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Âmbito de proteção e suporte fático de direitos fundamentais

2.3 ASPECTOS RELEVANTES DE TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3.2 Âmbito de proteção e suporte fático de direitos fundamentais

Cada direito fundamental tem um âmbito de proteção. Trata-se dos atos, fatos, estados ou posições tutelados pela disposição normativa que prevê o direito fundamental.114 O âmbito de proteção é o domínio da vida ou a parcela da realidade a que se refere o direito

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A propósito, Alexy afirma que os direitos fundamentais são “profundamente democráticos”, por assegurarem a existência e o desenvolvimento das pessoas através dos direitos de liberdade e igualdade, bem como por garantirem as condições de funcionamento do processo democrático mediante os direitos de sufrágio, de reunião e de associação e das liberdades de opinião, de imprensa e outras liberdades políticas. Por outro lado, ressalta que os direitos fundamentais, ao mesmo tempo, são “profundamente antidemocráticos”, exatamente porque, mediante o controle de constitucionalidade das leis, desconfiam do processo democrático e privam de poder a maioria parlamentar legitimada (ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales en el Estado constitucional democrático. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trota, 2003. p. 38).

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José Carlos Vieira de Andrade, nesse sentido, alude à dimensão objetiva dos direitos fundamentais como uma “‘mais-valia’ jurídica” (ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 134).

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Isso leva à superação da concepção clássica de Georg Jellinek, segundo a qual as posições jurídicas fundamentais dos indivíduos em face do Estado poderiam ser assim classificadas: status subjectionis ou status passivo, em que o indivíduo encontra-se em posição de subordinação, apresentando deveres para com o Estado; status negativo, em que o indivíduo tem um espaço de liberdade protegido em relação a ingerências do Estado; status civitatis ou status positivo, em que o indivíduo tem o direito de exigir que o Estado atue positivamente, realizando uma prestação em seu favor; e status ativo, em que o indivíduo detém competência para influir sobre a formação da vontade do Estado. Do mesmo modo, revela-se insuficiente a classificação dos direitos fundamentais que, em correspondência à teoria de Jellinek, divide-os, de acordo com sua função, em: direitos de defesa, que se referem a uma resistência à intervenção estatal, gerando uma obrigação negativa do Estado; direitos a uma prestação, material ou jurídica, que geram uma obrigação positiva do Estado; direitos de participação, que se referem à possibilidade de os indivíduos influírem na formação da vontade estatal (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 139-152). De fato, um único direito fundamental pode apresentar todas essas posições e funções.

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BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 131.

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SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 72.

fundamental.115 Cuida-se do conteúdo jurídico ou objeto do direito fundamental, composto pelos bens, interesses e valores por ele protegidos.

Existe uma teoria ampla e uma teoria restrita do âmbito de proteção. Para a teoria

ampla, todo ato, fato, estado ou posição que faça parte do campo temático de determinado

direito fundamental integra seu âmbito de proteção. O âmbito de proteção em sentido amplo abrange tudo aquilo que prima facie é permitido ou imposto pelo direito fundamental. Para a

teoria restrita, algumas condutas sabidamente proibidas são de antemão excluídas do âmbito

de proteção dos direitos fundamentais. A identificação das condutas não integrantes do âmbito de proteção em sentido estrito ocorreria por meio da interpretação dos dispositivos que preveem o direito fundamental.116

O conceito de âmbito de proteção relaciona-se com o de suporte fático. O suporte

fático é o conjunto das condições necessárias e suficientes para a produção das consequências

jurídicas de uma norma de direito fundamental. De acordo com Alexy, o suporte fático dos direitos fundamentais é “composto por dois elementos: o bem protegido e a intervenção”.117 O suporte fático é formado pelo âmbito de proteção, que consiste nos bens, interesses e valores tutelados pela norma de direito fundamental, e pela intervenção, que representa qualquer forma de afetação, geralmente estatal, do direito fundamental. Tanto aquilo que é protegido (âmbito de proteção, bens, interesses e valores tutelados) como aquilo contra o qual se protege (intervenção) fazem parte do suporte fático dos direitos fundamentais. O suporte fático de um direito fundamental somente se configura se o Estado intervier na esfera juridicamente protegida de um indivíduo. Ocorrendo isso, surgirá uma pretensão de tutela em favor do titular do direito fundamental.118

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PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais; direito estadual II. Trad. António Franco e António Francisco de Sousa. Lisboa: Universidade Lusíada, 2008. p. 62.

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A esse respeito, José Carlos Vieira de Andrade aduz: “Os limites materiais, que definem o âmbito ou a esfera normativa de cada um dos direitos fundamentais, decorrem da interpretação dos preceitos constitucionais que os preveem, sendo que estes, em regra, utilizam para o efeito conceitos indeterminados ou mesmo cláusulas gerais” (ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 274).

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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 305.

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Virgílio Afonso da Silva acrescenta ao conceito de suporte fático, formado pelo âmbito de proteção e pela intervenção, a ausência de fundamentação constitucional: “O problema reside, em primeiro lugar, na definição do suporte fático como junção apenas do âmbito de proteção e da intervenção estatal (APx e IEx). Ora, se suporte fático são os elementos que, quando preenchidos, dão ensejo à realização do preceito da norma de direito fundamental, é facilmente perceptível que não basta a ocorrência desses dois elementos para que a consequência jurídica de um direito de liberdade seja acionada. É ainda necessário que não haja fundamentação constitucional (não-FC) para a intervenção. Se houver fundamentação constitucional para a intervenção estar-se- á diante não de uma violação, mas de uma restrição constitucional ao direito fundamental, o que impede a ativação da consequência jurídica (declaração de inconstitucionalidade e retorno ao status quo ante). Por isso,

A admissão da teoria ampla do âmbito de proteção leva à aceitação de um suporte fático amplo. A admissão da teoria restrita do âmbito de proteção leva à aceitação de um suporte fático restrito. Ademais, a amplitude ou restrição do suporte fático de direitos fundamentais também sofre influência da conceituação ampla ou restrita de intervenção. O conceito amplo de intervenção considera como tal qualquer conduta estatal que afete o direito fundamental. O conceito restrito de intervenção diferencia a intervenção da regulamentação ou configuração, a qual não constituiria uma afetação ao direito fundamental, mas seria uma simples conformação ou disciplina de seu exercício.

A primazia da tutela dos direitos fundamentais, no Estado democrático de direito, conduz à adoção de uma teoria ampla do âmbito de proteção. A ideia de âmbito de proteção em sentido amplo leva a que dificilmente se conceba uma regulamentação ou configuração de direitos fundamentais que não constitua uma ingerência nos bens, interesses ou valores por ele tutelados, o que resulta na consagração de um conceito amplo de intervenção.119 Desse modo, chega-se à necessidade de reconhecimento de um suporte fático amplo dos direitos fundamentais.