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Restrições à liberdade de manifestação do pensamento

4.1 A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO COMO

4.1.3 Restrições à liberdade de manifestação do pensamento

A Constituição de 1988 sujeita a liberdade de manifestação do pensamento a restrições diretamente constitucionais, bem como a restrições indiretamente constitucionais, estabelecendo reservas legais simples e qualificadas. Ademais, o direito fundamental em questão também se submete a restrições implicitamente constitucionais.

O artigo 5°, inciso IV, do texto constitucional estatui que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A vedação ao anonimato apresenta-se, assim, como uma restrição diretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Todo aquele que pretenda exteriorizar suas concepções ou representações mentais tem o ônus de identificar-se, a fim de que seja possível sua responsabilização por eventuais abusos, bem com para que seja viável a aferição da credibilidade da sua divulgação de ideias.

O artigo 5°, inciso V, da Constituição de 1988 estabelece que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. O dispositivo em questão prevê duas restrições diretamente constitucionais à liberdade de manifestação do pensamento: o direito de resposta e a reparação civil de danos. O direito de resposta concede ao ofendido por qualquer manifestação do pensamento, seja através dos meios de comunicação de massa, seja em situações comuns, a faculdade de defender-se de modo proporcional ao ataque sofrido.318 A reparação civil atribui ao

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O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a previsão, pela Lei n° 8.069/1990, da pena de suspensão da programação de emissora por até dois dias, bem como de publicação de periódico por até dois números, para o caso de divulgação de nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a quem se atribua ato infracional. Entendeu-se que a sanção em referência constituiria impedimento à liberdade de manifestação do pensamento, vedada constitucionalmente, mantendo-se as penas de multa e de apreensão da publicação (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 869/DF. Requerente: Procurador-Geral da República. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, 04 ago. 1999. Diário da Justiça da União, 04 jun. 2004, p. 28).

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A propósito, Celso Ribeiro Bastos afirma: “O direito de resposta, na forma em que a Constituição o assegura, não está vinculado a lesões provenientes apenas de determinados meios de comunicação. É inerente ao processo de informação e, portanto, deverá ser assegurado em quaisquer das modalidades sob as quais esta se dá. Com essa amplitude, ele é não apenas exercitável na imprensa falada, escrita ou televisionada, mas inclusive diretamente, se for o caso, com em uma assembleia, por exemplo” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2. p. 46). A Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no caso Miami Herald Publishing Co. versus Tornillo, de 1974, considerou inconstitucional uma lei do Estado da Flórida que previa o direito de resposta em favor de candidatos a cargos públicos atacados pela imprensa, reputando-a como uma

prejudicado por excessos na manifestação do pensamento o direito de ser ressarcido ou compensado por danos materiais ou morais que tenha suportado.319

Os artigos 137, inciso II, e 138 da Constituição de 1988, que tratam da decretação do estado de sítio, estabelecem restrição diretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. De acordo com tais dispositivos, quando o estado de sítio for decretado por guerra ou resposta armada a agressão estrangeira, poderão ser suspensas quaisquer garantias constitucionais, inclusive a liberdade de manifestação do pensamento.320

O artigo 223 da do texto constitucional prevê restrição diretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Tal preceito somente permite a exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e de imagens mediante prévia concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo, que deve ser submetida a posterior aprovação do Congresso Nacional.

O § 4° do artigo 220 da Constituição de 1988 prevê, ao mesmo tempo, restrição diretamente constitucional e restrição indiretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Tal norma dispõe que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do § 3°, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes do seu uso. Ao consagrar a obrigação de avisos sobre os males causados pela utilização dos produtos em questão, o dispositivo estabelece restrição diretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Ao se referir a restrições legais semelhantes às do parágrafo anterior, o preceito estatui restrição indiretamente constitucional,

ingerência indevida na liberdade de manifestação do pensamento (HALL, Kermit L.; ELY JR., James W. The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2009. p. 219). No Brasil, a discussão resta afastada em virtude da expressa previsão constitucional do direito de resposta como restrição ao direito fundamental em questão.

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Os deputados e senadores têm inviolabilidade parlamentar, não respondendo civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos, nos termos do artigo 53 da Constituição de 1988. Para que a inviolabilidade incida, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário que a manifestação do pensamento apresente “nexo de causalidade com o exercício da atividade legislativa” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Inquérito n° 1.775/PR. Agravante: Giovani Gionédis. Agravado: Roberto Requião. Relator: Min. Nelson Jobim. Brasília, 21 nov. 2001. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 191, p. 448).

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Costuma-se estabelecer uma diferença entre direitos fundamentais e garantias, afirmando-se que as disposições constitucionais sobre os primeiros são finalísticas, declaratórias, principais ou diretamente referentes à pessoa, enquanto as disposições constitucionais sobre as segundas são instrumentais, assecuratórias, acessórias ou diretamente referentes ao Estado. No entanto, na realidade, não há diferença substancial entre direitos fundamentais e garantias. Como ressalta Antônio Sampaio Dória, “os direitos são garantias, e as garantias são direitos, ainda que procure distingui-los (DÓRIA, Antônio Sampaio. Direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1953. t. II. p. 257).

prevendo uma reserva legal qualificada, uma vez que existe alusão aos pressupostos e objetivos da lei restritiva.321

O artigo 221 do texto constitucional, do mesmo modo, prevê restrições diretamente constitucionais e restrição indiretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Tal preceito estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Quase todos os princípios em questão representam restrições diretamente constitucionais à liberdade de manifestação do pensamento. Apenas o princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística consiste em restrição indiretamente constitucional ao direito fundamental em questão, uma vez que os respectivos percentuais devem ser estabelecidos em lei, estando-se diante de uma reserva legal qualificada, pois há indicação da finalidade da lei restritiva.

O artigo 222 da Constituição de 1988 prevê, igualmente, restrição diretamente constitucional e restrição indiretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. Ao dispor sobre a obrigatoriedade de controle de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e de imagens por brasileiros, em seus §§ 1°, 2°, 3° e 5°, o preceito estatui restrição diretamente constitucional a esse direito fundamental. Ao estabelecer que a lei disciplinará a participação do capital estrangeiro nas empresas em questão, o dispositivo consagra restrição indiretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. No caso, está-se diante de reserva legal qualificada, por haver menção a requisitos e finalidades da lei restritiva.

Os artigos 137, inciso I, e 139, inciso III, do texto constitucional, que versam sobre o estado de sítio, estatuem restrições indiretamente constitucionais à liberdade de manifestação do pensamento. Segundo esses preceitos, quando o estado de sítio for decretado por comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia das medidas adotadas durante o estado de defesa, poderão ser feitas restrições à prestação de

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A publicidade governamental, como forma de exercício da liberdade de manifestação do pensamento, encontra-se sujeita à restrição diretamente constitucional prevista no artigo 37, § 1°, da Constituição de 1988: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei, admitindo-se a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas casas legislativas, desde que liberados pela respectiva mesa. Como não há previsão de requisitos ou finalidades para a lei restritiva, está-se diante de reserva legal simples.

O artigo 220, § 3°, da Constituição de 1988 estabelece restrição indiretamente constitucional à liberdade de manifestação do pensamento. O dispositivo estatui que compete à lei federal: regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (inciso I); e estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que não observem os princípios constitucionais pertinentes, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (inciso II). Está-se diante de reserva legal qualificada, uma vez que há referência a pressupostos e objetivos da lei restritiva.

Além disso, a liberdade de manifestação do pensamento, como direito fundamental, sujeita-se a restrições implicitamente constitucionais. Essas restrições decorrem da obrigatoriedade de consideração de outros direitos fundamentais,322 assim como de bens, interesses ou valores coletivos ou comunitários constitucionalmente protegidos.323 Diversos direitos fundamentais podem colidir com a liberdade de manifestação do pensamento, exigindo que se realizem ponderações diante de casos concretos.324 Tem sido bastante comum

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A própria liberdade de manifestação do pensamento de uma pessoa pode constituir fundamento para a restrição à liberdade de manifestação do pensamento de outra. Isso foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, em 1969, no caso Blinkfüer, em que a corte considerou ilícito o boicote promovido pelos conglomerados empresariais Axel Springer e Die Welt contra o pequeno semanário Blinkfüer (MARTINS, Leonardo (Introdução e organização, coletânea original de Jürgen Schwabe). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer, 2005. p. 400-409).

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As restrições à liberdade de manifestação do pensamento com base em bens, interesses ou valores coletivos ou comunitários constitucionalmente previstos ocorrem, em regra, nas relações especiais de sujeição, como nos casos dos servidores públicos que trabalham com informações sigilosas ou privilegiadas (artigo 5°, inciso XXXIII, artigo 37, § 7°, da Constituição de 1988), dos militares, em razão da hierarquia e da disciplina a que estão submetidos (artigo 142, incisos IV, X e X, da Constituição de 1988), e dos presos, que têm o direito fundamental em questão restringido por questões de segurança pública (artigo 6°, caput, e 144 da Constituição de 1988).

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Em conhecido julgado, o Supremo Tribunal Federal considerou que a liberdade de manifestação do pensamento não se sobrepõe à proibição ao racismo, consagrada no artigo 5°, inciso XLII, da Constituição, reputando como crime previsto no artigo 20 da Lei n° 7.716/1989 a publicação de livros que divulguem ideias antissemitas: “As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Habeas Corpus n° 82.424/RS. Paciente: Siegfried Ellwanger. Impetrantes: Werner

a colisão entre a liberdade de manifestação do pensamento e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevista no artigo 5°, inciso X, da Constituição de 1988.325

No caso, cumpre delimitar a análise a uma das restrições à liberdade de manifestação do pensamento. Trata-se da vedação ao anonimato.