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Aspectos legais da construção e consolidação do constitucionalismo no Ocidente

1. CONSTITUCIONALISMO E A PROTEÇÃO DO AMBIENTE NO ÂMBITO DE

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA NA CONSTITUIÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA

1.2.1 Aspectos legais da construção e consolidação do constitucionalismo no Ocidente

que permeia todos os seus âmbitos de validade – o material, o temporal, o pessoal e o territorial, perpassando transversalmente todo o sistema jurídico e dando-lhe consistência, conforme destaca Neves63.

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A expressão é de Canotilho. Conforme aponta o autor, as constituições desceram do “castelo” para a “rede”. Cf. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Brancosos” e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 267 e 269.

61 Ibidem, p. 269. 62

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 83.

O autor identifica dois problemas que foram fundamentais para o surgimento da constituição em sentido moderno. São estes, as exigências de direitos fundamentais ou humanos, e a questão organizacional da limitação e do controle do poder, inclusive com a necessidade de realizar a especialização das funções, sendo esta uma condição para haver maior eficiência do poder estatal64.

Embora o termo “constitucionalismo” esteja presente há pouco mais de duzentos anos no vocabulário jurídico e político ocidental, Barroso destaca que as ideias centrais que compõem o seu conteúdo remontam à Antiguidade Clássica, notadamente ao ambiente da

polis grega, por volta do século V a.C. Isso porque em Atenas é que se identifica o primeiro e

grande precedente de limitação do poder político e de participação dos cidadãos nos assuntos públicos, sendo considerada, portanto, o berço do ideal constitucionalista e democrático65.

O ideal de limitação do poder foi compartilhado por Roma, com a implantação da República em 529 a.C., com a Lei das Doze Tábuas. O poder na República era repartido por instituições que se controlavam reciprocamente. Entretanto, com o fim da República, em vésperas do início da era cristã, os ideais identificados como constitucionalistas deixaram de se fazer amplamente notados do mundo ocidental até o final da Idade Média66.

Mesmo o surgimento do Estado moderno não significou, ainda, o advento do constitucionalismo, conforme pontua Neves. Isso porque o absolutismo monárquico, na ordem estatal do início da modernidade, ainda não admite a diferenciação funcional entre política e direito; antes, essa “tensão pendular” tende fortemente para uma instrumentalização política do direito67.

É relevante a observação do autor, no sentido de que houve contornos jurídicos positivos no período absolutista, com as ditas cartas de liberdade ou pactos de poder, sendo exemplar, nesse sentido, a Carta Magna de 121568.

Tais pactos de poder, no entanto, não devem ser confundidos com a constituição em sentido moderno, já que eram particulares, referindo-se a acordos entre o monarca e a nobreza ou parte da burguesia; sua validade era pontual, tratando de temas específicos da política e do direito estatal; e eram fáticos, constituindo uma manifestação jurídica das relações reais de

64

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. XXI.

65 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 4-6.

66

Ibidem, p. 7-8.

67 NEVES, Marcelo. Opus citatum, p. 17. 68 Ibidem, p. 19.

dominação. As constituições em sentido moderno, por sua vez, têm a pretensão de ser universais, referindo-se a todos os membros da organização jurídico-política; são abrangentes em seu conteúdo, dizendo respeito aos diversos ramos do direito e aos diferentes processos de tomada de decisão política; e são normativas, por indicarem uma diferenciação funcional entre direito e política, implicando a vinculação jurídica do poder69.

Conforme indicado por Neves, o conceito de constituição em sentido moderno está relacionado com o constitucionalismo enquanto experiência histórica associada aos movimentos revolucionários do final do século XVIII. Dessa forma, o movimento constitucionalista refletiu a pressão por uma diferenciação entre política e direito, operando como ideologia para o surgimento das constituições, enquanto possibilitadoras e asseguradoras dessa diferenciação. A constituição pode ser entendida, então, como uma construção social da modernidade, permitindo a autonomia operacional do direito em face da política70.

Assim, o autor aponta que a afirmação da constituição em nível estrutural surgiu primeiramente em 1776, na América do Norte, configurando-se posteriormente na Europa, mais precisamente na França, em 1789, tendo início, com esse constitucionalismo revolucionário de fins do século XVIII, o processo moderno de diferenciação entre política e direito71.

Na Inglaterra, o processo de constitucionalização apresenta um caráter evolutivo, não se caracterizando a Revolução Gloriosa de 1688 como fundadora de uma Constituição em sentido moderno, visto que não significou uma ruptura com a velha ordem de poder. Neves chama a atenção para o fato de que os pactos de poder, ou leis fundamentais na Inglaterra, tais como a Magna Carta, o Habeas Corpus Act, e o Bill of Rights, apontavam para um desenvolvimento funcionalmente equivalente ao que conduziu às constituições revolucionárias nos Estados Unidos e na França. No entanto, não constituíam “expressões semânticas do constitucionalismo”, representando, antes, um processo evolutivo de diferenciação entre direito e política72.

69 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 20-21. 70

Ibidem, p. 20-56.

71 Ibidem, p. 23; 53-54. 72 Ibidem, p. 23; 53-54.

A respeito do significado do termo, Streck73 salienta que o constitucionalismo pode ser concebido como um movimento teórico jurídico-político, por meio do qual se busca limitar o exercício do poder, a partir de mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício da cidadania.

Na mesma linha, Barroso74 ressalta que o constitucionalismo indica, em essência, limitação do poder e supremacia da lei, sendo que, em um Estado constitucional, existem três ordens de limitação do poder, quais sejam: a) as limitações materiais, que tratam dos valores básicos e direitos fundamentais; b) a estrutura orgânica exigível, que se refere às funções de legislar, administrar e julgar, as quais devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que se controlam reciprocamente; c) as limitações processuais, refletindo a necessária observância não apenas da lei, mas do devido processo legal. Além destas, o autor aponta que na maior parte dos Estados ocidentais foram instituídos mecanismos de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.

Nota-se, então, que o constitucionalismo apresenta, como traços marcantes, a organização do Estado e a limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.

Neves bem destaca que essa semântica constitucionalista está presente de forma marcante no artigo 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Constituinte Francesa em 1789, por meio da fórmula: “Toda sociedade em que não esteja assegurada a separação de poderes, nem os direitos e garantias individuais, não tem Constituição”. O autor destaca, ainda, que, na experiência norte-americana, tal fórmula reflete-se na afirmação da constituição enquanto “gramática da liberdade” 75.

Cabe observar, contudo, que o constitucionalismo surge liberal, com o foco, em um primeiro momento, de limitar o poder estatal e garantir a segurança da burguesia, uma vez que esta necessitava de estabilidade para o exercício de suas atividades, após adquirir o poder político com a queda do absolutismo. Nesse sentido, para Magalhães, o constitucionalismo significou segurança, da qual a burguesia precisava em suas relações econômicas e nos contratos76.

73

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 37.

74 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.

75

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 60.

76 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O novo constitucionalismo indo-afro-latino-americano. In: Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 13, n. 26, Bel Horizonte, jul.-dez. 2010, p. 88; 96.

Barroso destaca que compete à constituição veicular consensos mínimos em relação a certos temas – como a dignidade das pessoas e o funcionamento do regime democrático –, os quais, dada sua relevância, não podem estar ao alcance da interferência de maiorias políticas ocasionais77. Dessa forma, é possível entender que, por meio do constitucionalismo, foi possível um certo grau de estabilidade quanto a garantias e valores essenciais78.