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2.3 ASPECTOS RELEVANTES DE TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3.4 Limites e restrições a direitos fundamentais

No tocante ao tema dos limites e das restrições aos direitos fundamentais, existem duas teorias: a interna e a externa. Para a teoria interna, não há limites fora do direito fundamental. Existe apenas um único objeto normativo, o direito fundamental em si com seus limites imanentes. Para a teoria externa, há o direito fundamental em si e, fora dele, restrições

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Tratando das colisões entre direitos fundamentais, Wilson Steinmetz ressalta que “o conflito poderá se manifestar como colisão horizontal (indivíduo versus indivíduo; exemplo: liberdade de comunicação versus direitos gerais de personalidade) ou como colisão vertical (indivíduo/particular versus Estado/comunidade; por exemplo: liberdade de comunicação versus segurança pública)” (STEINMETZ, Wilson. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 139).

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SILVA, Virgílio Afonso da. Colisões de direitos fundamentais entre ordem nacional e ordem transnacional. In: NEVES, Marcelo (coord.). Transnacionalidade do direito: novas perspectivas dos conflitos entre ordens jurídicas. São Paulo: Quartir Latin, 2010. p. 101-103.

que eventualmente o afetam. Existem dois objetos normativos distintos, o direito fundamental e suas restrições.125

A teoria interna considera que os direitos fundamentais e os respectivos limites são ínsitos a qualquer posição jurídica. Entende que há apenas o conteúdo definitivo do direito fundamental, que resulta da compreensão do direito devidamente delimitado. Consagra, geralmente, um conceito restrito de âmbito de proteção, reputando-o como correspondente à tutela efetiva do direito fundamental.

A teoria externa considera que os direitos fundamentais e suas restrições são aspectos distintos, uma vez que estas são desvantagens impostas externamente àqueles. Estabelece diferença entre o conceito de direito fundamental prima facie, existente antes da consideração das restrições, e o conceito de direito fundamental definitivo, configurado depois da incidência das restrições. Consagra, em regra, um conceito amplo de âmbito de proteção, mais extenso do que a tutela efetiva dos direitos fundamentais, na medida em que esta resulta da aposição de restrições àquele.

A teoria interna adota algumas estratégias para definir de antemão o conteúdo dos direitos fundamentais. Esses recursos são essencialmente os seguintes: a cláusula de

comunidade, segundo a qual os direitos fundamentais só podem ser invocados se não puserem

em risco as exigências mínimas de vida em sociedade; a tese dos direitos titulados por outros

sujeitos, de acordo com a qual os direitos fundamentais não podem ser exercidos em prejuízo

dos direitos alheios, em afronta a determinados limites de não perturbação; a ideia das leis

gerais, conforme a qual os direitos fundamentais podem ser delimitados por normas

genéricas; a defesa da ordem pública, também chamada de cláusula geral de polícia, consoante a qual os direitos fundamentais não podem prejudicar as condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos; a noção de abuso de direito, segundo a qual não se admite o exercício de direitos fundamentais que contrarie seus fins econômico-sociais; as relações especiais de sujeição, que revelam uma supremacia especial do poder público frente ao particular, o qual, nessas situações, não pode exercer plenamente seus direitos fundamentais; o artigo XXIX, n° 2, da Declaração Universal

dos Direitos Humanos, de acordo com a qual, no exercício de seus direitos, a pessoa se sujeita

aos limites legalmente previstos para assegurar o respeito aos direitos dos outros, bem como

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BOROWSKI, Martin. La estrutura de los derechos fundamentales. Trad. Carlos Bernal Pulido. Bogotá Universidad Extenado de Colombia, 2003. p. 66-69.

para satisfazer as exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.126

A teoria externa não se utiliza de meios que preliminarmente definam o conteúdo dos direitos fundamentais. Admite a possibilidade de que os direitos fundamentais sejam restringidos. No entanto, salienta a necessidade de justificação constitucional das restrições aos direitos fundamentais.

A adoção de um conceito amplo de âmbito de proteção e de suporte fático de direitos fundamentais, derivada da prevalência da tutela desses direitos, os quais entram em colisão entre si em casos concretos, leva à rejeição da teoria interna e à aceitação da teoria externa. As críticas dirigidas à teoria externa – contradição lógica, ilusão desonesta, irrealidade, inflação de pretensões, irracionalidade e insegurança jurídica, liberdade constituída e liberdade negativa, pensamento espacial, argumento simbólico e força legitimadora – derivam, em sua maioria, da desconsideração da diferença, essencial à teoria externa, entre direito fundamental prima facie e direito fundamental definitivo.127 Ademais, a teoria interna, ao defender a ideia de limites imanentes a direitos fundamentais, esquivando-se de considerar e consequentemente justificar eventuais restrições, padece de uma deficiência de fundamentação, em comparação com a teoria externa.128

Há estreita relação entre teoria interna e limite, de um lado, e teoria externa e

restrição, de outro. A propósito, ao tratar da teoria interna, em comparação com a externa,

Alexy ressalta: “Segundo ela, não há duas coisas – o direito e sua restrição –, mas apenas uma: o direito com determinado conteúdo. O conceito de restrição é substituído pelo conceito de limite”.129

A adoção da teoria externa leva à utilização do termo restrição para designar as

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FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 83-138.

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PAULA, Felipe de. A (de)limitação dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 130-139.

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Virgílio Afonso da Silva critica as teorias internas exatamente por excluírem da exigência de fundamentação uma série de atos restritivos de direitos fundamentais: “Nessas teorias a restrição ocorre de forma disfarçada, com base em uma exclusão a priori de condutas, estados e posições jurídicas de qualquer proteção. Como ficou claro ao longo do trabalho, essas teorias, ao excluir de antemão essa proteção, liberam o legislador e o aplicador do direito de qualquer ônus argumentativo” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 253).

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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 277-278.

afetações aos direitos fundamentais. O abandono da teoria interna conduz a que se evite o uso do termo limite para nominar tais ingerências.130

No plano jurídico-positivo, muitas vezes, a constituição mesma prevê possibilidades de restrições a direitos fundamentais. Existem as restrições diretamente constitucionais, que são aquelas estabelecidas pela própria constituição. As restrições diretamente constitucionais normalmente constam do próprio dispositivo do direito fundamental correspondente, como no caso do artigo 5°, inciso IV, da Constituição de 1988, que prevê o direito fundamental à liberdade de manifestação do pensamento, mas restringe a posição jurídica em questão vedando o anonimato. Tais restrições, contudo, podem estar previstas em outros dispositivos constantes do catálogo de direitos fundamentais, como ocorre com o direito fundamental à propriedade, garantido no artigo 5°, inciso XXII, da Constituição de 1988, o qual é restringido pelo princípio da função social da propriedade, previsto no artigo 5°, inciso XXIII, do texto constitucional. Elas também podem ser consagradas em dispositivos constitucionais situados em partes distintas do catálogo de direitos fundamentais, como acontece quanto à possibilidade de suspensão de direitos fundamentais no estado de sítio, conforme artigos 137 a 139 da Constituição de 1988.

Há, por outro lado, as restrições indiretamente constitucionais, que são aquelas cujo estabelecimento a constituição autoriza mediante mera referência a leis infraconstitucionais. As restrições indiretamente constitucionais podem ser previstas por meio de reservas legais simples ou de reservas legais qualificadas. As reservas legais simples, de acordo com Gilmar Ferreira Mendes, exigem “apenas que a restrição seja prevista em lei”.131

Através delas, a constituição não estatui requisitos ou objetivos para a lei restritiva, como ocorre em relação à liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz, a qual é garantida “nos termos da lei”, consoante o artigo 5°, inciso XV, da Constituição de 1988. As reservas legais

qualificadas se configuram quando a constituição fixa pressupostos ou finalidades para a lei

restritiva, como no caso da liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, que é

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O Supremo Tribunal Federal, contudo, em diversos casos, tem-se utilizado da teoria interna, definindo de antemão o conteúdo dos direitos fundamentais por meio da ideia de limites, como ocorreu no caso em que considerou que a publicação de livros com mensagem antissemita constitui crime de racismo: “Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Habeas Corpus n° 82.424/RS. Paciente: Siegfried Ellwanger. Impetrantes: Werner Cantalício e João Becker. Impetrado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, 17 set. 2003. Diário da Justiça da União, 19 mar. 2004, p. 17).

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MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 232.

assegurada desde que “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, nos termos do art. 5°, inciso XII, da Constituição de 1988.132

Existem, ainda, as restrições não expressamente estabelecidas ou autorizadas pela

constituição. Como os direitos fundamentais não são absolutos, entrando em colisão entre e si

e com bens, interesses ou valores coletivos ou comunitários constitucionalmente protegidos, reconhece-se que todos estão sujeitos a restrições, ainda que estas não se encontrem previstas direta ou indiretamente na constituição.133

As restrições a direitos fundamentais também podem ser classificadas em legislativas e aplicativas. As restrições legislativas são realizadas por leis, em caráter geral e abstrato. As

restrições aplicativas são efetivadas por atos específicos e concretos.134 Normalmente, as restrições aplicativas pressupõem as restrições legislativas.