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1. Meu quintal é do tamanho do mundo

1.3 A organização escolar do CEFAR

1.3.5 A integração entre as escolas

Desde sua criação, o CEFAR sempre abrigou três escolas: a de música, a de dança e a de teatro. A ideia de uni-las em um centro de formação artística pode dar a entender que se pensava em algum tipo de integração entre as mesmas. Porém, na prática, não é isso o que acontece:

Eu acho que o CEFAR tem uma coisa assim: cada macaco no seu galho! É como se fossem três escolas e não uma escola. Elas ocupam o mesmo espaço mas parece que gostariam que cada uma tivesse seu espaço e que nem se tocassem. Eu acho que é muito pobre o encontro que dá entre teatro, dança e música lá. E infelizmente isso não progride. O que a gente vê é muito mais disputa de espaço do que divisão de espaço e atravessamentos, trabalhos juntos. Isso eu acho que empobrece muito a escola. (...) seria muito bom artisticamente se essas escolas pudessem ter reais atravessamentos. E olha que são três escolas só! (Walmir José).

(...) os alunos do teatro não têm aula de canto, não têm aula de instrumento! Tem essa estrutura toda aqui, tem os instrumentos, os professores... A gente consegue fazer poucas ações integradas. Podia ser muito mais! Mesmo na dança. É um pouquinho mais, mas pouco. De vez em quando tem alguma cooperação com a escola de música. Eu mesma dirigi o espetáculo de formatura da música no ano passado. Tem um pouco essa interação, mas eu acho até que podia ter mais (Ângela Mourão).

É interessante que a maioria dos professores critica o fato da integração entre as escolas não acontecer e fala da ideia como algo positivo, mas ao mesmo tempo não propõe nenhum tipo de atividade para que a relação aconteça. A professora Cristiana Menezes aponta alguns motivos que dificultam essa integração:

Entre os professores acontece menos [integração] por questões práticas. A gente não se encontra. Hoje ninguém tem tempo para nada. Cada um vai lá só no seu horário de aula. É todo mundo muito mal pago. A realidade da educação! Você tem que abrir várias fontes de trabalho para poder sobreviver. Eu acho que isso é um empecilho enorme!

Para a professora Lúcia Ferreira, além dos entraves de tempo e excesso de trabalho apontados por Cristiana, a precariedade do espaço é uma das maiores dificuldades para que a integração aconteça hoje em dia:

(...) eu acho que se a gente tivesse um espaço físico diferente, eu acho que proporcionaria uma integração muito maior. A gente carece de espaço físico. E a forma como as salas estão, a gente foi se ajeitando por aqui, o Palácio não foi concebido para ter uma escola tão grande. Isso ampliou de uma forma muito bacana por um lado, mas limitou a gente. Porque os espaços foram ficando improvisados demais. Tem espaço inadequado para aula de corpo no teatro, por exemplo. Eu gostaria e acredito que a gente poderia ter uma integração ainda muito maior. Eu acho que isso é um desejo. Eu sempre desejei isso.

Independentemente de haver propostas por parte dos professores – ainda que para isso haja várias justificativas -, de alguma forma, alguma integração acaba acontecendo entre os alunos. Muitos deles relataram a vontade de que haja mais interação e as iniciativas que eles tomam como, por exemplo, convidar estudantes de música para compor especialmente para coreografias ou cenas teatrais. Essa interação por parte dos alunos é vista de forma muito positiva pelo ex-aluno da escola, Odilon Esteves, que na época da pesquisa estava trabalhando como diretor teatral da montagem do espetáculo de formatura. Em suas palavras:

Eu acho que tem uma riqueza no CEFAR que não tem a ver exatamente com a estrutura do curso (...) é uma escola que mistura os alunos da música com os do teatro e da dança. Eles estão de alguma maneira usando o mesmo espaço. Então eles acabam se relacionando de alguma maneira. Eu acho que é claro que essa relação poderia ser um pouco mais aprofundada. Eles podiam ter algum espaço de uma troca mais efetiva para que o teatro influenciasse mais a dança, a dança a música, a música o teatro e todo mundo se influenciasse mutuamente. Mas só de coabitarem o mesmo espaço, eu acho que alguma coisa acontece. Acaba acontecendo. (...) quanto mais pudesse existir espaço de convergência, de mistura, de troca... Isso é sempre muito rico!

Existe ainda o que podemos chamar de “integração informal” que acontece nos corredores da instituição. Tanto em função da movimentação dos alunos em direção às suas salas de aula, quanto destes com os artistas dos corpos estáveis da fundação e de artistas de diferentes áreas que vêm para se apresentar no Grande Teatro.

Esse contato artístico é muito bom. As nossas aulas são atrás do Grande Teatro. Isso tem uma certa diferença porque você está ensaiando e o pessoal está lá no palco ensaiando também. Tem uma troca artística que dá um crescimento. Até cultural (Gabriela Fernandes).

Eu acho que o legal daqui é justamente esse contato que a gente tem com as outras áreas. Se você se propõe, é um contato direto que você tem com as pessoas das outras áreas que podem gerar pesquisa. Eu agora estou com uma pesquisa na música justamente por conhecer pessoas da música. (...) a gente tem essa coisa de corredor, de ver essas pessoas, de estar dentro da Fundação. Não é o melhor espaço físico em termos de salas mas você ter esse contato com a Orquestra, essa vivência... (Diego Ferreira).

A única proposta oficial de integração entre as escolas é o CefarConcerto. Trata-se de um espetáculo anual que engloba cenas teatrais, coreográficas e apresentações musicais. É

sempre temático e os trabalhos a serem apresentados passam por uma seleção prévia e, após selecionados, são dirigidos (e muitas vezes modificados) pela diretora artística. Uma aluna de dança narrou sua experiência neste evento de forma bastante positiva:

(...) sempre que acontece esse intercâmbio – geralmente é no CefarConcerto – a gente cresce muito. Uma coisa que aconteceu comigo foi que eu apresentei um solo contemporâneo e teve uma menina do teatro que apresentou um monólogo. Aí a Patrícia Avelar [diretora artística] juntou nós duas com dois meninos do teatro também. Aí eu tive aula com um professor do teatro porque tinha uma hora que eu tinha que falar (Bárbara Andrade).

Já alguns alunos do teatro disseram que sentem que o CefarConcerto é mais um espetáculo de dança com a participação das escolas de teatro e de música do que um espetáculo das três escolas. O que demonstra que a ideia de integração, pelo menos para os alunos, não é tão evidente assim.

Por outro lado, eles mesmos apresentam várias ideias para que essa integração aconteça:

Eu acho que poderiam ser feitas algumas trocas. Tipo oficinas mensais. Coordenadas por um professor mas ministradas por um grupo de alunos, por exemplo. Isso podia ser mensalmente, num sábado, não sei. Eu acho que seria muito interessante (Diego Ferreira).

Eu acho que poderiam ter umas disciplinas juntas. Até porque eu gostaria de fazer aulas de dança. Eu acho que é bom para o ator (Éder Reis).

Eu acho que umas aulas no estilo da Lucinha e do Gil [Expressão Corporal e Som e Movimento] seria legal fazer junto porque tem um conhecimento de teatro e da dança. E mesmo terem aulas uma vez por mês, um aulão, com dois professores – um da dança e um do teatro. Acho que ia ser muito rico (Gabriela Fernandes).

Essa dificuldade de integração é um dos primeiros fatores que contribui para a separação da formação dos aprendizes de dança e de teatro. São duas casas construídas no mesmo “quintal”, mas seus moradores nunca se encontram para “brincar”...

Nota de fim de capítulo:

A regulamentação dos cursos técnicos profissionalizantes

No Brasil, o ensino técnico profissionalizante é regido primeiramente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) pois é parte integrante da educação básica brasileira33. Vinculado à Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica (MEC) conta ainda com legislações específicas como é o caso da resolução CNE/CEB N.º 04/99 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.

Tais diretrizes estabelecem os princípios norteadores da educação profissional determinando que a mesma será organizada por áreas profissionais que incluem as respectivas caracterizações, competências profissionais gerais e cargas horárias mínimas de cada habilitação. É importante ressaltar que tal documento define algumas diretrizes mas respeita a autonomia de cada escola quando, por exemplo, estabelece que as competências específicas de cada habilitação serão definidas pela escola para completar o currículo, em função do perfil profissional almejado. Desde sua publicação em 1999 a resolução N.º 04/99 passou por uma série de modificações. Uma bastante significativa se deu em 9 de julho de 2008 quando foi publicada a Resolução Nº 3, a qual dispunha sobre a instituição e implantação do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (BRASIL, 2008). Tal catálogo organiza os cursos técnicos profissionalizantes em treze eixos tecnológicos (antes eles eram organizados em áreas profissionais). Define ainda a carga horária mínima para cada um dos cursos e apresenta possibilidades de temas a serem abordados, possibilidades de atuação dos profissionais formados e infraestrutura recomendada para a implantação de cada curso.

Nesta primeira versão do Catálogo, os cursos de interesse desta pesquisa (técnico em Dança e técnico em Arte Dramática) estão contidos no eixo “Produção Cultural e Design”. Quanto ao perfil esperado do profissional formado, o técnico em Arte Dramática é aquele que realiza e apoia atividades ligadas à criação em teatro, cinema, áudio e vídeo, podendo atuar como ator, radioator, dublador, dublê, cenotécnico, bonequeiro, contrarregra, assistente de palco e de produção. E o técnico em Dança é o profissional que desenvolve atividades ligadas à criação e execução de dança, atuando como bailarino, dançarino, diretor ou assistente de palco e contrarregra, e domina os diferentes estilos e gêneros de dança34.

Em 05 de dezembro de 2014 foi publicada uma nova resolução – Nº1/2014 – atualizando algumas informações do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (Brasil, 2016). Dentre as atualizações, a nova edição apresenta uma tabela de convergência entre as denominações anteriores e as estabelecidas no novo catálogo, na qual o curso técnico em Arte Dramática passa a ser denominado técnico em Teatro. O catálogo traz ainda uma lista de ocupações associadas à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), normas associadas ao exercício profissional, e possibilidades de certificação intermediária em cursos de qualificação profissional, de formação continuada em cursos de especialização e de verticalização para cursos de graduação no itinerário formativo.

33 Apesar de organizado nacionalmente, esse nível de ensino está vinculado e, portanto, é supervisionado pelas

Secretarias Estaduais de Educação e Conselhos Estaduais de Educação.

Imagens do CEFAR

Vista aérea frontal do Palácio das Artes

Entrada do CEFAR

Vista da passarela que interliga os dois lados do