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Estruturalmente, o Estado é constituído por três elementos: o povo, o território e o poder político.156 O povo, elemento humano do Estado, é o conjunto de indivíduos vinculados de forma estável ao ordenamento jurídico estatal. O território, elemento físico do Estado, é o âmbito de validade espacial do ordenamento jurídico estatal. O poder político, elemento institucional do Estado, é a possibilidade de tomar decisões soberanas em nome da sociedade, nos termos previstos pelos ordenamentos jurídicos estatal, supranacional e internacional. Além disso, o Estado existe para atingir certos fins. A realização do bem comum representa a finalidade estatal precípua.157

Para alcançar seus objetivos, o Estado desenvolve diversas atividades. Um conjunto de atos praticados pelo Estado com o objetivo de realizar certa finalidade pode ser designado como uma atividade estatal.

As atividades gerais do Estado, denominadas funções estatais, consistem em editar normas jurídicas genéricas e abstratas, em concretizar de ofício as normas jurídicas genéricas e abstratas para satisfazer o interesse público, coletivo ou comunitário e em concretizar

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Jorge Miranda se refere ao povo, ao território e ao poder político não como elementos constitutivos do estado, mas como pressupostos ou condições de sua existência (MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 255-258).

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Alguns autores, como Dalmo de Abreu Dallari, consideram as finalidades estatais como elementos constitutivos do Estado, ao lado do povo, do território e do poder político. A propósito, ele ressalta: “O problema da finalidade do Estado é de grande importância prática, sendo impossível chegar-se a uma ideia completa do Estado sem ter consciência de seus fins”. Em seguida, afirma que “se poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 87, 101).

definitivamente as normas jurídicas genéricas e abstratas. Trata-se, respectivamente, da função legislativa, da função executiva ou administrativa e da função jurisdicional.158

A função legislativa é a atividade por meio da qual o Estado cria, primordialmente, normas gerais e abstratas inovadoras do ordenamento jurídico. Através da legislação, o Estado, considerando os diversos interesses existentes no âmbito da sociedade, assim como os valores socialmente proeminentes, mediante normas jurídicas, qualifica determinados padrões de conduta como lícitos, tornando-os obrigatórios ou permitidos, e outros como ilícitos, reputando-os proibidos e estabelecendo as correspondentes sanções.

A função executiva ou administrativa é a atividade por meio da qual o Estado concretiza as normas jurídicas, editadas pela função legislativa, com o objetivo de satisfazer interesses públicos, coletivos ou comunitários. Vários interesses tutelados pelo direito transcendem a esfera dos indivíduos. Esses interesses, qualificados como públicos, coletivos ou comunitários, por sua relevância para a sociedade, têm sua satisfação atribuída direta e imediatamente ao Estado. A administração consiste na atuação estatal de ofício para a realização de interesses públicos, coletivos ou comunitários protegidos por normas jurídicas gerais e abstratas.

A função jurisdicional é a atividade por meio da qual o Estado, com imparcialidade, em regra mediante provocação, concretiza em caráter definitivo as normas jurídicas gerais e abstratas. A jurisdição é responsável pela atuação do direito em última instância, inclusive revisando atos legislativos e administrativos.

Como já se ressaltou na seção 2.1, o Estado de direito, inspirado em Montesquieu, consagrou o princípio da separação dos poderes estatais.159 De acordo com tal cânone, cada

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A propósito, José de Albuquerque Rocha aduz: “As atividades fundamentais que o Estado desenvolve para realizar seus fins, exercitando seu poder através de procedimentos jurídicos típicos e preordenados, que denominamos de funções estatais, são, tradicionalmente, de três tipos: a) editar normas gerais e abstratas; b) administrar; e c) decidir em caráter definitivo os conflitos concretos de interesses mediante a aplicação do direito e, eventualmente, executar as decisões. Daí a tradicional tripartição das funções do Estado, respectivamente, em legislativa, administrativa e jurisdicional” (ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 12).

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O princípio da separação dos poderes, embora tenha sido sistematizado por Montesquieu, teve precursores na Idade Antiga, na Idade Média e na Idade Moderna, como afirma Paulo Bonavides: “Distinguira Aristóteles a assembleia-geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário; Marsílio de Pádua, no Defensor Pacis já percebera a natureza distinta das funções estatais e por fim a Escola de Direito Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperii, se aproxima bastante da distinção estabelecida por Montesquieu. Em Bodin, Swift e Bolingbroke a concepção de poderes que se contrabalançam no interior do ordenamento estatal já se acha presente, mostrando quão próximo estiveram de uma teorização definida a esse respeito. Locke, menos afamado que Montesquieu, é quase tão moderno quanto este, no tocante à separação de poderes. Assinala o pensador inglês a distinção entre os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – e reporta-se também a um quarto poder: a prerrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é mais

uma das funções estatais deve ser conferida a um complexo orgânico denominado poder.160 Instituíram-se, assim, o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, voltados para o desempenho preponderante das funções legislativa, executiva ou administrativa e jurisdicional, respectivamente.

A divisão das atividades gerais ou funções estatais entre os três poderes não é rígida e estanque. Paulo Bonavides salienta que o princípio da separação de poderes representa técnica distributiva de funções distintas entre órgãos relativamente separados, não valendo, porém, “em termos de incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou intransponível”.161

A Constituição de 1988, em seu artigo 2°, estabelece que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si. Embora atribua a tais poderes o exercício predominante das atividades legislativa, executiva ou administrativa e jurisdicional, respectivamente, o texto constitucional prevê temperamentos a essa divisão de funções. Com efeito, o Poder Legislativo exerce função jurisdicional ao julgar o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União, por crimes de responsabilidade, nos termos do artigo 52, incisos I e II, da Constituição de 1988, bem como interfere na função jurisdicional do Poder Judiciário ao conceder anistia, conforme artigo 48, inciso VIII, do texto constitucional. O Poder Legislativo também exerce função executiva ou administrativa ao dispor sobre sua organização e seu funcionamento, nos termos dos artigos 51, inciso IV, e 52, inciso XIII, da Constituição de 1988, bem como interfere na função executiva ou administrativa do Poder Executivo ao sustar atos administrativos normativos que exorbitem do poder regulamentar e ao realizar o controle externo da administração pública, consoante os artigos 49, inciso V, e 70 do texto constitucional. O Poder Executivo exerce função legislativa ao editar medidas

autenticamente vinculado à Constituição inglesa do que o do autor de Do Espírito das Leis” (BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 136).

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Sobre o assunto, José Afonso da Silva esclarece: “A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 113).

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provisórias e leis delegadas, a teor dos artigos 62 e 68 da Constituição de 1988, bem como interfere na função legislativa do Poder Legislativo ao iniciar o processo legislativo, sancionar, promulgar e fazer publicar leis e ao exercer o poder de veto, segundo os artigos 61, § 1°, e 66, § 1°, e 84, incisos III, IV e V, do texto constitucional. O Poder Executivo também interfere na função jurisdicional do Poder Judiciário ao conceder indulto e comutar penas, nos termos do artigo 84, inciso XII, da Constituição de 1988. O Poder Judiciário exerce função legislativa – ou pelo menos normativa – ao efetuar o controle de constitucionalidade abstrato, consoante o artigo 103 da Constituição de 1988, bem como interfere na atividade legislativa do Poder Legislativo ao iniciar privativamente o processo legislativo referente a situações de seu interesse, nos termos dos artigos 93 e 96, inciso II, do texto constitucional. O Poder Judiciário também exerce função executiva ou administrativa ao organizar suas estruturas funcionais, consoante o artigo 96, inciso I, da Constituição de 1988. O Judiciário, de resto, interfere nas funções legislativa e executiva ou administrativa dos demais poderes ao revisar os atos respectivos.162

No âmbito das atividades gerais de legislação, administração e jurisdição, o Estado desempenha atividades específicas. Trata-se de atividades integradas às funções estatais. As atividades estatais específicas nada mais são do que manifestações de uma ou de mais de uma atividade geral do Estado preordenadas à realização de determinado objetivo particular. Podem ser apontadas como tais, por exemplo, a atividade de relacionamento internacional, a atividade financeira, a atividade de controle social, a atividade de gestão administrativa. No

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Sobre o sistema brasileiro de separação de poderes, assinalado pela independência e harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou em alguns julgados ilustrativos: “Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituírem traço marcante de todas as suas formulações positivas os ‘pesos e contrapesos’ adotados” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.046/SP. Requerente: Governador do Estado de São Paulo. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, 15 abr. 2004. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 191, p. 510); “O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Mandado de Segurança n° 23.452/RJ. Impetrante: Luiz Carlos Barreti Junior. Impetrado: Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 16 set. 1999. Diário da Justiça da União, 12 mai. 2000, p. 20); “Separação e independência dos Poderes: critério de identificação do modelo positivo brasileiro. O princípio da separação e independência dos Poderes não possui uma fórmula universal apriorística e completa: por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro, em dogma constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros, o que a estes se há de impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência dos Poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 98/MT. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, 07 ago. 1997. Diário da Justiça da União, 31 out. 1997, p. 55539).

caso, importa destacar uma dessas atividades estatais específicas, a atividade investigatória, no âmbito da qual se insere a investigação criminal, destinada à proteção estatal a direitos fundamentais, tema principal da presente seção.

A investigação estatal, em sentido amplo, consiste em uma atividade por meio da qual o Estado apura fatos que servirão de base para a prática de atos diversos. A atividade estatal investigatória, amplamente considerada, é um conjunto de atos destinado a atingir um conhecimento sobre fatos, o qual serve para subsidiar uma posterior atuação do Estado. Evidencia-se, assim, que a investigação tem um caráter essencialmente instrumental. A atividade estatal investigatória, devido à sua instrumentalidade, reveste-se de singular relevância. Sem ela, o Estado dificilmente desenvolveria suas atividades, gerais ou específicas, e atingiria seus fins. Realmente, a prática de atos voltados a uma eficaz consecução das finalidades estatais pressupõe um prévio e seguro conhecimento dos fatos pertinentes.

Esse conceito amplo de investigação, contudo, devido à imprecisão de seus limites, revela-se pouco operativo na prática. Toda atividade estatal se desenvolve com base em um conhecimento sobre os fatos a ela relacionados, o qual é obtido mediante uma apuração mais ou menos rigorosa. A atividade estatal investigatória estaria, assim, em maior ou menor grau, presente em toda a atuação do Estado.

Faz-se necessário, pois, adotar uma concepção estrita de investigação. Nessa perspectiva, afigura-se pertinente vincular o conceito de atividade estatal investigatória ao objetivo de apuração prévia de ilicitudes. A investigação, assim, caracteriza-se como a atividade por meio da qual o Estado, inicial e provisoriamente, obtém ou reúne elementos sobre a autoria, a materialidade e as demais circunstâncias de atos ilícitos. Cuida-se do conjunto de atos preliminares voltados à produção e colheita de evidências relativas a condutas contrárias a normas jurídicas. Em sentido estrito, a atividade estatal investigatória aproxima-se de sua compreensão comum e torna-se uma ideia com limites mais bem definidos.

A investigação em sentido estrito continua a apresentar caráter instrumental. A atividade estatal investigatória, nesses termos, constitui meio indispensável para que o Estado proteja efetivamente os bens, interesses e valores tutelados por normas jurídicas. Através dela, o Estado conhece a realidade sobre a prática de atos ilícitos, tornando-se apto a adotar medidas preventivas e repressivas contra a violação do direito.

A atividade estatal investigatória, mesmo compreendida de modo estrito, abrange uma ampla variedade de manifestações específicas. Uma classificação da investigação estatal, feita com base no sistema jurídico brasileiro, pode contribuir para um melhor entendimento de suas diversas modalidades.

De acordo com o investigante, a atividade estatal investigatória pode ser legislativa, executiva ou judicial. A investigação legislativa é a realizada pelo Poder Legislativo, podendo-se apontar como exemplos desse tipo de atividade estatal investigatória as apurações das comissões parlamentares de inquérito (artigo 58, § 3°, da Constituição de 1988), o inquérito para apuração de quebra de decoro parlamentar (artigo 25 do Regimento Interno do Senado Federal e artigo 268 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados), o inquérito para apuração de crimes ocorridos nas dependências da Câmara dos Deputados (artigo 269 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados), as inspeções e auditorias realizadas pelos tribunais de contas, órgãos que integram a estrutura do Poder Legislativo (artigo 71, inciso IV, da Constituição de 1988), bem como as sindicâncias destinadas a apurar responsabilidades funcionais de seus agentes públicos. A investigação executiva é a realizada pelo Poder Executivo, podendo-se apontar como exemplos desse tipo de atividade estatal investigatória as diversas inspeções e fiscalizações feitas pelos mais variados órgãos no exercício do poder de polícia administrativa, o inquérito policial (artigo 144 da Constituição de 1988), bem como as sindicâncias destinadas a apurar responsabilidades funcionais de seus agentes públicos. A investigação judicial é a realizada pelo Poder Judiciário, podendo-se apontar como exemplos desse tipo de atividade estatal investigatória as apurações do Conselho Nacional de Justiça, as sindicâncias destinadas a apurar responsabilidades funcionais de seus agentes públicos, os inquéritos para investigação de infrações penais cometidas no interior do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e artigo 58 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça), bem como a apuração de ilícitos penais cometidos por magistrados (artigo 33, parágrafo único, da Lei complementar n° 35/1979). Ao lado das investigações legislativa, administrativa e judicial, cumpre destacar as investigações ministeriais, realizadas pelo Ministério Público, órgão autônomo de difícil enquadramento no âmbito de qualquer dos três poderes, podendo-se apontar como exemplos desse tipo de atividade estatal investigatória o inquérito civil público (artigo 129, inciso III, da Constituição de 1988), os procedimentos investigatórios criminais, inclusive os relativos à apuração de ilícitos penais cometidos por seus membros (artigo 18, parágrafo único, da Lei complementar n° 75/1993 e artigo 41, parágrafo único, da Lei n°

8.625/1993), bem como as apurações do Conselho Nacional do Ministério Público. Existem, ainda, fora do âmbito estatal, as investigações privadas, realizadas por particulares no exercício de seus direitos de liberdade e de acesso à informação, podendo-se citar como exemplos desse tipo de atividade investigatória os levantamentos de dados feitos por vítimas, pelo próprio suspeito, por profissionais do meio jornalístico ou por qualquer interessado.163

Toda investigação levada a efeito pelo Estado, seja legislativa, executiva, judicial ou ministerial, consiste no exercício da função administrativa.164 Ao investigar, o Estado aplica, inclusive de ofício, normas jurídicas gerais e abstratas com o objetivo de satisfazer o interesse público, coletivo ou comunitário. Não se trata de atividade de edição de normas jurídicas gerais e abstratas nem de atividade de concretização do direito em caráter definitivo, o que afasta a investigação estatal das funções legislativa e jurisdicional.165

Conforme a sua finalidade, a investigação, atividade administrativa, pode destinar-se a subsidiar um ato ou uma atividade no âmbito da própria função estatal administrativa ou pode destinar-se a subsidiar um ato ou uma atividade no âmbito das funções estatais legislativa ou jurisdicional. Uma sindicância instaurada para apurar ilícitos funcionais de um agente público preordena-se a servir de base à instauração ou não de um processo administrativo que pode culminar na aplicação de uma sanção disciplinar. De forma

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Deve-se mencionar, ainda, a investigação internacional, levada a efeito pelos órgãos de monitoramento previstos em convenções nos âmbitos dos sistemas global e regional de proteção a direitos humanos, como comitês, comissões e conselhos. Tal atividade investigatória, realizada mediante vários mecanismos, a exemplo de comunicações, relatórios e inspeções, objetiva apurar violações a direitos humanos por parte dos Estados (WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 120-134, 156-161). A análise das particularidades dessa espécie de investigação, que não se caracteriza como uma atividade investigatória propriamente estatal, ultrapassa os limites do trabalho.

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Mesmo os atos investigatórios sujeitos a reserva de jurisdição, para cuja prática se faz necessária prévia autorização judicial, não deixam de ser atos administrativos. A propósito, Bruno Calabrich explica: “Qualquer ato de investigação praticado pelo Estado é um ato administrativo. Certamente não é um ato legislativo, ainda que conduzida a instrução preliminar por autoridade legislativa (e.g. CPI). Tampouco é jurisdicional. Aceitando a premissa de que o Judiciário não pode praticar atos de instrução preliminar, sob pena de violação do princípio acusatório, quando este decide sobre alguma medida investigatória que seja a ele reservada (como uma interceptação telefônica ou uma busca e apreensão domiciliar) apenas estará, no exercício regular da função jurisdicional, autorizando o ente investigante à prática do ato pretendido – ato este que terá natureza administrativa, e não jurisdicional” (CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 67).

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Alguns processos judiciais, como o inquérito para apuração de falta grave, previsto nos artigos 853 a 855 da Consolidação das Leis do Trabalho, e a investigação judicial eleitoral, disciplinada no artigo 22 da Lei complementar n° 64/1990, apesar de suas denominações, não se caracterizam como investigações em sentido estrito, uma vez que não se limitam a uma apuração preliminar de atos ilícitos. Trata-se de processos jurisdicionais, por culminarem em atos de concretização do direito em caráter definitivo. O inquérito para apuração de falta grave é uma ação trabalhista constitutiva negativa, de iniciativa do empregador, que tem por objeto a resolução jurisdicional do contrato de trabalho do empregado estável (LEITE, Carlos Henrique Bezerra.