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1. CONSTITUCIONALISMO E A PROTEÇÃO DO AMBIENTE NO ÂMBITO DE

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA NA CONSTITUIÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA

1.2.2 Constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um conjunto de transformações ocorreu no âmbito do constitucionalismo. Ao colocar-se em questão a infalibilidade do positivismo jurídico, verificou-se a necessidade de reforço nos mecanismos de garantia, demarcando a importância da constituição como norma jurídica, e a culminação de um constitucionalismo

constitucionalmente garantido79.

Ramos registra que as constituições elaboradas após a Segunda Guerra representaram um rompimento com a visão liberal, e também com o caráter intervencionista do Estado Social, fazendo surgir, como novo paradigma jurídico, o Estado Constitucional de Direito80. A partir dessa transformação geral nos sistemas jurídicos, marcada pela transição para o Estado Constitucional, a constituição passou a dar forma ao regime político81.

A ideia de transição é reforçada por Streck, ao indicar que, às facetas ordenadora (Estado Liberal de Direito) e promovedora (Estado Social de Direito), o Estado Constitucional de Direito agregou um plus (normativo), de modo que os textos constitucionais passaram a trazer claro o objetivo de resgatar as promessas não cumpridas da modernidade, na tentativa de promover transformações sociais82.

De forma diversa do constitucionalismo do fim do século XVIII, no Estado Constitucional de Direito não basta a existência de uma constituição; esta deve se caracterizar

77 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 89.

78 Ibidem, p. 90. 79

CRUZ, Barbara Maria da Silva. Constitucionalismo. Desafios emergentes na era da globalização. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). Teoria da argumentação e neo-constitucionalismo: um conjunto de perspectivas. Coimbra: Almedina, 2011, p. 15.

80

RAMOS, João Palma. Estado de Direito como Estado Constitucional: o neoconstitucionalismo. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). Teoria da argumentação e neo-constitucionalismo: um conjunto de perspectivas. Coimbra: Almedina, 2011, p. 146.

81 CRUZ, Barbara Maria da Silva. Opus citatum, p. 15. 82

STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo

constitucionalismo do Estado Democrático (e Social) de Direito – uma crítica à dogmática jurídica brasileira.

por um conjunto de técnicas jurídicas de tutela da liberdade, sendo possível citar, dentre elas, a criação dos Tribunais Constitucionais e um complexo sistema de mecanismos de limitação e controle do poder político. O regime político passou a ser orientado por determinados princípios, definindo os poderes de governo, especialmente a partir da promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais83.

Dessa forma, Cruz entende que o neoconstitucionalismo, subjacente à nova mentalidade jurídica que marca o constitucionalismo contemporâneo, buscou promover o reencontro do Direito com os valores. As constituições editadas após o segundo pós-guerra já não possuíam apenas o objetivo de repartir os poderes do Estado e de distribuir a competência entre seus órgãos, mas, notadamente, de estabelecer direitos fundamentais e, por meio destes, uma ordem de valores e de justiça que exigia uma postura ativa dos órgãos estatais, em conjunto com a sociedade, para que pudesse ser concretizada. A partir daqui, as constituições deixam de ser apenas um conjunto de princípios orientadores da vida pública, tornando-se um verdadeiro sistema de normas constitucionais com força jurídica vinculante, estabelecendo mecanismos mais rigorosos de controle de poder84.

O neoconstitucionalismo representou uma mudança no discurso constitucional, de modo que Ramos identifica nesse novo discurso a conjugação de duas ideias fundamentais: a primeira delas diz respeito ao reforço e à amplitude na consagração dos direitos, com a existência de garantias efetivas de sua realização; a segunda mudança refere-se ao desenvolvimento de uma nova teoria e metodologia do direito constitucional, proveniente da existência de regras, princípios e valores expressos nos textos constitucionais, que se impõem através da justiça constitucional existente nos Estados de Direito85.

Por meio do neoconstitucionalismo, ocorreu um fenômeno denominado de constitucionalização do Direito86, como resultado da transformação no ordenamento jurídico,

83 CRUZ, Barbara Maria da Silva. Constitucionalismo. Desafios emergentes na era da globalização. In:

HESPANHA, António Manuel (coord.). Teoria da argumentação e neo-constitucionalismo: um conjunto de perspectivas. Coimbra: Almedina, 2011, p. 15.

84 Ibidem, p. 16-18. 85

RAMOS, João Palma. Estado de Direito como Estado Constitucional: o neoconstitucionalismo. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). Teoria da argumentação e neo-constitucionalismo: um conjunto de perspectivas. Coimbra: Almedina, 2011, p. 147.

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O uso da expressão se justifica pelo fato de que o constitucionalismo não representou, por si só, a constitucionalização do Direito. Isso só veio a ocorrer mais tarde, com o neoconstitucionalismo e o reconhecimento de que a Constituição tem, de fato, uma força normativa e que seus mandamentos não são meras exortações. Antes do neoconstitucionalismo, o papel do Direito Privado era muito forte, a ponto de deslocar o papel da Constituição. Assim, não há como falar em Constitucionalização do Direito sem o advento do neoconstitucionalismo. É só aí que a Constituição ganha toda a sua força e importância a ponto de invadir o Direito em sua integralidade. Tal ideia encontra-se desenvolvida em: CARVALHO, Felipe Rodolfo de. O

levada a efeito, especialmente, para integrar as seguintes orientações: a rigidez das constituições; o controle de constitucionalidade das leis; o caráter politicamente vinculante da constituição; o valor interpretativo das disposições constitucionais; a aplicação direta das disposições constitucionais por parte dos tribunais; a interpretação das leis conforme a constituição; e a influência direta das constituições nas relações políticas87.

Um dos aspectos marcantes apresentados pelo neoconstitucionalismo é a concepção da constituição como norma fundamental, impondo-se às demais normas. Há aqui, então, o destaque para seu caráter vinculativo, visto que as normas constitucionais encontram-se revestidas de plena eficácia. A forma como o texto constitucional se impõe na ordem jurídica é resultado do conceito de supremacia constitucional. Assim, há uma relação de subordinação entre as regras e princípios que decorrem do texto constitucional, em relação às leis ordinárias, notadamente em relação a aspectos da validade formal e material, de modo que o legislador ordinário passa a estar condicionado em sua atividade88.

Outro aspecto relevante em relação ao neoconstitucionalismo está relacionado ao destaque dado aos princípios, enquanto espécies de normas constitucionais, uma vez que essa ideia, de certa forma, coloca em crise o positivismo jurídico. Isto porque, para Ramos, os princípios utilizam conceitos relativamente imprecisos, fazendo com que os tribunais assumam um importante papel por meio da jurisprudência, abrindo espaço para o desenvolvimento do ativismo judicial89.

Para Ávila, as constituições do período do segundo pós-guerra apresentam características comuns, como a previsão de mais princípios que regras, ou, ao menos, o maior destaque dado aos princípios, em detrimento das regras; o uso do método da ponderação para aplicação dos princípios, em detrimento da subsunção; dada a aplicação da ponderação, torna- se necessária uma análise mais individual e concreta, do que geral e abstrata; disso resulta, necessariamente, uma participação maior do Poder Judiciário, em relação aos Poderes Executivo e Legislativo; e, por fim, o ativismo do Poder Judiciário e a importância dos

processo de homogeneização jurídica na modernidade. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação).

Faculdade de Direito, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2011, p. 108-110.

87 RAMOS, João Palma. Estado de Direito como Estado Constitucional: o neoconstitucionalismo. In:

HESPANHA, António Manuel (coord.). Teoria da argumentação e neo-constitucionalismo: um conjunto de perspectivas. Coimbra: Almedina, 2011, p. 149.

88 Ibidem, p. 157-158. 89 Ibidem, p. 159.

princípios conduzem a uma aplicação centrada na constituição, em vez de pautada na legislação90.

Da formulação acima, que apresenta entre seus elementos uma relação de causa e consequência, decorre para Ávila a conclusão de que o neoconstitucionalismo apresenta quatro fundamentos. O primeiro deles seria normativo, marcado pela passagem das regras aos princípios. O segundo fundamento seria metodológico, fundado na passagem da subsunção à ponderação. Em terceiro lugar, Ávila indica um fundamento axiológico, consistente na transição da justiça geral à justiça particular. Por fim, haveria um fundamento organizacional, consistente na passagem do Poder Legislativo ao Poder Judiciário91.

Streck atenta para algumas críticas que devem ser feitas ao neoconstitucionalismo, sendo a primeira delas referente ao próprio termo. O autor considera que, se o movimento representou um importante passo em busca da afirmação da força normativa da constituição na Europa Continental, no Brasil ocorreu um incentivo à recepção acrítica da jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Alexy e do ativismo judicial norte-americano. Para Streck, a importação do termo “neoconstitucionalismo” para o Brasil foi de importância estratégica naquele momento pós-ditatorial, pois isso implicava ir além de um constitucionalismo de feições liberais, rumo a um constitucionalismo compromissório, que possibilitasse a efetivação de um regime democrático92.

A partir de tais considerações, o autor adverte que a adoção do termo é motivo de ambiguidades teóricas, podendo induzir ao equívoco de que este movimento superaria o “outro” constitucionalismo, fruto do limiar da modernidade. De modo diverso, a ideia seria conduzir a um processo de continuidade, agregando as novas conquistas que passam a integrar a estrutura do Estado Constitucional, no período posterior à Segunda Guerra Mundial.

Por isso, Streck prefere denominar esse constitucionalismo instituído a partir da Segunda Guerra de Constitucionalismo Contemporâneo, referindo-se à construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma constituição normativa e da integridade da jurisdição93.

90

ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “ciência do Direito” e o “Direito da ciência”. In: Revista

eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 17, jan.-mar. 2009, p. 2. 91 Ibidem, p. 3.

92 STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi;

STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam. Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 61.

Como referido anteriormente, uma das marcas do movimento neoconstitucionalista foi o deslocamento da atenção do Poder Legislativo para o Poder Judiciário, de modo a poder interpretar, conforme os princípios, as situações em cada caso concreto. A esse respeito, Streck alerta para que a chamada discricionariedade judicial não conduza à arbitrariedade, exatamente em decorrência do grau de liberdade dado ao intérprete, o qual pode acabar se convertendo em um poder que não lhe é dado, já que os direitos tornam-se dependentes de uma atribuição de sentido feita pelo juiz94.

Enfim, entre aspectos favoráveis e contrários ao chamado constitucionalismo contemporâneo, ou neoconstitucionalismo, o que é necessário, para os efeitos pretendidos com esta pesquisa, é ter claro que, após o constitucionalismo de fins do século XVIII, marcado pela necessidade de delimitação do exercício do poder, e por uma diferenciação funcional entre direito e política, sem que houvesse subordinação de uma em relação à outra, as barbáries praticadas na Segunda Guerra Mundial, associadas a fatores outros, conduziram a um acréscimo nas funções estatais, marcando a passagem para um Estado Constitucional de Direito.

Por meio deste, a constituição passou a ser não apenas símbolo, mas uma norma efetiva, doadora de fundamento a todo o ordenamento jurídico. Esta ideia, associada a uma ênfase maior aos princípios enquanto norma jurídica, à ponderação enquanto método, e ao Poder Judiciário como peça importante de resolução de conflitos por meio da análise do caso concreto, marcou o chamado neoconstitucionalismo, o qual, apesar do que o nome possa sugerir, não se tratou de um “novo” constitucionalismo, mas de um movimento fundado nas mesmas bases teóricas, que acrescenta um “plus” ao movimento constitucionalista, a fim de que o direito pudesse, enfim, avançar na concretização das promessas não cumpridas da modernidade.

1.2.3 Tendências do constitucionalismo na atualidade: arquitetura constitucional em