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Ética do discurso, democracia, deliberação pública e comunicação Pública

interlocutores e perspectivas

Ética do discurso, democracia, deliberação pública e

comunicação Pública

Habermas (1997b, 2003) propõe uma teoria da comunicação como uma teoria crítica da sociedade, de modo que a ação comunicativa entre os interlocutores sociais seja analisada segundo suas relações. Ele definiu a ética do discurso como princípios e normas práticas que auxiliam os indivíduos com pontos de vista diferentes e em conflito a discutirem e negociarem em torno de uma questão moral. De acordo com esses princípios, uma norma só poderia ser verdadeiramente conveniente para um sujeito se todos os participantes da discussão chegassem ao consenso de adequação, que levasse a ser legitimada, discursivamente, pela argumentação.

O que pretende Habermas é o fim da arbitrariedade e da coerção nas questões que circundam toda a comunidade, propondo uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadãos nos conflitos que os envolvem para assim alcançar a desejada justiça. Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se ramifica no discurso. A teoria

discursiva habermasiana é também aplicada à filosofia jurídica e pode ser considerada em prol da integração social e, por conseguinte, da democracia e da cidadania. Partindo de uma postura crítica, Habermas afirma haver evidências de que o sistema administrativo “só pode operar num espaço muito estreito; parece que ele age mais no nível reativo de uma política que tenta contornar crises do que de uma política que planeja” (Habermas, 1997a, p. 61). Tais críticas permanecem atuais e por isso apontam à tendência mundial de iniciativas rumo à democracia deliberativa.

Na área da Comunicação Social, Ângela Marques (2010) constata que as pesquisas que procuram discutir as relações entre os meios de comunicação e os processos de participação, de inclusão e de luta contra as injustiças (sobretudo referentes a grupos minoritários e movimentos sociais) buscam como referência os estudos sobre o processo deliberativo. Em

Direito e democracia, Habermas (1997b) aborda duas vias para a concretização do processo

da opinião e da vontade: uma via institucional, que se materializa como leis e políticas, que seria o modo fundamental de funcionamento de cortes judiciais, tribunais e corpos parlamentares. A outra via, não institucionalizada, informal ou autônoma, como uma esfera livre para o exercício de argumentos e pontos de vista para gerar a opinião pública, que não tem propriamente um sujeito: a deliberação pública.

Os resultados da política deliberativa podem ser entendidos como um poder produzido comunicativamente, o qual concorre com o potencial de poder de atores que têm condições de fazer ameaças, e com o poder administrativo que se encontra nas mãos de funcionários (Habermas, 1997a, p.73).

As democracias modernas expandiram o exercício da deliberação para diversas comunidades, em que todos são idealmente considerados politicamente iguais, qualquer que seja sua religião, posição social ou nível educacional. Na prática é sabido que líderes

frequentemente manipulam dicas ou sugestões para alcançar objetivos políticos pessoais. Marques (2010) afirma que nem sempre os meios de comunicação promovem os processos argumentativos, uma vez que os filtros e constrangimentos por eles impostos, ao hierarquizar conteúdos e fontes, por exemplo, podem gerar vários pontos de ruptura entre os diferentes contextos do processo deliberativo.

Por outro lado, os estudos da Comunicação Pública têm sido marcados pela multiplicidade de teorias e conceitos que privilegiam um ou outro dos atores concernidos no processo, e não as interações entre eles (Heloiza Matos 1999, 2006, 2009, 2011).

A comunicação pública tem sido compreendida como sinônimo de comunicação governamental. O entendimento da comunicação pública como espaço da/para a sociedade organizada é relativamente recente (Matos, 2009 p.102).

A questão do crack e a desocupação da Cracolândia, como observado neste estudo, estão sendo conduzidos majoritariamente pela segurança pública e, portanto, a comunicação pública como espaço social, como propõe Matos (2009), deve ou deveria constituir-se em peça central, não apenas nos momentos de crise, como para orientar públicos interno e externo.

Enquadramento

O conceito de “enquadramento” (framing), enfoque relativamente recente nas

pesquisas sobre o papel dos meios de comunicação em processos políticos, tem atingido proeminência e popularidade. Como lembra Mauro Porto (2007), os enquadramentos não se referem necessariamente a processos de manipulação, mas são parte de qualquer processo comunicativo, uma forma inevitável por meio da qual os atores dão sentido às suas experiências.

O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de maneira a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (Entman apud Porto, 2007, p.117).

Mauro Porto (2007) argumenta que o enfoque tradicional é insuficiente para o estudo da relação entre mídia e política, devido principalmente às limitações do “paradigma da objetividade”. Os conceitos de parcialidade e objetividade e as noções correlatas de desequilíbrio, distorção, deturpação constituem um suporte teórico frágil, um paradigma em declínio. Uma proposição para fazer avançar a investigação do papel da mídia é a substituição do conceito de parcialidade pelo de orientação estruturada, que inclui alguns aspectos da ideia de parcialidade, mas é mais abrangente, incluindo orientações e relações sistemáticas que estruturam os relatos noticiosos.

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Comunicação pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas

Estabelecendo um caminho didático em dois passos para o uso das noções de enquadramento, Porto (2004, p.105) sugere dois grandes blocos de enquadramentos principais: (1) o enquadramento noticioso, resultado de escolhas feitas por jornalistas quanto ao formato das matérias, tendo como consequência a ênfase seletiva em determinados aspectos de uma realidade percebida; (2) e o enquadramento interpretativo, elaborado por atores políticos e sociais, no qual cabe a recomendação importante de identificar as avaliações apresentadas pelas fontes que são citadas pelos jornalistas. Trata-se, aqui, da identificação das principais controvérsias e dos enquadramentos a elas relacionados.

O conceito de enquadramento permite entender o processo político como uma disputa por fazer prevalecer uma interpretação na formação, desenvolvimento e resolução de controvérsias políticas. A capacidade de influenciar os processos de enquadramento da mídia difere entre os diversos atores sociais, com as fontes oficiais do governo tendendo ao predomínio. Não obstante, movimentos sociais podem também ser beneficiados por enquadramentos noticiosos.

Além de influenciarem a mídia com seus próprios argumentos, apesar de sua posição de desvantagem em relação às fontes oficiais, movimentos sociais podem também ser beneficiados por enquadramentos noticiosos (Porto, 2004, p.94).

O enquadramento, na qualidade de eixo discursivo e temático, agrupa pontos de vista, evidenciando tensões e facilitando a contraposição de argumentos. Marques (2010) apresenta algumas perspectivas discursivas que podem ser observadas na análise dos enquadramentos:

a) Quem fala: quais são os atores sociais que tiveram suas vozes citadas na mídia? b) Quais foram os principais pontos de vista citados?

Com relação às estruturas discursivas, Marques propõe as seguintes questões: a) Houve conflito entre perspectivas distintas?

b) Houve uso de argumentos pejorativos e o reforço de estereótipos? Com relação aos processos discursivos:

a) Como o debate se desenvolve ao longo do tempo? (argumentos que permanecem e somem)

b) Como os discursos são construídos? Sob ponto de vista dos direitos e das dificuldades?

De posse das colocações de Porto (2004) e das formulações de Marques (2010), passamos a identificar os enquadramentos por meio da análise de conteúdo.