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Variados recursos comunicativos e as transformações nos padrões de engajamento cívico dos cidadãos estão exigindo que as estratégias e políticas de comunicação organizacionais levem em conta as demandas públicas, na atualidade.

Tais demandas são crescentes e complexas, como a relacionada à saúde pública, cujas ações voltadas ao seu suprimento não podem mais ficar restritas ao governo. Assim, pode-se considerar que uma alternativa eficaz é representada por alianças entre o poder público, as empresas e o terceiro setor, que se constituem como alternativa para suprir, ao menos em parte, tais demandas.

A participação da sociedade torna-se fundamental nessa questão e sua importância pode ser identificada por meio, por exemplo, da constituição dos Conselhos Municipais de Saúde, previstos pela Constituição de 1988, que, conforme Gerschman (2004), são formados por representantes do governo, prestadores de serviços públicos, privados e filantrópicos, representantes dos profissionais de saúde e das comunidades usuárias dos serviços de saúde pública e que podem ser indicativas de ações organizacionais, que contribuem com questões de ordem pública.

Gerschman (2004, p.1670 e 1671) lembra que, no que se refere às comunidades usuárias, a lei nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990 define que “a representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos”.

Contudo, ainda falta maturidade democrática para que tais representantes atuem com vistas ao interesse público. Além disso, conforme Gerschman (2004):

Ainda que a relação entre representantes e representados aconteça via reuniões, periódicos ou meios de comunicação próprios das entidades, o envolvimento das comunidades, como uma forma de interferir na gestão pública é baixo, dada a descrença sobre a contribuição que os Conselhos podem dar para a melhoria das condições de saúde da população. O papel dos representantes no

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Conselho torna-se de difícil efetivação, dada a ausência de papel político e de inserção em algum tipo de militância que sustente e respalde a atuação do conselheiro. A estas carências se soma a falta de um conhecimento técnico especializado sobre o setor da saúde que permita aos conselheiros deliberar sobre assuntos apresentados pelos secretários municipais.

Ao mesmo tempo, iniciativas governamentais isoladas têm se revelado ineficientes diante das demandas da população. Assim, cada vez mais a participação de empresas e da sociedade civil organizada torna-se fundamental.

Contudo, se aqui defendo a importância da comunicação organizacional alinhada com a comunicação pública, ou seja, a comunicação voltada ao interesse público, é preciso entender até que ponto as iniciativas das empresas nas suas ações de responsabilidade social são definidas com base nas manifestações dos grupos sociais com os quais se relacionam.

Evidentemente, tal definição exige uma política de comunicação organizacional que entenda os grupos sociais e indivíduos como sujeitos interlocutores, cidadãos, que têm percepção de suas necessidades e querem que as organizações, sejam elas públicas ou privadas, contribuam efetivamente com a sociedade, não apenas para sua autopromoção, garantindo ganhos para sua imagem, reputação e marca, mas que tragam reais benefícios para todos.

Há iniciativas de empresas que parecem seguir tal orientação, criando canais de comunicação para que as comunidades internas e externas se manifestem sobre suas reais necessidades, inclusive indicando ações que se transformam em projetos sociais de grande impacto.

Para exemplificar, um levantamento realizado nas edições de 2010 e 2011 do Guia Exame de Sustentabilidade, que indica as empresas-modelo em responsabilidade social corporativa, revela que há um conjunto de empresas que têm investido cada vez mais em saúde e meio ambiente, a partir de projetos desenvolvidos junto aos seus stakeholders.

Nessa perspectiva, as ações voltadas à saúde não se referem apenas a ações paliativas, mas principalmente preventivas, já que cuidar do meio ambiente traz benefícios para o bem-estar de todos.

Conforme publicado na edição de 2010 do Guia Exame de Sustentabilidade, a Amanco, uma das maiores fabricantes de tubos e conexões do mundo, por exemplo, não comercializa produtos que oferecem riscos para a saúde pública ou derivados de combustível fóssil. O mesmo ocorre com a Anglo American – empresa mineradora, que expõe suas ações que contribuem com a saúde pública, além de assegurar que seus investimentos sociais são definidos junto com a população beneficiada pelas ações. “A participação da comunidade nas discussões das propostas tem sido crescente”, confirma a edição do Guia Exame de Sustentabilidade de 2010 (p.134).

Na mesma edição (p.140), outra empresa que divulga que não fabrica produtos que representem riscos à saúde ou causem dependência química ou psíquica é a Bunge. Na edição de 2011 do Guia Exame de Sustentabilidade a preocupação com a saúde volta a ser

reforçada em ações promovidas por parte das empresas que constam como modelo em responsabilidade social corporativa no Brasil.

A Anglo American integra novamente a lista das empresas-modelo e reforça que “mais de 80% dos processos são cobertos por sistemas de gestão de saúde e segurança do trabalho certificados” (2011, p.140).

Em 2011, a Embraco, especializada na fabricação de compressores, afirma promover “iniciativas de desenvolvimento sustentável na comunidade do entorno, levando em consideração as peculiaridades locais” (p.154). Apesar de não fazer alusão direta à questão da saúde, chama a atenção a indicação de que o investimento social que realiza seja precedido de consultas às comunidades envolvidas, para identificar as necessidades e fortalecer a organização comunitária.

Essa mesma conduta parece nortear as ações do Laboratório Sabin, de Brasília, também na lista de 2011, quando assegura que seus “investimentos sociais são precedidos de consultas às comunidades afetadas pela iniciativa e levam em conta o potencial de autossuficiência financeira dos projetos e a aprendizagem gerada pela iniciativa para a formulação e o aprimoramento de políticas públicas” (p.176).

No caso do Sabin, por ser uma empresa que atua com serviços de saúde, suas ações muitas vezes são relacionadas aos serviços que presta, como é o caso do programa “Eu cuido dos meus pais”, que permite a cada funcionário, no mês de seu aniversário, oferecer um check-up de saúde completo aos pais, sem custo.

Além da preocupação com o bem-estar dos funcionários e suas famílias, o Sabin também estende sua preocupação com a qualidade de vida à comunidade, com projetos nas áreas de saúde, educação e esporte.

Entretanto, muitas vezes as ações de responsabilidade social voltadas à saúde pública ainda não são as prioritárias. É possível, no entanto, que a necessidade primeira identificada pelas empresas não tenha relação direta com problemas de saúde pública. Ou ainda, a própria população, mesmo tendo possibilidade de indicar os projetos que devem contar com o apoio das empresas, não se manifeste sobre tal questão, até por considerar que saúde pública é de responsabilidade exclusiva do governo.

Ao mesmo tempo, há empresas que temem vincular sua marca a iniciativas públicas, dada a falta de confiança generalizada na política e nos políticos. Além disso, algumas são receosas de que a responsabilidade por questões públicas, como as relacionadas à saúde, possam ser integralmente transferidas como responsabilidade das empresas, fazendo que o governo se isente de seu papel.

Assim, além de procurar vencer as barreiras que se apresentam no estabelecimento de parcerias, seja pela falta de confiança, de transparência, de ética entre os atores, é preciso deixar clara a responsabilidade e a contribuição que cada um, com suas próprias características, é capaz de assumir junto à sociedade.

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Considerações finais

Conforme indicam os conceitos apresentados, comunicação organizacional e comunicação pública tendem cada vez mais a se entrelaçar num contexto que exige que os interesses das organizações se alinhem com os interesses da sociedade.

Assim, as políticas de comunicação devem levar em consideração questões fundamentais como a garantia de participação de todos no âmbito organizacional, já que democracia deve ir além da esfera estatal.

Outras questões centrais deste artigo se referem à cidadania, mobilização e capital social, que fundamentam o entendimento do processo de democratização, influenciando as políticas de comunicação organizacional que reconhecem o novo papel dos indivíduos e grupos sociais na sociedade.

Algumas empresas, conforme pode ser observado, não só incluem a preocupação com a saúde pública, como também têm instituído políticas de comunicação que permitem a consulta e a manifestação da comunidade envolvida.

Evidentemente, o levantamento aqui realizado tem suas limitações e serve apenas como referência para exemplificar as possibilidades de ações de iniciativas organizacionais que se refletem no espaço público.

Contudo, novos estudos deverão surgir como desdobramento desta análise inicial, permitindo levantar as percepções dos responsáveis pelas políticas de comunicação das organizações, bem como dos grupos sociais envolvidos, identificando pontos de conflitos e convergência entre tais percepções.

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