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1. CONSTITUCIONALISMO E A PROTEÇÃO DO AMBIENTE NO ÂMBITO DE

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA NA CONSTITUIÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA

1.2.3 Tendências do constitucionalismo na atualidade: arquitetura constitucional em rede e

1.2.3.1 O constitucionalismo societal

Teubner, grande expoente da ideia de constitucionalismo societal, constrói sua tese com base na dissociação entre Estado e constituição, para que, a partir daí, seja possível conceber uma constituição global, sem que seja necessário falar em um Estado mundial117. Dessa forma, para o constitucionalismo societal, o Estado-nação não precisa estar no centro da ideia de constituição.

A tese de Teubner baseia-se na emergência de uma multiplicidade de constituições civis. Assim, a constituição da sociedade mundial não se dá no âmbito exclusivo de instituições representativas da política internacional, nem tampouco ocorre por meio de uma constituição mundial unitária com a pretensão de abarcar todas as áreas da sociedade. Ela emerge na constitucionalização de uma multiplicidade de subsistemas autônomos da sociedade mundial118.

Ao dialogar com a obra de Teubner, Neves explicita que o modelo de constituições civis transnacionais, no qual está baseado o constitucionalismo societal, estabelece uma governança privada, porque se desenvolve entre atores privados e quase públicos, sem Estado119.

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CUNHA, Paulo Ferreira da. Do constitucionalismo global. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 15, jan.-jun. 2010, p. 254.

117 TEUBNER, Gunther. Societal Constitutionalism: alternatives to State-centred constitutional theory. Storrs

Lectures, Yale Law School, p. 3. Disponível em: <http://www.fhi.duke.edu/sites/default/files/Teubner,%20Soci etal%20constitutionalism.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2013.

118 Ibidem, p. 3.

Como indica Teubner, a construção desse modelo tem sido utilizada para explicar e auxiliar na construção de um modelo de constituição europeia. No entanto, não é exclusiva desse contexto, visto que, também a nível mundial, tem-se feito a tentativa de identificar elementos constitucionais no processo atual de uma política internacional que não possui nenhum ator coletivo em posição central, enquanto objeto de uma constituição120.

A ideia de constitucionalismo societal remete, então, às constituições civis globais, considerando que o constitucionalismo centrado no Estado revela-se inadequado para compreender o constitucionalismo global121. Nesse sentido, o policentrismo presente na globalização explica o funcionamento de subsistemas globalizados autônomos, os quais estão articulados com a política internacional e em rede com outros subsistemas parciais globais122. Seria necessário, sobre esse aspecto, solucionar o problema de saber se, e de que maneira, os atores não-estatais, bem como os regimes não-estatais, poderiam ser incorporados no processo internacional de constitucionalização123. Por isso, Canotilho observa que a simples emergência de sistemas parciais globais, e mesmo a sua juridicização, não significa, por si só, a existência de uma constituição autônoma para tais sistemas parciais124.

Teubner tece uma crítica a outros modelos de constitucionalismo global, que, em sua visão, fazem meras adequações, reestruturações, apenas tornando a estrutura mais complexa, em vez de construir algo novo. Com isso, o autor critica o que chama de “fascínio pela arquitetura do Estado-nação”, a qual possui uma série de inadequações; a centralização no Estado seria um “erro de projeto”, sendo necessário, então, repensar a constituição em um sentido de globalidade, por meio de um processo intergovernamental, o qual envolveria a inclusão de atores na sociedade e uma forma de pensar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais de forma que estes não permaneçam presos à ação do Estado político125.

Para a teoria do constitucionalismo societal, as constituições sociais globais devem assumir-se como constituições parciais, no sentido de que estão limitadas a determinados

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TEUBNER, Gunther. Societal Constitutionalism: alternatives to State-centred constitutional theory. Storrs Lectures, Yale Law School, p. 10. Disponível em: <http://www.fhi.duke.edu/sites/default/files/Teubner,%20Soci etal%20constitutionalism.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2013.

121

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 294.

122 Para Canotilho, a globalização é um processo policêntrico, por envolver vários domínios de atividade, tais

como a economia, a política, a tecnologia, a cultural, a militar, a ambiental, dentre outras. Ibidem, p. 295.

123

TEUBNER, Gunther. Opus citatum, p. 10.

124 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Opus citatum, p. 295. 125 TEUBNER, Gunther. Opus citatum, p. 4.

sistemas sociais126, e não assumir o sentido de uma constituição mundial; como constituições civis, ou seja, de maneira externa à política; e como constituições juridicizadas, no sentido de que não se limitam ao papel de constituições materiais, mas oferecem mecanismos que possibilitem quadros jurídicos regulatórios, capazes de dar fundamento e legitimidade a algumas de suas normas enquanto normas superiores.

É interessante notar, no plano do constitucionalismo societal, que há um deslocamento da autoprodução do direito para as ordens jurídicas globais. No âmbito de uma teoria pluralista do direito mundial127, Neves interpreta a teoria do constitucionalismo societal identificando que o conceito de Constituição é ampliado semanticamente, de modo que passa da designação do acoplamento entre política e direito, para denominar os vínculos entre direito e outros sistemas sociais, a exemplo da economia, esporte, ciência, internet, dentre outros128.

As constituições civis apresentam-se, na expressão utilizada por Neves, como “pontes de transição”, estabelecendo um vínculo entre os subsistemas sociais e as ordens jurídicas plurais no plano global. Portanto, a ideia de, por meio de constituições civis, promover o acoplamento de ordens jurídicas globais e plurais com um determinado sistema mundial, contribui, na visão de Neves, para esclarecer a relação entre direito e sociedade no plano global129.

No entanto, há algumas limitações na ideia de constitucionalismo societal que merecem ser, também, evidenciadas. Canotilho aponta como dificuldade dessa tese a articulação entre fontes jurídicas autônomas e heterônomas, as quais compõem a “constituição

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Economia, ciência e cultura são exemplos de sistemas sociais. Cf. CANOTILHO, Joaquim José Gomes.

“Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2. ed.

Coimbra: Almedina, 2008, p. 296.

127 É relevante destacar que o modo como a globalização é entendida influencia diretamente nas possibilidades

de construção de um pluralismo no Direito mundial. Assim, uma compreensão da globalização como um processo em que a lógica de homogeneização da modernidade tem se alargado a ponto de atingir contornos globais conduziria a uma dificuldade em aceitar o constitucionalismo global em termos de um constitucionalismo plural. No entanto, como ressalta Pierucci, “a globalização não apenas coloca o centro na periferia, o colonizador se deslocando até o território do colonizado, como também termina por levar a periferia para dentro do centro”. PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. 3. ed. São Paulo: Programa de Pós- Graduação em Sociologia FFLCH-USP; Editora 34, 2013, p. 171. Dessa forma, o constitucionalismo global pode ser compreendido fora dessa perspectiva de um constitucionalismo hegemônico, para ser visualizado como um constitucionalismo de abertura, em que não apenas o centro invade a periferia, mas a periferia invade o centro. Nesse sentido, Santos fala na existência de uma globalização alternativa, organizada da base para o topo das sociedades, à qual denomina de globalização contra hegemônica. SANTOS, Boaventura de Sousa. A reinvenção da emancipação social. SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 13.

128 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 108-110.

civil” de um sistema social global autônomo, visto que está afastada a ideia de um poder constituinte criador nesse caso. Faz-se necessário, então, identificar quais são as dimensões que constituem e caracterizam as normas constitucionais das constituições civis130.

Outro ponto apontado como problemático por Canotilho reside na afirmação da possibilidade de haver constituições civis globais sem política, ou fora da política. Daí decorre que, apesar de o constitucionalismo societal buscar uma vinculação global em relação à regulação dos problemas societais globais, surgem conflitos em torno da legitimação política de tal vinculação. Ademais, por pressupor a desestatização e a privatização dos sistemas civis globais, acabam por deixá-los fragilizados, pois os grandes problemas políticos globais não são abrangidos131.

Parece-nos pertinente a crítica de Canotilho, uma vez que é difícil afastar a constituição civil de um subsistema sem imaginar decisões e implicações no âmbito político. Afinal, as decisões essenciais para cada subsistema são, em sua maioria, eminentemente políticas. Por isso, o autor aponta o necessário acoplamento que deve haver entre constituições civis globais e as políticas nacionais, compondo uma estrutura em rede, visto que os pressupostos fáticos e normativos nacionais são indispensáveis à realização de direitos econômicos, sociais e culturais132.

Neves aponta, também, limites do constitucionalismo societal, alguns dos quais reconhecidos também por Teuber. Dentre eles, a principal crítica levantada por Neves consiste em identificar que, nas relações entre as “aldeias jurídicas globais” com seus respectivos sistemas sociais globais, o que acaba por sobressair é a instrumentalização das ordens jurídicas mundiais por outros âmbitos de comunicação da sociedade mundial133, tal como a lex mercatoria134 para a economia, por exemplo.

A ideia de constitucionalismo societal nos serve de contribuição para compreender alternativas para a construção de uma arquitetura constitucional diferenciada, mais desvinculada do Estado-nação e baseada em uma rede que favoreça a coordenação. No caso específico desta teoria, a coordenação se daria entre os sistemas sociais globais. Vale, então,

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CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 297.

131 Ibidem, p. 299. 132 Ibidem, p. 300. 133

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 112-113.

134 Para Neves, a lex mercatoria funciona bem no sentido de favorecer a estabilidade jurídica do jogo econômico;

como modelo de comparação, no entanto, não será diretamente utilizado para a proposta de construção deste trabalho.