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TABELA 2 Enquadramentos midiáticos da Operação Integrada Centro Legal/ Evacuação da Cracolândia

Enquadramento Descrição

Político- higienista

Este enquadramento comporta as opiniões relacionadas à política, aos negócios. Justifica pejorativamente que a operação aconteceu para tentar impedir uma intervenção federal em ano eleitora e também também para fins de viabilização e valorização imobiliária. Abordava a limpeza e retirada dos adictos da região. As opiniões favoráveis sustentam que a Operação Integrada Centro Legal já vinha sendo planejada, que era fruto de numerosas reuniões, e que tudo transcorria dentro do previsto.

Sufoco, dor e sofrimento

Neste enquadramento, a justificativa favorável era a de que reprimir a oferta da droga faria com que os adictos acabassem por optar pelo tratamento. As justificativas contrárias classificaram a atividade do governo como militar, sendo contrárias ao caráter dito higienista, de preconceito, segregação, violência e racismo dos políticos e das elites paulistanas.

A seguir relacionamos provas validativas apresentadas em cada enquadramento, ordenados por autor. O presente trabalho não aborda as diferenças narrativas entre veículos diários e semanais, centrando-se na preocupação dos mesmos em dar voz aos múltiplos atores relacionados ao tema, bem como ao enquadramento ideológico. O veículo referendado encontra-se nas referências do trabalho.

No enquadramento Político-higienista, quando se aborda a questão da vantagem política do governo, da crítica de que a operação aconteceu para tentar impedir uma intervenção do governo federal em ano eleitoral:

5 Os links das matérias analisadas bem como o quadro de referência encontram-se disponíveis em: <http://enquadramento- noticioso.blogspot.com.br/>. Acessado em 13/02/2013

Contingentes da Polícia Militar iniciaram uma operação para remover dependentes químicos e traficantes da região da Cracolândia, ponto de comércio e uso de drogas no centro de São Paulo. A violência empregada durante a operação, com o uso de balas de borracha, bombas de efeito moral e agressões físicas, levou ONGs ligadas aos direitos humanos a enunciar o caso à ONU. Para o Palácio do Planalto, além de desastrosa, a ação de Alckmin foi vista como oportunista. Trava-se de uma tentativa clara de se antecipar AP lançamento do Plano Nacional de Combate ao Crack, uma das principais bandeiras da campanha petista ao Palácio do Planalto, sem sequer possuir a infraestrutura necessária para atender os dependentes químicos (Moura; Costa, 2012).

Sobre o apoio ao enquadramento Político-higienista:

O secretário Ferreira Pinto também voltou a afirmar que a operação foi planejada previamente e negou erros. “Não tenho dúvidas de que a operação está acertada. Não houve erro algum. o trabalho do Ministério Público é investigar, apurar eventuais abusos. O que não é fazer juízo precipitado em relação” (Da redação, Folha de S.Paulo, 2012b). Sobre vantagem imobiliária: “É óbvio que a ‘limpeza’ foi ótima para mim [...] (Silene Saad, 51, dona de bar ao lado do cortiço)”. (Colaboração para a Folha, 2012)

Ainda no mesmo enquadramento, depreende-se que a definição de data e hora da operação teve o combustível político:

No dia 23 de dezembro, Dilma Rousseff e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciaram em São Paulo a participação dos movimentos sociais no plano (Crack, é possível vencer). Atento à movimentação e sob cobrança do eleitorado, Alckmin temia que o PT assumisse a bandeira. Padilha é tido como potencial candidato ao governo em 2014. Na prefeitura, o medo era que a União se apropriasse do programa municipal de atendimento móvel aos dependentes, hoje com 27 equipes. Em dezembro, a gestão Dilma lançou programa de consultórios de rua, que prevê o transporte de profissionais de saúde em uma van com a marca do governo. A prefeitura só aderiu depois que a União abriu mão da exibição do símbolo. Até hoje o governo federal se queixa de não ter sido informado sobre a operação. (Seabra; Pagnan, 2012)

Provas validativas de justificativas favoráveis ao enquadramento do Sufoco, dor e sofrimento:

Não é pela razão, mas sim pelo sofrimento que o usuário vai se tratar (Prado; Daudén, 2012). Essas pessoas sabem onde encontrar o crack, mas se em um momento de “fissura” enfrentarem dificuldades para achar a droga, isso pode ajudá-las a se esforçar mais contra o vício. (Bonis, 2012)

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E, pelo sofrimento e desespero, os dependentes, na visão de Alckmin e Kassab, iriam buscar tratamento oficial. Esse torturante plano só é integrado no rótulo. A meta é “limpar o território” com ações militarizadas e empurrar para a periferia distante os “indesejados” (Maierovitch, 2012). “Há uma escalada de violência estatal em São Paulo que deve ser detida”, diz, em tom de urgência, o documento assinado por mais de cem profissionais do Direito. “Estudantes, dependentes químicos e agora uma população de 6 mil pessoas já sentiram o peso de um estado que se torna mais e mais um aparato repressivo, voltado para esmagar qualquer conduta que não se enquadre nos limites estreitos, desumanos e mesquinhos daquilo que as autoridades estaduais pensam ser ‘lei’ e ‘ordem’”. (Martins; Vieira, 2012)

Outra matéria da revista Carta Capital também se justifica no enquadramento contrário. É fundamental que isso seja construído com a participação popular e com a disseminação de outras informações sobre a questão para que as drogas não sejam usadas como meras válvulas de escape ou ainda “camuflem” um problema bem maior e estrutural que só pode ser resolvido com promoção de cidadania, garantia dos direitos fundamentais e respeito aos direitos humanos e não com castigos e sofrimentos, como a prisão e a internação forçada. (Kerber, 2012)

Com relação ao processo discursivo, pode-se observar que houve uma interação entre os jornais OESP e FSP em que um desmentiu o outro a respeito do fato de o governador Geraldo Alckmin saber ou desconhecer a ação na Cracolândia. O OESP, (Godoy, 2012) publica, em 06 de janeiro, a reportagem “Alckmin, Kassab e comando da PM não sabiam de início de ação na Cracolândia”, e no dia seguinte, veicula “Só falta a PM ter de aguardar, diz Kassab”, com o subtítulo: “Sem ter autorizado cerco na Luz, prefeito reduz importância do Complexo Prates” (Frazão, 2012). Dez dias depois, a FSP, no dia 16 de janeiro, divulga “Reunião de Alckmin e Kassab selou uso ostensivo da PM na Cracolândia” (Seabra; Pagnan, 2012), afirmando que o governador e o prefeito deram aval ao uso ostensivo da Polícia Militar na Cracolândia, uma réplica ao jornal concorrente. O tema não teve repercussão nas revistas. Verificou-se também a recorrência em que os termos sufoco, dor e sofrimento aparecem

nos veículos analisados.

Considerações finais

Apesar de serem jornais e revistas concorrentes, houve um tênue equilíbrio na adoção dos enquadramentos (dada a disparidade do número de matérias entre eles), com as seguintes ressalvas: a FSP agendou mais o tema, em termos de quantidade de matérias destinadas ao assunto, a as revistas Carta Capital e Época apresentaram matérias opinativas, mais elaboradas,

também no espaço físico (centimetragem) dedicado ao assunto. Uma dúvida de ordem técnica surgiu: apesar de não ser um estudo comparativo, mas antes uma análise qualitativa discursiva, em que medida o resultado da avaliação dos enquadramentos por veículos que atuam em periodicidades distintas é afetado? Sentimos falta de um aprofundamento na investigação acerca da ciência ou ignorância, pelo governo, do início da ação empreendida, que ficou restrita à troca de três matérias entre os jornais. Se houve dialogia entre os artigos analisados, foi somente verificada neste caso. O tema foi de cunho político. Entendemos que houve uma preocupação soberba e autoritária dos governos federal, estadual e municipal em querer tomar para si a autoria da intromissão supostamente heroica e desprovida de interesses que livraria assim a comunidade, e o país, do crack.

O adicto foi retratado como uma mercadoria, como ser passivo, fazendo suscitar no outro o sentimento antológico de comiseração e ódio. Encontramos apenas uma matéria, em que Dariu Xavier da Silveira, na ocasião professor e psiquiatra da USP, coordenador do programa de Orientação e Assistência a Dependentes, tece considerações acerca das necessidades sociais, culturais, econômicas e subjetivas que levariam um indivíduo a optar pelo uso do crack (Kerber, 2012). Não houve menção/comparação aos malefícios causados pelas drogas lícitas, apontando assim mais uma vez para a estigmatização apenas do adicto em cocaína-crack.

Ao observamos a adoção quase universal dos termos sufoco, dor e sofrimento, abriu-se a

possibilidade de verificar se a aplicação da teoria do reconhecimento6 que daria subsídios

para a nossa discussão, por meio do estudo dos conceitos de respeito e dignidade.

Duas matérias mencionaram o uso “eficiente” das redes sociais pela Polícia Militar7,

que fizeram uma enquete no site e no Facebook, que contava com mais de 4 mil likes. Tal

prática nos chamou a atenção para Matos (2006), com o uso de estratégias de marketing como

linguagem da comunicação política − um futuro campo a ser explorado na comunicação pública na Internet, como desdobramento do presente artigo, devido ao seu potencial poder de manipulação. Por exemplo, tais likes podem ser tendenciosos, oriundos da própria entourage

da organização, servindo para dar a falsa impressão de apoio popular.

A questão do crack é complexa, repleta de preconceitos e difícil de ser abordada. Os textos jornalísticos analisados não cumpriram nenhum papel na deliberação em si, agindo apenas no seu papel de mediadores na esfera pública. Não avançaram para a etapa de propósitos deliberativos, com pouco diálogo entre as matérias e parca pluralidade de atores representados. Pouco ou nada foi dito sobre como os adictos e a população poderiam agir para ajudar a resolver o problema que toma contornos nacionais. Não verificamos relevantes depoimentos de familiares de adictos, bem como de representantes de ONGs. Apenas a 6 Quando a integridade do ser humano se deve a padrões de reconhecimento, em que a autodescrição dos que se veem

maltratados por outros se referem a formas de desrespeito, de reconhecimento recusado, que acabam designando um com- portamento que não representa apenas uma injustiça por alijar os sujeitos de sua liberdade de ação ou causar-lhes danos, mas pelo comportamento lesivo pelo qual as pessoas são feridas na compreensão positiva de si mesmas, intersubjetivamen- te (Honneth, 2003).

7 Pesquisa de opinião com links para as redes sociais da policia militar na operação: <http://policiamilitar.sp.gov.br/ hotsites/centrolegal/index.html>. Acessado em 20/3/2013.

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Comunicação pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas

FSP fez matéria sobre uma personagem (Sant’Anna, Benites, 2012). Os resultados obtidos, ainda exploratórios, bem como os questionamentos levantados, sugerem que o conceito de enquadramento midiático, combinado com os princípios da ética do discurso, oferece uma profícua alternativa para a abordagem da comunicação pública e pode contribuir na análise de processos deliberativos midiáticos.

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