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Análise da cobertura da mídia sobre a desocupação dos adictos na Cracolândia,

em São Paulo: processos deliberativos

enquadramentos

Diólia de Carvalho Graziano Maria Auxiliadora Mendes do Nascimento

Resumo

O presente trabalho busca oferecer subsídios para o estudo do processo de deliberação possivelmente articulado pelo debate público mediado gerado a partir da evacuação, pelo governo e Polícia Militar, dos adictos da região paulistana da Cracolândia, ocorrida em janeiro de 2012. Para tanto, observa o debate desencadeado no espaço de visibilidade midiática nacional, por meio da metodologia de enquadramento proposta por Mauro Porto, adaptada por Ângela Marques, aplicada à análise de conteúdo de notícias veiculadas pelos jornais

Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, e as revistas semanais Veja, Isto É, Época e Carta Capital,

no período de 3 de dezembro de 2011 a 3 de março de 2012. O quadro teórico utilizado se

apoia nas propostas da ética do discurso de Jürgen Habermas e de autores que partilham da abordagem habermasiana, incursionando ainda na conceituação de Comunicação Pública por Heloiza Matos. Mais do que o resultado das análises realizadas, o objetivo será apontar as possibilidades de construção de uma metodologia para estudar a configuração e o desdobramento de um debate mediado.

Palavras-chave: Cracolândia, Operação Integrada Centro Legal, deliberação,

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Comunicação pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas

Introdução

Existe uma grande variedade de substâncias amplamente difundidas capazes de promover mudanças psíquicas e de comportamento nos seres humanos. O psicofarmacólogo Ronald K. Seigel postula a existência de um “quarto impulso” para a intoxicação, tão importante quanto as necessidades da fome, da sede, do sexo (Seigel, 1989 apud MacRae, 2001). Richard

Bucher (1992), professor emérito do Departamento de Psicologia da UnB, afirma que são as motivações no consumidor, suas principais necessidades no plano social, cultural, afetivo e cognitivo que fazem ele transformar uma substância em droga.

As drogas ilícitas constituem um problema que prejudica o desenvolvimento econômico e social, impactam na criminalidade, insegurança, instabilidade e disseminação do HIV. De acordo com o World Drug Report de 2012, publicado pelo Escritório das Nações Unidas

para Drogas e Crimes, aproximadamente 230 milhões de pessoas, 5% da população mundial adulta já fez, pelo menos uma vez, uso de drogas. Os usuários problemáticos correspondem a 27 milhões de pessoas, 0,6% da população adulta. A heroína, a cocaína e outras drogas matam 200 mil pessoas por ano, cerca de 560 pessoas por dia, levando pessoas e famílias à miséria. O relatório informa também que dados apontam para uma expansão do mercado de cocaína, especialmente de seu derivado, o crack, em alguns países da América do Sul (World Drug Report, p.8).

No Brasil, o governo federal lançou, em 2012, o programa “Crack, é possível vencer”, destinando R$ 4 bilhões até 2014 para combater o avanço da droga no país. Em 2012, liberou R$ 738,5 milhões para combater o que é considerado uma epidemia. Deste montante, R$ 611,2 milhões foram para o Ministério da Saúde, R$ 112,7 milhões para o Ministério da Justiça e R$ 14,6 para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Inexiste ainda um consenso acerca dos números e diretrizes governamentais.

No estado de São Paulo, o combate ao problema tem assumido dimensões majoritariamente relacionados à segurança pública. O consumo do crack e a problemática dos adictos que culminou com as ações empreendidas na Cracolândia,1 na cidade de São

Paulo, em janeiro de 2012, configuram-se como símbolo de preocupação coletiva com 1 Referência à região central da capital paulista, localizada nas cercanias das avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio

os viciados na droga, envolvendo e chamando a sociedade para uma reflexão acerca das políticas públicas e dos efeitos provocados pela atuação governamental. O poder público, governo do Estado de São Paulo e prefeitura de São Paulo têm tentado lidar com o grave problema do tráfico de entorpecentes e, ao mesmo tempo, prestar atendimento aos adictos que moram e frequentam a Cracolândia, procurando, paralelamente, dar “eco” e “satisfação” à opinião pública.

O Projeto Nova Luz foi uma iniciativa de renovação urbana criada pela prefeitura em 2005 que, de responsabilidade da Secretaria Municipal de Planejamento, contemplava a instalação de um polo comercial e de serviços. O objetivo era a promoção de empresas, sobretudo da área tecnológica, ofertando-lhes incentivos fiscais, bem como um novo parque industrial e comercial. A prefeitura já havia realizado algumas melhorias de infraestrutura e de segurança com o recapeamento, instalação de câmeras e melhor iluminação de algumas ruas da região. A fim de consolidar a transformação da Cracolândia, tal qual ocorreu com os bulevares e praças de Barcelona e Nova York, seria necessário desapropriar cerca de uma centena de imóveis, liberando espaço para calçadões, ciclovias e parques.2 Para Roman

(2011), o projeto feito pela prefeitura não dava detalhes sobre o encaminhamento a ser dado aos dependentes químicos que habitam o local. Em janeiro de 2013, após parecer técnico de inviabilidade, o projeto foi desativado para análise e possível futura reformulação.

Em janeiro de 2012, por ação do governo estadual (Polícia Militar) e da prefeitura, foi realizada uma ação batizada como Operação Integrada Centro Legal 3, também conhecida

popularmente como “Operação Sufoco”, amplamente divulgada pela mídia. O presente trabalho trata da fase da operação ocorrida em janeiro de 2012, que consistiu na evacuação da região da Cracolândia e dispersão dos adictos, o que se tornou alvo de críticas.

A fim de perceber, em torno das negociações sobre o tema, se e como ocorreu a deliberação pública sobre o episódio, este trabalho se propõe a analisar a discussão mediada e realizada nos jornais Folha de S.Paulo (FSP), O Estado de S. Paulo (OESP), e as revistas Veja, Isto É, Época e Carta Capital, atentando para os enquadramentos existentes, abrindo, assim,

um campo para estudos mais aprofundados sobre a questão das drogas, políticas públicas, processos deliberativos midiáticos e comunicação pública.

Buscamos verificar se as matérias e entrevistas, vistas em seu conjunto como materialização de um debate que as ultrapassa, poderiam ser analisadas, aplicando-se uma metodologia de avaliação do debate mediado baseada na identificação dos princípios da ética do discurso, tal como elaborada por Habermas: inclusividade, reciprocidade, argumentação, uso racional da linguagem e uso ético da razão prática. A orientação da análise, por meio dos princípios norteadores da ética do discurso, nos permite identificar os atores que participaram do debate e os enquadramentos adotados. Procuramos com isto abordar a importância dos princípios norteadores da ética do discurso na discussão de questões com forte apelo moral, que demandam a participação e envolvimento de todos os concernidos. 2 Maiores detalhes no website: <http://www.novaluzsp.com.br>. Acessado em 2/1/2013.

3 Maiores detalhes no website: <http://www.policiamilitar.sp.gov.br/hotsites/centrolegal/index.html>. Acessado em 2/1/2013.

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