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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL NÍVEL MESTRADO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL NÍVEL MESTRADO

EVELINE DE MAGALHÃES WERNER RODRIGUES

CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E DIREITO AO MEIO AMBIENTE: DIÁLOGOS EM BUSCA DE UMA PROTEÇÃO JURÍDICA DE

INTEGRIDADE

CUIABÁ 2015

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EVELINE DE MAGALHÃES WERNER RODRIGUES

CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E DIREITO AO MEIO AMBIENTE: DIÁLOGOS EM BUSCA DE UMA PROTEÇÃO JURÍDICA DE INTEGRIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Agroambiental, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Direito.

Orientação: Prof. Dr. Patryck de Araújo Ayala

CUIABÁ 2015

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(5)

Dedico este trabalho:

Aos meus amados pais, inspiração da minha vida;

Ao Fabrício, meu amor e companheiro de sonhos, porque "o seu sorriso é o que eu preciso para abraçar o mundo e muito mais";

E a alguém que, com seu olhar inocente e seu sorriso singelo, me faz ter mais força e vontade para construir um mundo melhor: ao meu querido afilhado, Geraldo Neto.

Pág. Pág.

(6)

Sou grata a Deus por todas as bênçãos que tem me concedido. Agradeço a Ele porque, durante toda a minha vida e especialmente no decorrer da redação desta dissertação, colocou em meu caminho pessoas

maravilhosas, que permitiram que eu

enfrentasse esta jornada com maior

serenidade e segurança.

À minha família – pai, mãe e irmã –, agradeço pelo amor e pelo convívio diário, pela presença nos momentos mais belos e também nos mais difíceis. Meus pais, Inácio e Nildes, serão sempre para mim uma grande referência e uma inesgotável fonte de carinho.

Ao meu esposo Fabrício, por todo o amor, por podermos compartilhar nossos sonhos e por estarmos aprendendo juntos que, na vida, o que vale a pena ser priorizado é o que nos faz felizes. Também porque me apoiou em cada momento desta trajetória no mestrado, desde o processo seletivo, durante os créditos do curso, na preparação dos seminários, na pesquisa e redação da dissertação.

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Ao professor Patryck, grande exemplo de dedicação à pesquisa e à docência, de honestidade intelectual e humildade pessoal, e de compromisso com a construção de um Direito do Ambiente capaz de oferecer uma proteção jurídica concreta e eficaz às gerações presentes e futuras e à vida em geral. Agradeço pela atenção na orientação deste trabalho, por incentivar a pesquisa e a divulgação dos resultados, por compartilhar oportunidades e por mostrar que um professor pode fazer a diferença na vida acadêmica dos discentes.

Sou grata aos professores do Programa de Mestrado em Direito Agroambiental da Universidade Federal de Mato Grosso, pela rica experiência de aprendizado que me proporcionaram nesse período.

Agradeço aos professores Bismarck, Saulo e Carlos Marés, por aceitarem

participar do processo de avaliação,

contribuindo valiosamente para o resultado final desta dissertação.

Agradeço ao Gabriel, secretário do mestrado, pela atenção e contribuição em

todos os aspectos administrativos

relacionados ao curso, bem como ao professor Irigaray, coordenador do Programa, pela disposição em prestar auxílio sempre que foi necessário.

Ao grande amigo Felipe Rodolfo, que teve uma participação fundamental na construção desta dissertação, agradeço por indicar referências, pelo empréstimo de materiais para consulta, por discutir comigo ideias e caminhos possíveis e, também, por revisar o texto final, dispensando sempre uma atenção incrível.

Agradeço também à Daniele por ter contribuído muito em vários momentos do

curso, especialmente compartilhando

referências e apoiando o momento da qualificação.

A todos os colegas e amigos que, de alguma forma, fizeram parte desta caminhada, me incentivando e mostrando interesse em saber o quão perto estava de chegar ao final... A todos os meus sinceros agradecimentos!

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"Não sou nada. Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

(9)

RESUMO

Em um contexto de crises múltiplas associadas a riscos globais que decorrem das próprias escolhas humanas e que ameaçam a existência da vida em uma perspectiva futura, é preciso repensar de que forma a Constituição ainda pode ter um papel importante enquanto instrumento de mediação de soluções de conflitos. Ante a insuficiência do modelo tradicional de constitucionalismo para oferecer respostas aos novos desafios enfrentados pela humanidade, é preciso promover uma abertura constitucional ao diálogo e ao aprendizado com experiências jurídicas externas, de modo a facilitar a resolução de problemas comuns entre tais ordens. Nesse sentido, o novo constitucionalismo delineado pelas Constituições do Equador e da Bolívia, a partir de princípios muito próprios, originários da cultura dos povos indígenas da América Latina, busca promover uma nova forma de compreender o Direito e o Estado por meio do pluralismo, do bem viver e dos direitos da natureza. O objetivo da dissertação consiste em analisar como o constitucionalismo latino-americano pode contribuir para o fortalecimento de um caminho de aprendizagem constitucional que leve à compreensão do meio ambiente de maneira integrada e interconectada com a cultura, identificando, assim, como é possível aperfeiçoar a proteção conferida pelo direito fundamental ao meio ambiente, de modo a favorecer o objetivo de proteção da natureza e de continuidade da vida, além de proteger projetos de vida coletivos e culturalmente diversos. Para tanto, utilizou-se como metodologia a revisão de literatura e a pesquisa de jurisprudência, especialmente na Corte Constitucional do Equador, no Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia e na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O trabalho desenvolve-se no sentido de afirmar a necessidade de fortalecer a conversação entre experiências constitucionais por meio do transconstitucionalismo, da interconstitucionalidade e das possibilidades oferecidas por um constitucionalismo global, enfatizando a experiência latino-americana.Verificou-se os pontos onde é necessário aperfeiçoar a proteção no âmbito nacional, especialmente quanto à proteção da natureza e da vida em geral como valor intrínseco e à proteção de projetos de vida coletivos e infinitos, determinados culturalmente, tais como os projetos existenciais dos povos indígenas, o que foi feito, no primeiro caso, demonstrando a insuficiência da ideia de dignidade da pessoa humana e, no segundo, a invisibilidade dos povos indígenas no Brasil. A partir disso, buscou-se construir um diálogo com o constitucionalismo latino-americano, identificando semelhanças e divergências entre as experiências constitucionais e, após, demonstrando que, por meio de uma interpretação alargada da Constituição Federal em sintonia com as experiências latino-americanas, é possível obter realidades de proteção que não se limitam aos elementos naturais, mas que os compreendem em uma perspectiva de indivisibilidade em relação a aspectos sociais, econômicos e culturais, de modo a favorecer a proteção da vida em sua totalidade.

Palavras-chave: Diálogo e aprendizado constitucional. Constitucionalismo latino-americano. Proteção da natureza. Direito a um projeto de vida.

(10)

ABSTRACT

In a context of multiple crises associated with global risks arising from human choices and threaten the existence of life in a future perspective, it is necessary to rethink how the Constitution can still have an important role as an instrument capable of mediating solutions of conflicts. Faced with the failure of the traditional model of constitutionalism to provide answers to the new challenges that humanity is facing, we need to promote a constitutional openness to dialogue and learning with external legal experiences, in order to facilitate the resolution of common problems among these orders. In this sense, the new constitutionalism brought by the constitutions of Ecuador and Bolivia, from principles derived from the culture of the indigenous peoples of Latin America, seeks to promote a new way of understanding the law and the state, through pluralism, good living and the rights of nature. The dissertation aims to examine how the Latin American constitutionalism can contribute to the strengthening of a path of constitutional learning that leads to understanding the environment integrated and interconnected with culture, identifying how is possible to improve the protection afforded by the fundamental right to the environment, in order to promote the objective of protection of nature and continuity of life, and protect collective and culturally diverse projects of life. For this, the methodology used was the literature review and the research of case law, especially in the Constitutional Court of Ecuador, the Plurinational Constitutional Court of Bolivia, and the Inter-American Court of Human Rights. In the development of the dissertation, it was affirmed the need to strengthen the conversation between constitutional cultures through the transconstitutionalism theory, the interconstitutionality and the global constitutionalism, emphasizing the Latin American experience. We checked the points where it is necessary to improve the protection at the national level, especially the protection of nature and life in general as an intrinsic value and the protection of collective and infinite projects of life, culturally determined, such as the projects of existence of indigenous people, wich was done, in the first case, demonstrating the failure of the idea of human dignity and, in the second one, the invisibility of indigenous people in Brazil. From this, we sought to build a dialogue with the Latin American constitutionalism, identifying similarities and differences between the constitutional experiences and, after, showing that, through a broad interpretation of the Constitution in line with the Latin American experiences it is possible to obtain protection of realities that are not limited to the natural elements, but understand that in a perspective of indivisibility in relation to social, economic and cultural aspects, so as to promote the protection of life in its entirety. Keywords: Dialogue and constitutional learning. Latin American constitutionalism. Protection of nature. Right to a project of life.

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1. CONSTITUCIONALISMO E A PROTEÇÃO DO AMBIENTE NO ÂMBITO DE UM PROJETO OCIDENTAL: SITUAÇÃO ATUAL E TENDÊNCIAS ... 16

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA NA CONSTITUIÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA 21 1.2 O CONSTITUCIONALISMO E A ABERTURA AO DIÁLOGO COM EXPERIÊNCIAS JURÍDICAS EXTERNAS ... 31

1.2.1 Aspectos legais da construção e consolidação do constitucionalismo no Ocidente ... 32

1.2.2 Constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo ... 36

1.2.3 Tendências do constitucionalismo na atualidade: arquitetura constitucional em rede e modelos de cooperação para a mediação de soluções ... 40

1.2.3.1 O constitucionalismo societal ... 46

1.2.3.2 O constitucionalismo multinível ... 50

1.2.3.3 A interconstitucionalidade ... 52

1.2.3.4 O transconstitucionalismo ... 53

1.3. PENSAR O CONSTITUCIONALISMO A PARTIR DE CONCEITOS PÓS-COLONIAIS ... 59

2. O CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO COMO NOVO PROJETO CONSTITUCIONAL: NATUREZA E CULTURA SOB UMA PERSPECTIVA DE INDIVISIBILIDADE ... 63

2.1 A EMERGÊNCIA DE UM NOVO CONSTITUCIONALISMO NA AMÉRICA LATINA E AS BASES DE SEU DESENVOLVIMENTO ... 64

2.2 O DIREITO AO BEM VIVER NAS RECENTES CONSTITUIÇÕES ANDINAS ... 75

2.2.1 O direito ao bem viver como projeto de vida coletivo no contexto do constitucionalismo latino-americano ... 83

2.3 A NATUREZA COMO SUJEITO DE DIREITOS: O GIRO BIOCÊNTRICO E A PROTEÇÃO DA VIDA POR SEU VALOR INTRÍNSECO ... 86

2.4 A JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES EQUATORIANA E BOLIVIANA A PARTIR DAS NOVAS CONSTITUIÇÕES ... 95

3. DIÁLOGOS ENTRE O CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E A EXPERIÊNCIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ... 102

(12)

3.1 IDENTIFICANDO ONDE É NECESSÁRIO PROTEGER MELHOR ... 105

3.1.1 A referência “dignidade da pessoa humana” ... 110

3.1.2 A invisibilidade dos povos indígenas no Brasil ... 119

3.2 CONSTRUINDO SOLUÇÕES POR MEIO DA INTERAÇÃO ENTRE EXPERIÊNCIAS CONSTITUCIONAIS ... 126

3.2.1 Os pontos de contato entre os textos constitucionais ... 127

3.2.2 Uma proposta de diálogo: a ordem constitucional como instrumento aberto ... 131

3.2.3 Perspectivas a partir do diálogo proposto ... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 141

(13)

INTRODUÇÃO

Os novos desafios enfrentados neste momento histórico, especialmente quanto à proteção da continuidade da vida em todas as suas formas e da própria comunidade humana, exigem que a Constituição seja uma fonte de solução de conflitos. No entanto, para que possa exercer esse papel de maneira eficaz, deve reconhecer a necessidade de atuar em conjunto com outras fontes e de possibilitar um aprendizado constante entre ordens jurídicas diferenciadas. Só assim será possível atingir o objetivo de proteção da vida em geral, que é, antes de tudo, compromisso do Estado de Direito e dever da humanidade – dever de cuidado, de proteção.

Por mais que as Constituições ocidentais tenham pretendido fazer-se universais e completas, os ideais por elas consagrados não se mostraram suficientes para assegurar a proteção da natureza e a continuidade da vida de maneira integral, considerando o contexto de riscos ecológicos globais.

Por outro lado, distanciando-se dasconstituições construídas a partir da forte marca do capitalismo, as constituições latino-americanas têm uma história e uma marca diferente. E, enfatizando ainda mais as rupturas representadas pelas constituições da América Latina, na última década Equador e Bolívia promoveram, no plano constitucional, o reconhecimento de valores transversais que muito se inspiram na cultura dos povos ancestrais andinos. As recentes constituições latino-americanas vêm se construindo por meio de princípios muito próprios e procuram levar a efeito uma ruptura profunda com a epistemologia então reinante, estabelecendo, como marco, a retomada do ideal de bem viver e a elevação da natureza ao patamar de sujeito de direitos.

Note-se que os projetos de sociedade não são perfeitos e completos, assim como, no plano constitucional, as Constituições não são completas e estão em maturação constante. As experiências devem ser, portanto, de aprendizado e de acumulação. O novo constitucionalismo latino-americano lida com premissas diversas daquelas do constitucionalismo ocidental tradicional e, dessa forma, pode contribuir, de maneira original, para uma cultura jurídica capaz de, a partir de valores plurais, fortalecer a busca por uma ideia de integridade, consistente na proteção da vida em todos os seus aspectos e para todos os seres.

Nesse sentido, o problema que instiga esta investigação diz respeito a como o ordenamento jurídico brasileiro pode ser capaz de oferecer melhores níveis de proteção normativa para o direito fundamental ao meio ambiente, de modo a alcançar uma proteção completa, capaz de permitir o desenvolvimento adequado da vida em todas as suas formas.

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O sentido de proteção completa que se pretende atribuir refere-se a um direito ao meio ambiente capaz de agregar a proteção às pessoas, ao meio ambiente por seu valor intrínseco e também a uma relação diferenciada entre seres humanos e natureza, por meio da integração de elementos culturais. Tal construção justifica-se na medida em que se compreende que a existência da vida depende da conjugação de todos esses elementos.

A hipótese a ser explorada considera que é a capacidade do Estado dialogar com os diversos instrumentos à disposição que definirá o nível de proteção atribuído ao ambiente, sendo que as experiências latino-americanas em curso podem contribuir para o fortalecimento de um caminho de aprendizagem constitucional que leve à compreensão do meio ambiente de maneira integrada e interconectada com a cultura.

O objetivo geral consiste em analisar de que forma a experiência brasileira consegue se conectar com as experiências decorrentes das Constituições equatoriana e boliviana e, por meio de um diálogo aberto à reflexão, favorecer a concretização de níveis melhores de proteção da natureza e de relações culturalmente distintas que povos e comunidades estabelecem para com ela.

Na condição de objetivos específicos, buscamos analisar: a) de que forma podem acontecer as interações e diálogos entre ordens jurídicas diversas, a fim de promover maior abertura constitucional ao aprendizado com outras experiências; b) compreender as inovações advindas do constitucionalismo latino-americano, por meio de seu terceiro ciclo, especialmente no que se refere ao pluralismo, aos direitos da natureza e ao bem viver; c) investigar – em termos de proteção da natureza e da vida em geral como valor intrínseco e da proteção de projetos de vida coletivos e infinitos, determinados culturalmente, tais como os projetos existenciais dos povos indígenas – onde a experiência constitucional brasileira é incompleta, em que pontos ela precisa ser aprimorada; d) propor o diálogo entre a experiência brasileira e o movimento constitucional latino-americano em curso, partindo de seus pontos de contato e identificando instrumentos capazes de facilitar a comunicação entre as ordens jurídicas, de modo a aprimorar a experiência nacional.

O tema e a abordagem aqui propostos se justificam pela importância de discutir formas de aperfeiçoar a proteção constitucional conferida ao meio ambiente e também aos povos indígenas. A vida como uma totalidade precisa ter seu valor intrínseco reconhecido, e não apenas na medida em que serve aos interesses humanos. E, ainda, as relações culturais, sociais e espirituais que determinadas coletividades, a exemplo dos povos indígenas, estabelecem com a natureza necessitam de reforço na proteção, especialmente por tratar-se de

(15)

uma relação de indivisão, que faz parte de seu projeto de vida (coletivo e infinito), e que, ao sofrer dano, não pode ser reparado.

Assim, a relevância da pesquisa está em demonstrar que o direito ao meio ambiente, desde que interpretado sob uma perspectiva integradora, pode oferecer melhor proteção do que aquela que tem sido conferida até o presente momento. E esse aperfeiçoamento poderá ser viabilizado por meio de um Estado que seja capaz de dialogar, a fim de que sua Constituição seja, de fato, um instrumento para mediar soluções. O diálogo do conceito de direito ao meio ambiente com as ideias trazidas pelo terceiro ciclo do novo constitucionalismo latino-americano, tais como o plurinacionalismo, os direitos da natureza e os direitos de bem viver, será capaz de favorecer uma proteção alargada, compatível com a necessária proteção da dignidade da vida.

As Constituições do Equador e da Bolívia foram escolhidas para traçar o diálogo proposto porque são elas que caracterizam o terceiro ciclo do constitucionalismo latino-americano; são elas que apresentam, de maneira explícita, a proteção da natureza na condição de sujeito de direito, constituindo uma ruptura evidente; são elas que, ao trazer em seus textos o bem viver e os direitos da natureza ou da Mãe Terra, têm o potencial de contribuir para essa outra leitura da Constituição brasileira.

Para viabilizar o estudo proposto, utilizou-se como metodologia a revisão de literatura, por meio de livros e artigos científicos, além da pesquisa de jurisprudência, especialmente na Corte Constitucional do Equador, no Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia e na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Na primeira seção desta dissertação, a proposta é ilustrar a ideia de diálogo entre experiências jurídicas diversas, no contexto do movimento constitucionalista. Para tanto, de início, busca-se compreender como a Constituição oferece proteção aos bens ambientais, para que, a partir disso, possam ser percebidos os compromissos e desafios do Estado de Direito brasileiro, no sentido de obter um nível de proteção suficiente para uma realidade que exige a integração entre diversos elementos.

A proteção oferecida pelo texto constitucional brasileiro pode ser reforçada e ressignificada a partir da interação com experiências jurídicas externas, pois o diálogo entre as ordens jurídicas favorece um aprendizado permanente. Nesse sentido, as Constituições operam como veículos de mediação de soluções para problemas que afetam as diversas ordens jurídicas. Por isso, a primeira seção apresenta um breve panorama do constitucionalismo, desde suas origens até as novas tendências, que indicam a formação de uma arquitetura constitucional em rede, capaz de favorecer a cooperação e o constante aprendizado entre

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experiências jurídicas, de forma que a coordenação de ideias e instrumentos conduza à concretização do objetivo de proteção da vida em geral.

Após apresentar o contexto e as novas finalidades do Estado e da própria constituição, bem como os caminhos possíveis para que seja estabelecido o diálogo no âmbito de um constitucionalismo global (e plural), a segunda seção propõe o constitucionalismo latino-americano como um interlocutor importante. Sendo assim, ao estabelecer um diálogo transnormativo com o movimento latino-americano, a experiência brasileira pode avançar para novos rumos, de modo a tratar a natureza e a cultura sob uma perspectiva de integração, de indivisibilidade.

O constitucionalismo latino-americano favorece essa releitura ao promover uma ruptura com noções da modernidade, relacionadas ao Estado, à constituição e mesmo à ética que rege as relações dos seres humanos entre si, e destes em relação à natureza e a todas as formas de vida que a integram.

Nesse sentido, essa seção mostra o contexto de surgimento do chamado constitucionalismo latino-americano, seus ciclos e suas premissas, dando particular enfoque ao terceiro ciclo desse novo constitucionalismo, o qual surge a partir das Constituições equatoriana (2008) e boliviana (2009), as quais destacam o bem viver como caminho, como projeto coletivo e durável. Assim, relacionamos, também, o ideal de bem viver com o direito a um projeto de vida, que vem ganhando corpo na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – que constitui, portanto, mais uma instância com a qual é possível estabelecer esse diálogo internormativo.

Ao tratar dessa nova forma de compreender e de construir o constitucionalismo, um dos efeitos diretos incide no modo de considerar a natureza. Se na cultura jurídica ocidental a natureza é mero recurso – portanto, objeto de direitos, protegida na medida em que é necessária à satisfação dos interesses da espécie humana –, no constitucionalismo latino-americano há uma retomada da cosmologia dos povos originários da América Latina, trazendo a lume uma epistemologia que considera a natureza como um todo integrado, do qual o ser humano é parte indissociável.

A segunda seção finaliza com a análise de alguns julgados das Cortes constitucionais equatoriana e boliviana, os quais foram escolhidos para ilustrar se as referidas Cortes têm aplicado as novas disposições constitucionais em seus casos concretos e como essa remissão aos novos dispositivos constitucionais tem sido realizada.

A terceira seção tem o papel de indicar caminhos para que a experiência constitucional brasileira consiga se conectar com essas experiências das Constituições equatoriana e

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boliviana. Um primeiro momento desse percurso envolve a identificação de aspectos que demonstram onde é necessário proteger melhor, ou seja, onde os intérpretes da Constituição brasileira precisam dar mais enfoque na concretização dos compromissos assumidos pelo texto constitucional pátrio.

Essa identificação foi feita em dois momentos: primeiro, analisando o princípio da dignidade da pessoa humana e indicando os motivos pelos quais entendemos que a referência é insuficiente para o sentido integrador aqui proposto; segundo, demonstrando que a proteção aos povos indígenas que decorre da Constituição não tem alcançado resultados da maneira que se poderia esperar, de modo que os valores constantes em seu artigo 231 (proteção de costumes, crenças, tradições e das terras tradicionalmente ocupadas) ainda estão ocultos no plano concreto; os povos indígenas, nesse sentido, vêm sendo invisibilizados, tornando-se necessário construir um caminho que favoreça experiências melhores de proteção para tais realidades.

Feito isso, semelhanças e diferenças entre as experiências em estudo foram identificadas; assim, por meio dos pontos de contato entre as Constituições brasileira, equatoriana e boliviana, foi possível perceber tarefas e compromissos semelhantes, o que contribui para a ênfase ao diálogo entre essas ordens.

A partir dessa fase primordial de identificação dos pontos de contato entre as experiências jurídicas, é possível delinear alguns caminhos que permitam facilitar a comunicação entre as ordens jurídicas. Assim, as tendências do constitucionalismo, expostas na primeira seção, são retomadas na última seção do trabalho, a fim de fundamentar o diálogo entre as diversas ordens jurídicas abordadas. Esse diálogo proposto não se traduz somente em conversação, mas em um verdadeiro diálogo aberto à reflexão, que, por meio da humildade e da abertura constitucional, consegue levar a efeito um duradouro processo de aprendizagem constitucional.

Tal diálogo pode ser efetivado por meio da reinterpretação da própria ordem jurídica a partir da incorporação de sentidos normativos extraídos de outras ordens, tal como proposto pela própria teoria do transconstitucionalismo. Essa interpretação não deve ser compreendida como restrita ao âmbito de atuação do Poder Judiciário. O processo de interpretação é muito mais plural e aberto, abrangendo os atos de interpretação praticados pela sociedade e pelas instituições em geral.

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1. CONSTITUCIONALISMO E A PROTEÇÃO DO AMBIENTE NO ÂMBITO DE UM PROJETO OCIDENTAL: SITUAÇÃO ATUAL E TENDÊNCIAS

Para tratar da proteção do ambiente no âmbito de um projeto constitucional – que define os compromissos aos quais o Estado e a própria sociedade se vinculam e, por meio deles, a forma como cada bem ou valor jurídico será protegido –, é relevante compreender o contexto de seu desenvolvimento. Especialmente no que se refere ao objetivo de proteção da vida, o cenário de ameaças ao equilíbrio da natureza e à própria existência e essência humana é delineado a partir dos riscos associados à modernidade, com suas promessas e projetos não concretizados.

Com o advento da modernidade1, houve uma série de transformações nos mais diversos aspectos da vida em sociedade. Como salienta Giddens, os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de arranjo social, sendo as transformações envolvidas mais profundas que a maioria das mudanças características dos períodos precedentes2.

Nos termos da exposição de Bauman, a modernidade atribuiu a si mesma uma multiplicidade de tarefas impossíveis, dentre as quais sobressai a da ordem, na condição de “uma tarefa que torna todas as demais meras metáforas de si mesmas” 3

. A modernidade, pensada como um tempo em que se reflete a ordem, tem como uma de suas marcas a ideia de que “a existência não ordenada, ou à margem da existência ordenada, torna-se agora

natureza”, esta entendida como inadequada para a vida humana, como algo em que não se

deve confiar e que não deve ser deixado por sua própria conta; portanto, “algo a ser

dominado, subordinado, remodelado de forma a se reajustar às necessidades humanas” 4. É interessante notar que há duas faces que devem ser analisadas em relação ao mesmo fenômeno. Giddens evidencia que o desenvolvimento das instituições sociais modernas e sua difusão em escala mundial criaram mais oportunidades para os seres humanos gozarem de uma existência segura e gratificante que qualquer outro sistema pré-moderno. No entanto, há

1

Apenas para efeito de uma aproximação inicial, Giddens aponta que a "modernidade" refere-se a estilo, um costume de vida ou uma organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII, e que, posteriormente, irradiaram sua influência praticamente em âmbito mundial. Assim, essa abordagem inicial permite associar a modernidade a um período de tempo e a uma localização geográfica, ao menos em seu princípio. Cf. GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 8.

2 Ibidem, p. 10. 3

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução de Marcus Peochel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p. 12.

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também um lado sombrio nesse fenômeno, que se tornou muito aparente especialmente no século XX5.

Dentre os diversos aspectos que ilustram a afirmação do autor, há um ponto que guarda intensa relação com nosso objeto de estudo: o aumento da intensidade e da forma de intervenção do ser humano na natureza, seja pela exploração desta enquanto recurso natural, seja enquanto receptora de resíduos gerados pelo processo produtivo. De qualquer modo, uma série de problemas ambientais foi acarretada, em sua maior parte pela intervenção antrópica direta ou indireta.

Se esses problemas ambientais, em uma primeira geração, eram delimitados, imediatamente identificáveis, em geral decorrentes de acidentes e restritos à localidade onde eram originados, passou a haver uma segunda geração de problemas ambientais, desta vez muito mais complexos, transfronteiriços, e gerados por falhas de segurança decorrentes das próprias escolhas humanas6.

Em virtude disso, Beck trabalha com o conceito de risco, o qual decorre da modernidade. Para o autor, os riscos estão ligados às decisões humanas, ao processo civilizacional, à modernização progressiva. De maneira diferente do perigo, que esteve presente em todas as épocas enquanto “destino coletivo imposto pelas catástrofes naturais”, o conceito de risco “designa a invenção de uma sociedade que busca tornar previsíveis as consequências imprevisíveis das decisões tomadas” 7

.

Giraldo trata a globalização como “o processo mais radical de aprofundamento e consumação da modernidade capitalista” 8 e como um aprofundamento do projeto de colonialidade do sistema-mundo enquanto padrão mundial que se iniciou com a constituição da América9.

5

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 13.

6 Para compreender melhor a ideia de problemas ambientais de segunda geração, é possível consultar:

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. E ainda: AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio da sustentabilidade na Política Nacional do Meio Ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, v. 63, jan.-jun. 2011.

7

BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 114-115.

8 GIRALDO, Omar Felipe. Utopías en la era de la supervivencia: una interpretación del buen vivir. México:

Editorial Itaca; Chapingo, Estado de México: Universidad Autónoma de Chapingo, Departamento de Sociología Rural, 2014, p. 60.

9 Ver nesse sentido: QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In:

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Para Morin, a globalização alimenta sua própria crise, e o seu dinamismo “suscita crises múltiplas e variadas em escala planetária”, em um fenômeno que o autor denomina de

policrises. Nesse sentido, não vivenciamos hoje uma crise única, mas “um conjunto de

múltiplas crises10 interdependentes e interferentes”, causado pela mundialização, que, para Morin, é formada pela tríade globalização, ocidentalização e desenvolvimento11.

Giraldo entende que não basta criticar somente um sistema econômico, mas a crise do pensamento como totalidade sistêmica. Para o autor, o maior problema ontológico, epistêmico e ético da sociedade contemporânea consiste na dissociação entre ser humano e natureza12.

Nota-se, então, que a origem das crises aqui referidas, assim como dos riscos à própria existência da vida, centra-se nas escolhas humanas. O pensamento de Jonas, no sentido de desenvolver um princípio responsabilidade, é de grande relevância. O autor sustenta que o ser humano tem responsabilidades por seus atos, cujas dimensões impliquem repercussões de longo prazo13.

Para Jonas, no “jogo da incerteza”, a aposta jamais pode incluir a totalidade dos interesses de outros, principalmente as suas vidas. O autor afirma a existência de uma “obrigação incondicional de existir” por parte da humanidade, de modo que esta não tem direito ao suicídio. E, ainda, Jonas preocupa-se não apenas com a existência futura do homem, mas com sua essência, ou seja, com o modo de ser da futura humanidade. Assim, além do imperativo de existir, há a necessidade de que os homens futuros sejam uma humanidade

verdadeira14.

Embora não adentre a fundo na discussão, Jonas provoca uma reflexão no sentido de perceber a necessidade de estender a obrigação de consideração dos interesses do homem para mais além, indagando “se a condição da natureza extra-humana, a biosfera no todo e em suas partes, hoje subjugadas ao nosso poder, exatamente por isso não se tornaram um bem a nós confiado, capaz de nos impor algo como uma exigência moral” 15

.

10

Como exemplos, Morin indica a crise ecológica, a crise das sociedades tradicionais, a crise da própria civilização ocidental, a crise urbana, a crise demográfica, a crise das zonas rurais, a crise da política, a crise das religiões. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013, p. 24; 26.

11 Ibidem, p. 27. 12

GIRALDO, Omar Felipe. Utopías en la era de la supervivencia: una interpretación del buen vivir. México: Editorial Itaca; Chapingo, Estado de México: Universidad Autónoma de Chapingo, Departamento de Sociología Rural, 2014, p. 60-61.

13 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução de

Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p. 92.

14 Ibidem, p. 90-91. 15 Ibidem, p. 41.

(21)

Assim, para além da responsabilidade do homem pela própria existência presente e futura da humanidade, é necessário reconhecer sua responsabilidade pela existência e continuidade da vida em geral, por seu valor intrínseco, e não pela utilidade que possa vir a ter para a pessoa humana.

Diante de novos desafios, capazes de colocar em questão a própria continuidade da vida em condições dignas, é preciso repensar como deve ser levada a efeito a proteção constitucional do meio ambiente, considerando que os problemas não são nacionais. É preciso discutir como, ou em que condições, um arranjo jurídico seria capaz de enfrentar esses desafios. É necessário identificar como um projeto constitucional deverá se desenvolver, levando em consideração que a constituição ainda tem, sim, um importante papel a cumprir, mas não poderá responder às novas demandas nos moldes clássicos.

Parte-se, portanto, da ideia de que o projeto constitucional precisa se desenvolver no âmbito de uma ordem global, capaz de interagir; uma ordem que esteja em permanente revisão, que seja pensada como uma estrutura capaz de aprender com as experiências jurídicas externas.

Assim, em um cenário de incertezas e de riscos difusos que refletem efeitos das próprias escolhas do projeto de sociedade pautado nas promessas da modernidade16, o Estado, sem deixar de lado suas funções clássicas, assume como novo compromisso a incolumidade do meio ambiente, de forma a assegurar, de maneira mais completa, a continuidade da vida e da própria imagem de humanidade.

A proteção jurídica da natureza não significa (ou não deve significar) apenas a destinação de dispositivos constitucionais ou legais que dediquem-se a resguardar elementos naturais isolados, ou que levem a efeito a proteção do ambiente apenas na medida em que estes representem incremento na qualidade de vida e bem estar da pessoa humana, individualmente considerada.

Muito além disso, a proteção do meio ambiente natural deve pressupor uma integração com elementos sociais, econômicos e culturais, a fim de alcançar realidades de proteção que contemplem perspectivas coletivas, inclusive no que se refere a povos culturalmente diversos, alcançando, dessa forma, realidades de proteção que não se restringem à natureza.

Por outro lado, é importante repensar a forma como se justifica a proteção da natureza, para que haja um fortalecimento dos níveis de proteção. Assim, é certo que devem ser compartilhadas tarefas de proteção que não se limitam aos elementos naturais; no entanto,

16 BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. São Paulo: Editora

(22)

deve-se compreender que estes são, também, protegidos, não apenas como meio para alcançar uma vida digna para o ser humano, mas para que seja assegurada a existência e a durabilidade da vida em geral.

Desse modo, buscaremos, aqui, identificar como a Constituição brasileira oferece, hoje, proteção ao meio ambiente. A ideia consiste em verificar se, nos moldes atuais, no ordenamento jurídico brasileiro, o direito fundamental ao meio ambiente apresenta um nível de proteção suficiente e se é capaz de oferecer proteção para outras realidades de maneira integrada.

Nesse contexto, algumas discussões serão relevantes, no sentido de compreender que, em uma sociedade de risco global, o Estado brasileiro, por meio do relevante instrumento denominado constituição, tem tarefas diferenciadas de proteção, sendo exigido dele, portanto, novos compromissos.

Serão expostos alguns caminhos possíveis para promover um aperfeiçoamento na proteção constitucional conferida ao meio ambiente, indicando alguns resultados ou efeitos que podem ser esperados de uma constituição, a qual reflete, afinal, um projeto de sociedade. Alguns desses efeitos podem ser alcançados por meio de um princípio de sustentabilidade. Deve-se reconhecer, no entanto, que este princípio não consegue oferecer todas as respostas, nem é possível esperar tudo dele. Caminhos alternativos devem ser traçados para que a Constituição seja capaz de proteger outros valores, de maneira integradora; valores estes que não podem estar ao arbítrio do mercado.

As leituras aqui propostas podem, em grande parte, ser extraídas do próprio texto constitucional, por meio de uma releitura de Constituição ambiental brasileira. No entanto, a promoção dessa releitura somente pode ser levada a efeito por meio de uma ordem aberta, capaz de interagir; uma ordem que se organize em forma de uma rede interconstitucional, coordenada com outros atores.

Dessa forma, esta primeira seção tem, em sua segunda parte, a tarefa de auxiliar na compreensão de como vem sendo construída, sob a perspectiva jurídica, a ideia de constitucionalismo, desde suas origens até as novas tendências, as quais apontam para a formação de uma arquitetura constitucional baseada em rede, e para uma cooperação e constante aprendizado entre ordens jurídicas.

Por fim, a terceira subseção tem o papel de, em breves linhas, esclarecer que os conceitos trabalhados até esse momento foram concebidos no âmbito de um constitucionalismo ocidental hegemônico. Para que seja possível pensar no diálogo que a pesquisa propõe, é necessário revisitar os referidos conceitos sob uma ótica pós-colonial.

(23)

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA NA CONSTITUIÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA Por meio do estudo da Constituição ambiental17 brasileira, será possível, primeiramente, identificar onde estamos situados em relação ao nível de proteção atribuído ao ambiente, buscando compreender se o modelo de proteção ali fixado permite a integração de realidades outras que não exclusivamente a proteção de elementos naturais, para, então, indicar alguns desafios e compromissos que devem ser atribuídos ao Estado de Direito brasileiro, por meio de sua Constituição ambiental, a fim de obter um nível de proteção suficiente para uma realidade que abrange a integração entre diversos elementos.

De início, é pertinente destacar alguns dos benefícios da constitucionalização da proteção do ambiente. Dentre os mais relevantes, estão a elevação da proteção ambiental ao patamar de direito fundamental18, alcançando, portanto, aplicabilidade imediata; a redução da discricionariedade administrativa, pela imposição ao administrador do dever de levar em consideração o meio ambiente e de protegê-lo; e a segurança normativa, que decorre do caráter de normas pétreas dos direitos fundamentais e do rigoroso procedimento estabelecido para as emendas constitucionais19.

17 Sobre o uso da expressão “Constituição ambiental” ao longo do texto, é importante ressaltar que não se trata

de denominar a Constituição da República Federativa do Brasil sob essa terminologia, mas tão somente fazer referência à seção dedicada à organização da proteção do direito ao meio ambiente nos textos constitucionais, ou ainda, em uma perspectiva apontada por Silva e reforçada por Ayala, de considerar que “os princípios e valores ambientais representam bens jurídicos fundamentais”. Cf. SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de direito. Lições de direito do ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 63. AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo

ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 150. 18

Apesar de ser relevante a discussão acerca da adequação do termo “direitos fundamentais”, por esta ser, por vezes, considerada uma categoria homogeneizadora, optou-se por adotar tal terminologia nesta investigação, partindo da concepção exposta por Ayala, no sentido de que os direitos fundamentais consistem em técnicas de proteção de “decisões valorativas e resultantes de consensos democraticamente estruturados, consideradas relevantes em um momento histórico, cultural e socialmente determinado”, e que reproduz funções específicas sobre a ordem social. Para melhor compreensão, ver: AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e

o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 149. Ainda sobre a adoção das

nomenclaturas “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, Sarlet distingue os referidos termos partindo da consideração que “o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal”. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos

direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

19

BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental

(24)

Em sede constitucional, há diversos dispositivos que fazem referência ao aspecto ambiental como elemento a ser considerado em relação a certas escolhas20; nosso foco, aqui, será o capítulo constitucional específico voltado à proteção do meio ambiente, consubstanciado no art. 225 da Constituição Federal.

Leite aponta que a conformação jurídica adotada pela Constituição brasileira é avançada e moderna, uma vez que não se limitou a proteger o meio ambiente, de maneira isolada, escolhendo apenas uma dimensão objetiva21 ou subjetiva22 para atribuir tal proteção. De outro modo, a opção do texto constitucional foi por um direito fundamental de natureza dúplice, projetado em uma dimensão objetivo-subjetiva, de modo a reunir direitos e deveres em uma formulação única23.

Em decorrência disso, há, na Constituição brasileira, um reconhecimento concomitante de um direito subjetivo do indivíduo e da proteção autônoma do meio ambiente, esta última, de forma independente do interesse humano, embora pautada em uma ética antropocêntrica alargada24.

Além da afirmação do meio ambiente ecologicamente equilibrado na condição de direito fundamental, há, ainda, a conferência de deveres fundamentais de proteção ao meio ambiente, os quais são acometidos tanto ao Estado quanto à coletividade25, transparecendo um modelo ético de compromisso26. Para Leite, esse reconhecimento de uma indissolubilidade do

20 Como mais relevantes, pode-se citar os seguintes dispositivos constitucionais: art. 5º, XXIII, LXXIII; art. 20, I

a VII, IX a XI, e §§ 1º e 2º; art. 21, XIX, XX, XXIII, a, b e c, XXV; art. 22, IV, XII, XXVI; art. 23, I, III, IV, VII, VIII; art. 43, § 2º, IV, e § 3º; art. 49, XIV, XVI; art. 91, § 1º, III; art. 129, III; art. 170, VI; art. 174, §§ 3º e 4º; art. 176, caput e § 1º; art. 182, caput e §§ 1º e 2º; art. 186; art. 200, VII e VIII; art. 216, V, e §§ 1º, 3º e 4º; art. 225; art. 231; art. 232.

21 Pela dimensão objetiva, o direito ao meio ambiente é protegido como instituição, de modo que a proteção se

dá de maneira autônoma, sem que se confira ao indivíduo um direito subjetivo ao meio ambiente de forma exclusiva. LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 193.

22

Na dimensão subjetiva, o ambiente é protegido não como bem autônomo, mas a serviço do bem-estar do homem; o direito é atribuído ao indivíduo, correspondendo a esse direito uma obrigação estatal de concretização.

Ibidem, p. 193.

23 LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Helini Sivini. Tendências e perspectivas do Estado de Direito

Ambiental no Brasil. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Veri (org.). Estado de Direito Ambiental: tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 19.

24 LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,

José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 192-194.

25 Ibidem, p. 196.

26 AYALA, Patryck de Araújo. A proteção jurídica das futuras gerações na sociedade do risco global: o direito

ao futuro na ordem constitucional brasileira. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Veri (org.). Estado de Direito Ambiental: tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 339.

(25)

vínculo Estado-sociedade civil remete a uma noção de solidariedade em torno de um bem comum27.

Dessa forma, há uma atribuição aos particulares não somente de direitos, mas de deveres fundamentais em matéria ambiental, além dos próprios deveres de proteção e promoção ambiental do Estado. Somente envolvendo os cidadãos na busca por sustentabilidade, é que será possível alcançar tal objetivo28.

Além disso, a Constituição Federal reconhece deveres em relação a um grupo de pessoas que ainda não existe – as gerações futuras. A esse respeito, Leite ressalta que não há como concretizar o direito intergeracional relacionado ao meio ambiente sem que se pense no meio ambiente enquanto valor autônomo juridicamente considerado29.

A proteção do ambiente para as gerações vindouras encontra fundamento em um princípio de solidariedade entre gerações, trazendo também à discussão princípios outros, tais como a proibição de retrocesso ecológico, o progresso ecológico, além do próprio princípio de sustentabilidade, base de um Estado de Direito que pretende assegurar o desenvolvimento da vida de todos com qualidade e dignidade.

Por solidariedade intergeracional, ou solidariedade entre gerações, entende-se que o acesso às condições de dignidade de vida, dentre elas a garantia de um mínimo existencial ecológico, é um direito de todos, de modo que é nosso dever, hoje, não tomar atitudes que possam diminuir as possibilidades de dignidade e durabilidade das gerações que virão amanhã.

Ayala faz notar que, tendo por base o princípio da dignidade da pessoa humana, definido no artigo 1º, III, da Constituição Federal, e um dever geral de solidariedade para com a humanidade, constante no artigo 3º, I, e no artigo 225, caput, da Constituição Federal, constatam-se modificações substanciais no “projeto de ordem social proposto pela Constituição brasileira”. O autor destaca que, nesse novo projeto de sociedade definido pela ordem constitucional brasileira, que também é um projeto de futuro, nem todas as escolhas são toleráveis e admissíveis. Assim, “cumpre às funções estatais obstar excessos na definição de escolhas sobre como é possível e como se desenvolverá a existência da humanidade” 30

.

27

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 197.

28 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: Constituição, direitos

fundamentais e proteção do ambiente. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 134.

29

LEITE, José Rubens Morato. Opus citatum, p. 196.

30 AYALA, Patryck de Araújo. Direito fundamental ao ambiente, mínimo existencial ecológico e proibição de

(26)

Como corolário desse dever de solidariedade entre a nossa própria geração e para com as gerações futuras, cabe notar o princípio de proibição de retrocesso ecológico. Se temos a tarefa de repassar às gerações futuras um ambiente com uma qualidade, no mínimo, igual à que recebemos, então resta claro que não se deve regredir nos níveis de proteção ambiental já atingidos.

Nesse sentido, Aragão entende que o princípio da proibição de retrocesso ecológico seria uma espécie de cláusula rebus sic standibus, significando que, “a menos que as circunstâncias de facto se alterem significativamente, não é de admitir o recuo para níveis de protecção inferiores aos anteriormente consagrados” 31.

Para Ayala, esse princípio “aponta para uma proibição da reversão no desenvolvimento dos direitos fundamentais, e para uma garantia de não retorno a graus de proteção que já tenham sido ultrapassados”. A proibição de retrocesso também teria como efeito a “proibição de reversibilidade dos estágios de desenvolvimento e de proteção de várias realidades existenciais os quais foram proporcionados, por iniciativa do Estado, a uma determinada sociedade” 32

.

Apesar de a Constituição Federal não se referir explicitamente a uma proibição de regresso nos níveis de proteção ambiental, é possível inferir tal efeito ao notar a redação do

caput do artigo 225, na medida em que este determina ao Poder Público e à coletividade o

dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. E, se estamos em um contexto de crise ecológica, resta claro que o mínimo que se deve fazer para garantir a durabilidade das condições de desenvolvimento da vida presente e futura é não regredir nos níveis de proteção já alcançados.

E mais, se minimamente não se admite o retorno no patamar de proteção vigente, então é possível afirmar um dever de progressividade, de modo a tentar corrigir uma injustiça social e ambiental histórica, de degradação ambiental ao longo dos últimos séculos. Reconhece-se, assim, um princípio de progresso ecológico, que, para Aragão, identifica-se com uma ideia de não estagnação legislativa, ou seja, no dever de ir revendo a legislação ambiental vigente, a fim de melhorar a proteção já conferida33. A constatação de uma noção

31

ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 37.

32

AYALA, Patryck de Araújo. Direito fundamental ao ambiente, mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso na ordem constitucional brasileira. In: Revista dos Tribunais, v. 901, nov. 2010, p. 44.

(27)

de progressividade surge do artigo 2º, § 1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)34.

E, quanto ao princípio de sustentabilidade, entende-se que, apesar de suas muitas definições, e mesmo por vezes indefinições, tal princípio permanece com sua importância reconhecida35, por formar as bases de uma necessária proteção ambiental que garanta dignidade de vida para esta geração, para as gerações que estão por vir e para todas as formas de vida.

Ferreira pontua que é dever do sistema jurídico assumir um compromisso efetivo com a exploração sustentada do meio ambiente, de forma a reconhecê-lo como bem autônomo e essencial para a manutenção da qualidade de vida. Para a autora, o conceito de sustentabilidade resulta da conformação entre o economicamente viável, o ecologicamente correto e o socialmente justo36.

É certo que, desde a inserção do conceito de desenvolvimento sustentável por meio do relatório de Gro Brundtland, em 1987, e sua difusão a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, o discurso, que propõe a superação do modelo de desenvolvimento vigente, agregando a ele novos valores37, vem ganhando novos contornos.

Isso porque a ideia de sustentabilidade enquanto ponto de equilíbrio entre o econômico, social e ambiental tem sido frequentemente distorcida, para justificar perdas ambientais, com supostos ganhos econômicos ou sociais. É necessário perceber, por meio do

34 “Art. 2º. 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio

como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o

máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas

legislativas”. (destaques no original). BRASIL. Decreto n. 591, de 06 de julho de 1992. Pacto Internacional

sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm>. Acesso em: 24 set. 2013.

35 Deve-se enfatizar, no entanto, que a ideia de sustentabilidade que entendemos relevante para o Direito

Ambiental é aquela que decorre de um verdadeiro compromisso com a manutenção da vida com qualidade e durabilidade, exigindo equilíbrio, e não extremos como o fim de toda atividade considerada insustentável ou a justificação de supressões naturais pautadas na mera alegação de “interesse público” que decorre, na realidade, de pressões do poder econômico. Nesse sentido, percebe-se um certo conflito entre o conceito de sustentabilidade e o próprio objetivo do capitalismo, no sentido de que não pode haver expansão infinita em um mundo finito.

36

Essa formulação encontra fundamento nos três pilares de sustentação do desenvolvimento sustentável, quais sejam, a economia, a sociedade e o meio ambiente, conforme definido na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johanesburgo, em 2002. Cf. FERREIRA, Heline Sivini. Do desenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: um dos desafios lançados ao Estado de Direito Ambiental na sociedade de risco. In: CAETANO, Matheus Almeida; FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato. (org.). Repensando o Estado de Direito Ambiental. Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2012, p. 137.

(28)

conceito de sustentabilidade, que as ações antrópicas devem ser exercidas respeitando a capacidade de suporte da biosfera, a fim de manter um ponto de equilíbrio.

Para Ayala, o princípio de sustentabilidade operaria como a “referência agregadora de imperativos concretizadores de um direito ambiental de segunda geração”, pautando-se em três imperativos, quais sejam, a proteção das futuras gerações, a garantia de viabilidade de todas as formas de vida e a proteção dos processos ecológicos essenciais38.

A partir da estrutura de proteção conferida pela Constituição ambiental brasileira, especialmente por meio da leitura do caput do artigo 225 da Constituição Federal, Leite entende que é possível aproximar o ordenamento jurídico brasileiro dos pressupostos necessários para a edificação de um Estado de direito ambiental.

Isso porque a busca por respostas satisfatórias para o cenário de crises e riscos globais delineado na atualidade tem como pressuposto a existência de um Estado de Direito que seja capaz de conjugar os valores fundamentais que emergem das relações sociais39, garantindo a todos uma proteção reforçada da vida e da dignidade.

Nesse contexto, a concepção de Estado de Direito atualmente existente aponta para uma insuficiência em enfrentar os novos desafios gerados pela sociedade de risco contemporânea. Considerando os deveres de proteção impostos para que se concretizem os direitos fundamentais, o Estado deve ajustar-se e, se necessário, remodelar-se a cada novo passo histórico, a fim de enfrentar como tarefa estatal as novas ameaças e riscos ecológicos que comprometem a existência humana40 e, para além dela, a durabilidade de todas as formas de vida.

Para o autor, ao passo que, no passado, a “conquista territorial”, a “colonização”, o “espaço vital”, o “interesse nacional” e a “razão de estado” consistiam em categorias quase ontológicas, hoje, diversamente, os fins dos Estados devem convergir para a construção de “Estados de direito democráticos, sociais e ambientais”, no plano interno, e Estados abertos e internacionalmente “amigos” e “cooperantes” no plano externo41

.

38 AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio da sustentabilidade na

Política Nacional do Meio Ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, v. 63, jan.-jun. 2011, p. 103-104.

39

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 17.

40

Ibidem, p. 18.

41 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:

(29)

Kloepfer conceitua o Estado ambiental42 como aquele que faz da incolumidade do meio ambiente sua tarefa, critério e meta de suas decisões43. Isso não significa, contudo, que a participação da sociedade na proteção do meio ambiente deva ser excluída. Ao contrário, exige-se uma atuação comprometida de toda a coletividade, uma vez que a preservação das bases naturais da vida, além de objetivo estatal, é um interesse geral.

A proposta dessa nova configuração de Estado de Direito (que permanece sendo constitucional e democrático) é agregar em um mesmo projeto político-jurídico as conquistas do Estado Liberal e do Estado Social44, em termos de tutela da dignidade, incorporando ainda as exigências e valores vinculados ao Estado ambiental, a fim de alcançar o objetivo maior do Estado, qual seja, o desenvolvimento da vida e a garantia de sua perpetuação no tempo45.

Para Leite, o Estado ambiental é uma construção que tem como mérito a proposta de “exploração de outras possibilidades que se apartam da realidade para compor novas combinações daquilo que existe” 46

. Entende-se, a partir dessa leitura, que, embora não se possa afirmar ainda a existência concreta de um Estado ambiental, ao menos no Brasil, essa é

42

Fensterseifer registra a existência de diversos termos para denominar o novo projeto de comunidade estatal, podendo-se citar: Estado Pós-social, Estado Constitucional Ecológico, Estado de Direito Ambiental, Estado do Ambiente, Estado Ambiental de Direito, Estado de Bem-estar Ambiental, dentre outros. Cf. FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 94.

43 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da

República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 43.

44 Leite esclarece que, na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, houve um redimensionamento da

importância dos direitos fundamentais, de forma que estes passaram a não ser concebidos apenas como defesa do indivíduo contra o Estado, mas, também, como forma de proteção e materialização de bens considerados importantes para a comunidade. LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 192-193. Embora o Estado Social pareça ter representado certo avanço na busca de concretizar uma igualdade material entre os cidadãos, é, ainda assim, criticado por alguns autores. Nesse sentido, Santos entende que o Estado Social levou a efeito, na realidade, um gerenciamento das desigualdades. O autor identifica, na modernidade, dois pilares em tensão dialética: a regulação e a emancipação. Por meio da regulação, Santos afirma que a modernidade estabelece mecanismos que permitem manter dentro de certo limite a desigualdade e a exclusão, com o objetivo de manter uma gestão controlada desses sistemas (desigualdade e exclusão) e atingir uma emancipação possível dentro do capitalismo. SANTOS, Boaventura de Sousa. Do

pós-moderno ao pós-colonial. E para além de um e outro. Conferência de abertura do VIII Congresso

Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, set. 2004, p. 14. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2014.

45

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 13.

46

LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Helini Sivini. Tendências e perspectivas do Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Veri (org.). Estado de Direito Ambiental: tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 15-16.

(30)

uma meta a ser alcançada: um modelo de Estado de Direito que se preocupe com a proteção da vida, em uma perspectiva que não se esgota no tempo.

Nota-se, então, que a adoção do marco jurídico-constitucional socioambiental resulta da convergência da tutela dos direitos sociais e dos direitos ambientais em um mesmo projeto jurídico-político47, levando em consideração a noção ampliada e integrada dos direitos sociais, econômicos e culturais, para que o desenvolvimento humano se dê em padrões sustentáveis.

Admitir um Estado ambiental significa dizer que os deveres de proteção conferidos ao Estado vinculam os poderes estatais, limitando sua margem de discricionariedade, a fim de restringir a liberdade de escolha no âmbito das medidas protetivas do meio ambiente48. Afinal, o Estado ambiental tem um papel ativo para promover os direitos fundamentais, agregando, inclusive, a tutela ambiental49.

Como destaca Ayala, fazer referência a um Estado ambiental quer significar um Estado que governa “a partir de estruturas que sujeitam seus poderes à repartição e interação com outros atores” 50

, devendo ser compreendido como um ponto de partida, ou como referência para a juridicidade dos riscos.

O fundamento do Estado ambiental é o princípio da sustentabilidade, por meio do qual se exige que sejam mantidos os processos ecológicos essenciais, necessários para a manutenção da vida em todas as suas formas, em uma perspectiva presente e futura. Bosselmann faz referência à necessidade de promover uma aceitação gradativa de responsabilidades morais para com a natureza51, o que poderia, inclusive, contribuir para a redefinição do conteúdo de certos direitos. Como decorrência da ideia de uma ética de sustentabilidade, destaca-se a importância de demonstrar que “a humanidade é parte integrante da biosfera, que a natureza tem um valor intrínseco e que a humanidade tem obrigações para com a natureza” 52

.

47 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial

(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos

fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 13. 48 Ibidem, p. 17.

49 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade

humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 100.

50 AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 52.

51

BOSSELMANN, Klauss. Direitos humanos, meio ambiente e sustentabilidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 96.

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