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O atual modelo de investigação criminal brasileiro

3.3 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL

3.3.2 O atual modelo de investigação criminal brasileiro

No atual modelo de investigação criminal brasileiro, existem vários instrumentos de apuração da autoria, da materialidade e das demais circunstâncias dos ilícitos penais.236 No Brasil, a atividade estatal investigatória, em âmbito criminal, realiza-se principalmente por meio do inquérito policial, do termo circunstanciado de ocorrência, das apurações das comissões parlamentares de inquérito, dos procedimentos investigatórios do Ministério Público, dos demais procedimentos administrativos de responsabilidade de diversos órgãos e

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A competência legislativa para definir os contornos do modelo de investigação criminal brasileiro é privativa da União, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988, uma vez que, apesar de a atividade estatal investigatória em âmbito criminal apresentar caráter administrativo, trata-se de matéria concernente ao direito processual penal. A esse respeito, cuidando especificamente do inquérito policial, o Supremo Tribunal Federal já afirmou: “A persecução criminal, da qual fazem parte o inquérito policial e a ação penal, rege-se pelo direito processual penal. Apesar de caracterizar o inquérito policial uma fase preparatória e até dispensável da ação penal, por estar diretamente ligado à instrução processual que haverá de se seguir, é dotado de natureza processual, a ser cuidada, privativamente, por esse ramo do direito de competência da União” (Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.896/SE. Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe. Relator: Min. Cármen Lúcia. Brasília, 04 jun. 2008. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 205, p. 1141).

entidades públicos, bem como dos procedimentos investigatórios judiciais. Existe, ainda, a possibilidade do desenvolvimento de investigações particulares.

O inquérito policial é o principal instrumento de investigação criminal do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se do procedimento administrativo composto por um conjunto de diligências realizadas pela polícia com o objetivo de reunir elementos de convicção relacionados a um ilícito penal. Ele tem por finalidade precípua fornecer ao titular da ação penal base para a formulação de um juízo seguro sobre dedução ou não da pretensão punitiva por meio da acusação.

A Constituição de 1988, em seu artigo 144, estabelece que a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. O texto constitucional se refere expressamente apenas a duas polícias com atribuições de investigação criminal: a polícia federal e as polícias civis. As demais polícias teriam atuação preventiva, objetivando impedir a prática de ilícitos penais, não atuando na correspondente apuração, após sua ocorrência.237

De acordo com o artigo 144, § 1°, incisos I e II, da Constituição de 1988, a polícia federal é responsável por apurar as infrações penais praticadas contra a ordem política e social e os ilícitos penais cometidos em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, assim como outras infrações penais que tenham repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme, cabendo a ela, ainda, prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes, o contrabando e o descaminho. Os inquéritos policiais referentes aos ilícitos penais em questão, pois, são instaurados e conduzidos pela polícia federal por meio dos respectivos delegados.238 Nos termos do artigo

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A Constituição de 1988, em diversas passagens, refere-se, ainda, à polícia das assembleias legislativas (artigo 27, § 3°), da Câmara dos Deputados (artigo 51, inciso IV) e do Senado Federal (artigo 52, inciso XIII). A esse respeito, a Súmula n° 397 do Supremo Tribunal Federal estabelece: “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

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A Lei n° 10.446/2002 estabelece que, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, a polícia federal poderá proceder à investigação das seguintes infrações penais: sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel; relativas à violação de direitos humanos que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportados em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação; quaisquer outros crimes, desde que haja autorização ou determinação do Ministro da

144, § 4°, do texto constitucional, as polícias civis são responsáveis, ressalvadas as atribuições da polícia federal, pela apuração das infrações penais em geral, exceto as militares. Os inquéritos policiais relativos a ilícitos penais que não se incluam na esfera de atuação da polícia federal e que não configurem crimes militares, portanto, são instaurados e conduzidos pelas polícias civis por meio dos respectivos delegados. Os inquéritos militares, destinados a apurar crimes militares, são instaurados e conduzidos pelas polícias militares, pelos corpos de bombeiros militares, pelo Exército, pela Marinha ou pela Aeronáutica, por meio dos respectivos oficiais, conforme a corporação em que as infrações penais em questão tenham ocorrido. Não se pode ignorar, também, que os órgãos de segurança preordenados a uma atuação preventiva – polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias militares –, apesar de não poderem instaurar inquéritos policias, exercem atividade investigatória ao agirem no controle e na vigilância de atividades suspeitas, bem como ao auxiliarem a polícia federal, as polícias civis e inclusive o Ministério Público na apuração de ilícitos penais.239

O inquérito policial pode ser instaurado por portaria ou auto de prisão em flagrante, com base em diversos atos, a teor do artigo 5° do Código de Processo Penal. Nos crimes de ação penal pública incondicionada, o inquérito policial pode ser instaurado: de ofício pela autoridade policial, o delegado de polícia; por requisição do Ministério Público ou do juiz; por requerimento da vítima ou de seu representante legal. Nos crimes de ação penal pública condicionada, o inquérito policial só pode ser instaurado mediante representação do ofendido ou do seu representante legal ou sucessor, bem como mediante requisição do Ministro da Justiça. Nos crimes de ação penal privada, o inquérito policial só pode ser instaurado em face de requerimento do ofendido ou de seu representante legal ou sucessor.

Instaurado o inquérito policial, cabe à polícia realizar as diligências necessárias à apuração dos fatos. Entre os atos instrutórios do inquérito policial, previstos no artigo 6° do Código de Processo Penal, destacam-se os seguintes: apreensão dos objetos relacionados ao

Justiça. Nessas situações, bem como nas hipóteses de tráfico de entorpecentes, especificamente no que tange ao tráfico interno, é possível também a atuação das polícias civis.

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O Superior Tribunal de Justiça já admitiu que a polícia rodoviária federal atue diretamente na investigação de ilícitos penais, realizando inclusive interceptações telefônicas, em auxílio a apuração de crimes cometidos por policiais rodoviários federais. A decisão fundamentou-se no Decreto n° 1.655/1995, que autoriza tal órgão policial a agir na investigação de crimes. A constitucionalidade dessa norma foi objeto de questionamento por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.413/DF, tendo o Supremo Tribunal Federal negado a medida liminar correspondente, mantendo a eficácia da regra (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus n° 45.630/RJ. Paciente: Cláudio da Costa Narcizo. Impetrante: Cláudio da Costa Narcizo. Impetrado: Primeira Turma Especializada do TRF da 2ª Região. Relator: Min. Felix Fischer. Brasília, 16 fev. 2006. Diário da Justiça da União, 10 abr. 2006, p. 242).

ilícito penal; oitiva do ofendido e de testemunhas; inquirição do suspeito; acareações; reconhecimento de pessoas e coisas; realização de perícias; averiguação das condições pessoais dos suspeitos.240 Investigações complexas podem exigir providências mais sofisticadas como: realização de busca e apreensão domiciliar, mediante prévia autorização judicial (artigos 240 a 250 do Código de Processo Penal); obtenção e análise de dados fiscais, mediante prévio afastamento judicial do sigilo respectivo (artigo 198, § 1°, inciso I, do Código Tributário Nacional); obtenção e análise de dados bancários, mediante prévio afastamento judicial do sigilo respectivo (artigo 1°, § 4°, da Lei complementar n° 105/2001); obtenção e análise de dados telefônicos, mediante prévio afastamento judicial do sigilo respectivo (artigo 3°, inciso V, da Lei n° 9.472/1997); e realização de interceptação de comunicações telefônicas, mediante prévia autorização judicial (Lei n° 9.296/1996). A apuração de ilícitos penais praticados no âmbito de organizações criminosas envolve medidas específicas, previstas no artigo 2° da Lei n° 9.034/1995, a saber: a ação controlada, consistente no retardamento da atuação policial a fim de que ela se concretize no momento mais oportuno; a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e o seu registro e análise, mediante prévia autorização judicial; e a infiltração de agentes no grupo criminoso, mediante prévia autorização judicial.241 Um dos atos policiais relevantes eventualmente praticados no decorrer do inquérito consiste no indiciamento, definido como a imputação a alguém, no decorrer do procedimento investigatório, como resultado de uma convergência de indícios, do cometimento de um ilícito penal.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 10, estabelece o prazo geral de dez dias para o encerramento do inquérito policial, em caso de indiciado preso, e de trinta dias para tanto, em hipótese de indiciado solto. Existem, contudo, prazos especiais. Inquéritos sobre crimes contra a economia popular devem se encerrar em dez dias, esteja o indiciado preso ou solto (artigo 10, § 1°, da Lei n° 1.521/1951). Inquéritos sobre crimes de tráfico de entorpecentes devem se encerrar em trinta ou noventa dias, se o indiciado estiver preso ou

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A Lei n° 11.340/2006, que cuida da proteção à mulher contra a violência doméstica e familiar, em seus artigos 11 e 13, prevê atos específicos a serem praticados pela polícia nos inquéritos referentes aos crimes tratados por tal diploma normativo.

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Medidas semelhantes às dispostas na Lei n° 9.034/1995 são previstas para a investigação de crimes de tráfico ilícito de drogas, conforme artigo 53 da Lei n° 11.343/2006, o qual estabelece que, em qualquer fase da persecução criminal relativa a tal espécie de delitos, são permitidos, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público: a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; e a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

solto, respectivamente (artigo 51 da Lei n° 11.343/2006). Inquéritos em trâmite na Justiça Federal devem se encerrar em quinze dias, se o indiciado estiver preso, ou em trinta dias, se ele estiver solto (artigo 66 da Lei n° 5.010/1966). De acordo com o Código de Processo Penal, eventuais prorrogações de prazo devem ser solicitadas ao juiz.

Terminada a investigação criminal por meio do inquérito policial, os autos respectivos são analisados pelo titular da ação penal, o Ministério Público, em caso de ação penal pública, ou o ofendido ou seu representante legal ou sucessor, em caso de ação penal privada.242 Nas hipóteses de ação penal pública, que são a grande maioria, o Ministério Público pode oferecer denúncia, deduzindo a pretensão punitiva em juízo, requerer o retorno do inquérito à polícia para diligências complementares que esclareçam melhor os fatos, segundo o artigo 16 do Código de Processo Penal, ou promover o arquivamento do feito perante o juízo correspondente. No caso do oferecimento de denúncia, o juízo a recebe, dando início ao processo penal, ou a rejeita. No caso do arquivamento, o juízo homologa a promoção ministerial ou, dela discordando, submete a situação ao exame definitivo do órgão superior do Ministério Público, conforme artigo 28 do Código de Processo Penal. O inquérito policial arquivado pode ser desarquivado caso surjam notícias de novas provas, conforme artigo 18 do Código de Processo Penal.243

O inquérito policial é um procedimento inquisitivo, escrito (artigo 9° do Código de Processo Penal) e sigiloso (artigo 20 do Código de Processo Penal). Sua instauração e sua conclusão não são imprescindíveis ou indispensáveis, uma vez que, se o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para tanto, pode deduzir a pretensão punitiva em juízo independentemente de prévia investigação criminal.244 O inquérito policial tem valor

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Walter Nunes da Silva Júnior considera que as ações penais privadas não se compatibilizam com um sistema processual penal democrático. O autor ressalta que, “caso a conduta ilícita atinja a esfera de intimidade de uma pessoa individualizada ou de sua família, não é o caso de a ação penal ser de iniciativa privada, mas sim, em homenagem ao princípio do Direito Penal mínimo – cláusula reitora de todo sistema democrático –, de não ser tipificada como crime. Partindo do pressuposto de que todos os crimes previstos em nosso ordenamento jurídico possuem como conduta típica agressões que, a despeito de praticadas contra uma pessoa individualizada, afrontam a coletividade em seu todo, a falta de sintonia da ação de iniciativa privada com a ordem democrática manifesta-se em razão de essa legitimidade postulatória afastar a tutela do interesse da coletividade quanto ao caso, além de conferir guarida ao desejo de punir do particular” (SILVA JÚNIOR, Walter Nunes. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 602). A compatibilização entre a necessidade de resguardo da intimidade da vítima e o interesse público, coletivo ou comunitário na persecução penal poderia ocorrer mediante a previsão de ações penais públicas condicionadas à representação.

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A Súmula n° 524 do Supremo Tribunal Federal estabelece: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

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O Supremo Tribunal Federal tem decidido que “não se faz imprescindível a instauração, preliminar, de um inquérito policial para que se inicie a ação penal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Inquérito n°

simplesmente informativo, servindo de subsídio para que o titular da ação penal apresente ou não, com segurança, a pretensão punitiva em juízo. Apenas excepcionalmente, elementos colhidos ou formados durante o inquérito policial, especificamente provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, como documentos e perícias, apresentam valor probatório no processo penal (artigo 155 do Código de Processo Penal).245 Em face dessa autonomia do inquérito policial, seus eventuais vícios não contaminam a ação penal a que serve de base; trata-se de meras irregularidades que não importam em nulidades processuais.246

No inquérito, a polícia tem atuação destacada. As diligências que compõem o procedimento investigatório em questão são realizadas diretamente por ela. O delegado de polícia, designado como autoridade policial, é responsável pela presidência e pela condução do inquérito. Ele é auxiliado por outros servidores públicos, como agentes de polícia, inspetores, escrivães e peritos. A polícia, por meio do delegado, não somente instrui o inquérito policial, mas também formula representações em que solicita a decretação judicial de medidas cautelares, geralmente restritivas de direitos fundamentais, de interesse da investigação.247

O Ministério Público é, em regra, o titular da ação penal e o destinatário dos elementos colhidos ou formados durante o inquérito policial. O órgão ministerial pode requisitar a instauração do inquérito, não sendo lícito à polícia recusar-se a fazê-lo. O Ministério Público acompanha todo o desenvolvimento da investigação, mesmo quando não tenha requisitado sua instauração, manifestando-se inclusive sobre as prorrogações de prazo

2.677/BA. Requerente: Ministério Público Federal. Relator: Min. Ayres Britto. Brasília, 12 ago. 2010. Diário da Justiça Eletrônico, 21 out. 2010).

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O Supremo Tribunal Federal entende, no entanto, que os dados informativos do inquérito policial apresentam valor probatório quando complementados por provas produzidas na instrução processual: “Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus n° 102.473/RJ. Paciente: José Lima Antunes de Macedo. Impetrante: Paulo Roberto de Almeida David. Impetrado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Ellen Gracie. Brasília, 12 abr. 2011. Diário da Justiça Eletrônico, 29 abr. 2011).

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A propósito, o Supremo Tribunal Federal, em seus julgados, afirma: “Os vícios eventualmente existentes no inquérito policial não contaminam a ação penal, que tem instrução probatória própria” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 687.893/PR. Agravante: Roberto Teixeira Duarte. Agravado: Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 26 ago. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, 18 set. 2008).

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Tem-se sustentado que a polícia não apresenta legitimidade para a postulação de medidas cautelares, geralmente restritivas de direitos fundamentais submetidos a reserva de jurisdição, perante o juiz, no contexto do modelo processual penal acusatório brasileiro. Apenas o Ministério Público, titular da ação penal, teria legitimidade para tanto. As representações policiais, nesse âmbito, deveriam, pelo menos, ser previamente encampadas pelo órgão ministerial, sob pena de inadmissão ou indeferimento (SARAIVA, Welington Cabral. Legitimidade exclusiva do Ministério Público para o processo penal cautelar. In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (Coord.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 151-170).

do inquérito policial. Para formular seu juízo sobre a dedução ou não de pretensão punitiva por meio da acusação, o órgão ministerial pode e deve requisitar diligências à polícia, no início, no meio ou no fim do inquérito. Ademais, o Ministério Público exerce o controle externo da atividade policial, nos termos do artigo 129, inciso VII, da Constituição de 1988. Por isso, o órgão ministerial deve assumir a função de verdadeiro coordenador das investigações realizadas no âmbito do inquérito policial. O Ministério Público pode requerer a decretação judicial de medidas cautelares, geralmente restritivas de direitos fundamentais, de interesse da investigação. Há de manifestar-se previamente quando tais providências tenham sido solicitadas pela polícia.248

No modelo processual penal brasileiro, caracterizado como acusatório, o juiz deve ter interferência mínima no inquérito policial.249 Durante a investigação criminal, o juiz há de restringir-se a adotar medidas cautelares, em regra restritivas de direitos fundamentais submetidos a reserva de jurisdição.250 Por isso, é questionável a conformidade constitucional dos dispositivos do Código de Processo Penal que preveem a possibilidade de requisição de instauração de inquérito policial pelo juiz (artigo 5°, inciso II), de prorrogação de prazo de inquérito policial pelo juiz (artigo 10, § 3°) e de controle do arquivamento do inquérito policial pelo juiz (artigo 28).251 O juiz deve permanecer alheio à apuração preliminar dos fatos.252 Juiz não investiga; apenas, em âmbito processual, colhe provas e julga.253

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De acordo com a Súmula n° 234 do Superior Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público que atuar na fase de investigação criminal pode acusar e agir no processo penal correspondente: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.

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Ao se referir à investigação criminal, Eugênio Pacelli de Oliveira ressalta: “O juiz, nesta fase, deve permanecer absolutamente alheio à qualidade da prova em curso, somente intervindo para tutelar violações ou ameaças de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para resguardar a efetividade da função jurisdicional, quando, então, exercerá atos de natureza jurisdicional” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 41).

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De acordo com o sistema processual penal acusatório consagrado no artigo 129, inciso I, da Constituição de 1988, mesmo as medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais submetidos a reserva de jurisdição, no curso do inquérito policial, somente podem ser adotadas pelo juiz se houver requerimento ou pelo menos manifestação favorável do Ministério Público. Os dispositivos legais, como os artigos 127, 242 e 311 do Código de Processo Penal e o artigo 3° da Lei n° 9.296/1996, que preveem a possibilidade de realização de tal tipo de providência de ofício pelo juiz ou com base apenas em representação policial são inconstitucionais, representando resquícios inquisitoriais do modelo processual penal brasileiro (TENÓRIO, Rodrigo Antonio. A ineficiência gerada pela tradição inquisitorial: estudo dos sistemas brasileiro, americano e italiano. Curitiba: