ao homossexualismo que era uma coisa muito comum das pessoas apontarem nas artes em geral. Então ao longo do tempo também isso deixou de ser um tabu. O filho andar com um garoto que é homossexual já não assusta os pais. Então essas coisas ajudaram. De outro lado ajudou também uma certa independência financeira. De uns 15 anos para cá as famílias têm um pouco mais de recursos. Agora os alunos conquistaram a gratuidade do curso, não tem mais que pagar mensalidade. Então tem um conjunto de coisas que vão fazendo com que essa faixa etária baixe. Mas ao mesmo tempo tem um grupo mais velho, que já está na universidade ou já se formou e que resolveu fazer o curso também. Se a gente olhar as turmas todas, eles vão estar numa faixa de um pouco mais de 20 anos. Agora teve uma mudança muito forte. Os negros hoje têm uma presença muito mais importante dentro do teatro e dentro da música também. Há uns anos atrás a gente só via os meninos e meninas branquinhos de cabelos lisinhos. Houve uma mudança no país. Uma apropriação de classe e de cor da pele. A gente teve várias vezes muitas turmas que não tinham um negro. Ano passado eu estava olhando os candidatos fazendo a prova de português e tinha meio a meio de candidatos negros e brancos. Passaram muito mais brancos. Ainda tem um déficit da escola básica e a prova sendo de redação acaba eliminando mais negros do que brancos. Essa turma que estou agora, uma turma de vinte, deve ter uns seis negros. Isso já é uma modificação muito profunda. Na primeira turma só tinha um negro. Dos quarenta, só um negro.

Uma informação relevante, lembrada pelo professor Paulo Buarque e que está relacionada com algumas questões apresentadas na fala acima, é o fato do CEFAR atingir um público de regiões mais afastadas do centro da capital. Para ele“esse é o grande trunfo dessa

escola”.

Um fato bastante marcante que também chama a atenção nos depoimentos dos estudantes é a relação de carinho que eles estabelecem com a escola. Principalmente no caso do curso de Dança, em que grande parte dos alunos estudam lá desde o curso básico, o CEFAR

faz parte da rotina diária desses estudantes por muitos anos: “eu entrei com 8 anos e estou aqui

até hoje. Esse é o 8º ano que eu estou aqui” (Elisa Crespo, aluna do 2º ano de dança). O professor Paulo Buarque conta que:

Houve épocas aqui no CEFAR que os formandos se sentiam castigados por estar formando. Formados não podem fazer aula aqui na escola, é um quesito. Eles tinham a sensação de estarem sendo penalizados por estar se formando, choravam. E não sabiam se iam encontrar alguma coisa lá fora!