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Discurso circulante e reconhecimento: influência e poder sobre as opções da imprensa

Luis Carlos Iasbeck, pesquisador oriundo do campo da comunicação organizacional e Relações Públicas, em citação a Lotman, destaca o conceito defendido por Mikhail Bakhtin de que

[...] todo discurso embute em si mesmo a pressuposição de um possível discurso do interlocutor (e da cultura) que com ele interage. Dessa forma, não há como considerarmos o discurso isoladamente do público ao qual se destina, o receptor e do ambiente do qual emergem esses “textos organizados e com função”. (Iasbeck, 2007, p.88)

O autor aprofunda a reflexão, identificando, no campo da recepção, a pertinência do conceito de “imagem”, ou seja, a “[…] configuração mental e sobretudo afetiva que o receptor elabora com base na relação do discurso que recebe e suas próprias idiossincrasias, experiências anteriores, visões de mundo, desejos e necessidades” (Iasbeck, 2007, p.88).

Em consonância com o proposto pelo autor, mostrou-se relevante investigar, a partir dos pressupostos apresentados pelos estudos sobre representação social e sob o conceito dos discursos circulantes, os possíveis discursos internos dos jornalistas interlocutores do Coren-SP, assim como qual “configuração mental” emergia a partir das mensagens emitidas pelo Conselho dos enfermeiros. Compreendendo que tais configurações mentais são construídas de forma relacional, intersubjetiva, consideramos pertinente introduzir também os conceitos apresentados pela teoria do reconhecimento, de Axel Honneth para alargarmos o olhar sobre a questão.

Antes, porém, é necessário apontarmos a conceituação das mídias como veículos de publicização do espaço público, da maneira como definido por Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Patrick Charaudeau, em sua obra Discurso das mídias (2006a, p.117-119), mostra

que, interpretando o olhar desses autores sobre o espaço público como algo não universal, este “é dependente das especificidades culturais de cada grupo”. Dessa forma,

as mídias não se prestam ao propósito de “transformar”ou criar o espaço público, visto que, conforme apresentado, este se constrói sobre especificidades culturais preexistentes, das quais a mídia não possui qualquer controle e do qual ela própria é parte.

Isto considerado, Charaudeau, para responder à questão a respeito de qual é a natureza do espaço público, nos traz esta explicação por meio da noção do “discurso circulante”, definido pelo autor como uma “soma empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres, as ações, os acontecimentos, suas características, seus comportamentos e os julgamentos a eles ligados” (Charaudeau, 2006a, p.118).

O autor compreende que é possível atribuir ao discurso circulante, ao menos três funções, das quais destacamos a de instituição do poder/contrapoder:

Ela é assegurada por discursos que produzem uma “palavra de transcendência”, isto é, uma palavra que se impõe como autoridade,uma autoridade que procede de sua posição de supremacia ou de posição acima das massas, e que, por isso, confere sentido à ação social, a orienta, lhe serve de guia e fundamenta sua potência. Trata-se aqui do discurso do poder político, de tudo o que encarna institucionalmente e particularmente do que aparece sob a figura do Estado. (Charaudeau, 2006a, p.118)

Embora Charaudeau tenha restringido sua categorização ao poder do Estado, para esta função do discurso circulante, entendemos, por meio da leitura de outra obra do mesmo autor (Charaudeau, 2006b), que esta palavra de “autoridade” que se sobrepõe às massas também é passível de surgir em outros domínios alheios ao ente estatal, quando os discursos apoiam- se sobre o conceito da legitimidade. Segundo o autor, a legitimidade é o resultado

[...] de um reconhecimento, pelos outros, daquilo que dá poder a alguém de fazer ou dizer em nome de um estatuto (ser reconhecido em função de um cargo institucional), em nome de um saber (ser reconhecido como sábio), em nome de um saber-fazer (ser reconhecido como especialista). (Charaudeau, 2006b, p.67)

Apresentado desta forma, podemos compreender o quanto o discurso circulante definido por Charaudeau constitui-se, ainda que inconscientemente, em elemento balizador das opções dos jornalistas no cotidiano de suas ações e opções, não apenas a respeito de quais temas desenvolver dentre os inúmeros fatos cotidianos, mas também sobre quais as potenciais fontes de informação a respeito de tais fatos.

A abordagem dada pela teoria do reconhecimento se mostra pertinente para ampliarmos a compreensão das reflexões de Charaudeau e entendermos de que forma os discursos de poder se impõem – como pretendemos demonstrar ao longo deste artigo – de maneira mesmo inquestionável.

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Heloiza Matos (org.)

Sob este aspecto, Fernandes (2011, p.284), citando Axel Honneth, nos mostra que “os indivíduos só se constituem como pessoas quando aprendem a se ver do ponto de vista de outro aprovador ou encorajador, como seres dotados de qualidades e capacidades positivas”. Também Mendonça (2011, p.68) expõe que, segundo Honneth, o reconhecimento só ocorre de maneira intersubjetiva, ou seja, é construído por meio da relação com o outro, e que,

segundo Nancy Fraser (apud Mendonça, 2011, p.72), “os objetivos, as estratégias e as próprias identidades não estão postos de antemão, mas se constroem na ação conjunta”.

Para ampliar a compreensão do conceito, Mendonça nos traz o proposto por Hegel, para quem

[...] o reconhecimento constrói-se em três domínios: o amor, os direitos e a estima social. Das relações emotivas fortes adviria um misto de dependência e autonomia, essencial para que os sujeitos desenvolvamsuaautoconfiança.Osdireitos,porsuavez,garantiriam uma universalização da dignidade, fomentando o autorrespeito, na medida em que possibilitam aos sujeitos ver-se como dignos do mesmo respeito que os demais. Por fim, a possibilidade de estima social está enraizada na comunidade de valores e diz respeito à apreciação das potencias contribuições sociais e das realizações dos indivíduos. Tal possibilidade está no cerne da noção de autoestima e da construção da solidariedade. (Mendonça, 2011, p.68)

Critérios de noticiabilidade nas mídias e a legitimidade