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2. De onde começamos e como nos formamos

2.5. A terceira onda do ambientalismo: profissionalização

2.5.3. Ação direcionada para a arena legislativa

Durante a década de 1990, e os dois primeiros anos da década de 2000, apesar do relacionamento com a arena estatal sofrer altos e baixos, vimos também o fortalecimento da ação dos ambientalistas direcionada ao Congresso Nacional. Conforme narrado na seção anterior, Feldmann, enquanto foi Constituinte e Deputado Federal, construiu importantes canais de interlocução entre ambientalistas e a casa legislativa: a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar Ambientalista, que seriam muito

aproveitadas pelos ambientalistas dedicados a defender seus interesses e influenciar parlamentares na aprovação e bloqueio de projetos de lei que estavam em votação ou em elaboração.

Esses canais também foram importantes para os ambientalistas construírem redes com parlamentares e consultores legislativos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os consultores legislativos das duas Casas do Congresso Nacional avaliam e elaboram projetos de leis para os parlamentares, bem como redigem e analisam pareceres sobre diferentes temas. São, pois, atores estratégicos na interação com os parlamentares. De outra parte, os ambientalistas também têm muito a oferecer, pois, como se profissionalizaram e passaram a desenvolver projetos em nível local, possuem informações qualificadas que são transmitidas para os atores do poder Legislativo.

Um consultor legislativo da Câmara dos Deputados informou que há mais de 20 anos as organizações ambientalistas da sociedade civil acompanham a Comissão de Meio Ambiente, constantemente. Ele explica que são aquelas organizações que têm especialização em atuar no Congresso - não são todas que se dedicam ao acompanhamento legislativo ou que possuem capacidade técnica para fazê-lo. De acordo com o entrevistado, elas atuam com alguma coordenação, mas não dizem a mesma coisa, têm demandas e formas de atuação próprias. Em suas palavras,

(...) você acaba formando vínculo com as organizações da sociedade civil. Tem vinte anos que eu encontro representantes do ambientalismo aqui. A gente sabe o que cada um pensa (...). Então, essas pessoas se conhecem. Isso é rede, mesmo que não concordem. É um grupo de líderes das ONGs que têm ação reiterada no Congresso. Tem alguma renovação, mas muitos estão aqui desde o começo dos anos 1990. (...) Nessa rede, uma questão importantíssima é a informacional. Tem hora que você não sabe como estão os dados de sobreposição de Terras Indígenas e de Unidades de Conservação. Se eu ligar para o ISA, eu consigo ter esses dados (...) têm horas que você não sabe e essas pessoas ajudam. Se elas não souberem, elas mesmas te colocam em contato com a pessoa que tem a informação que você está precisando. (...) Tem essa questão informacional e tem outra questão, que não vai ser para todos da consultoria [legislativa], que é uma questão de identidade de ideias mesmo, de se ligar a causas. Você tem que ter parecer favorável ou negativo para tudo aqui. (Entrevista 36, 29/5/2014)

Essa fala tem importante caráter heurístico. Informa que algumas ONGs ambientalistas têm atuação constante no Congresso Nacional ao longo de décadas; que elas se apresentam com interesses e estratégias de ação diferenciadas, apesar de terem alguma coordenação; que não

há muita renovação do perfil e das pessoas que acompanham os projetos nas casas legislativas; que formam uma rede multi-institucional e que as redes se estabelecem por identidades, por defesa de ideias.

Em relação aos parlamentares, consultores legislativos ponderaram que eles possuem atuação especializada em defesa da causa ambiental, independentemente de partido (Entrevista 36, 29/5/2014; Entrevista 17, 10/2/2015). Por essa razão, parlamentares do PSDB e do PT, partidos opostos em posição política e ideológica que se destacaram na defesa de causas ambientais, podem se ver defendendo a mesma causa ou projeto e fazer parte de uma mesma rede com os atores da sociedade civil. Porém, um desses consultores legislativos faz importante ponderação. Ele traz um exemplo: analisa que a compreensão de Feldmann, que era do PSDB, sobre meio ambiente não é a mesma daquela de Marina Silva, que fez maior parte de sua história política no PT. Feldmann sempre buscou interface com o setor empresarial, em desenvolver instrumentos econômicos, tinha uma postura muito mais enfática ao lidar com o governo, mais incisiva do que a de Marina Silva. Por outro lado, quando se aborda a linha socioambiental, que é o território dela, não há muita repercussão para o ex-deputado, pois não é sua coordenada de atuação. O seu ambientalismo é menos social, mais técnico.

Essa observação que estabelece diferença entre a perspectiva de Marina e de Feldmann interessa especialmente em um sentido. Feldmann, dentro do PSDB, foi um ator decisivo e de grande importância para as conquistas políticas e sociais obtidas na área ambiental durante as décadas de 1980 e 1990, mas, conforme será apresentado nos capítulos seguintes desta tese, a liderança de Marina Silva e sua importância foi muito mais além daquela exercida pelo ex-Deputado. As razões para isso podem ser diversas, como a influência do socioambientalismo, que teve boa aderência entre os ambientalistas e Marina Silva se tornou a grande representante desse modelo de ambientalismo; pode estar relacionado com as características do partido que cada um representa; mas também pode guardar relação com o perfil pessoal de cada um dos parlamentares.

Um antigo militante do ambientalismo, que passou por experiências em partido político, em ONGs e também no Estado, informou que a principal característica do ambientalismo na Amazônia foi seu aspecto social, com os problemas vividos pelos povos

da floresta na preservação da principal riqueza da região. Na Mata Atlântica, bioma presente no litoral do Brasil, com apenas 7% de floresta remanescente, o ambientalismo se deu numa chave mais ambiental, de conservação (Entrevista 27, 4/11/2013). Isso se relaciona com o que Hochstetler e Keck (2007) descreveram sobre a influência do federalismo no Brasil e suas diferentes ecologias políticas. Feldmann era um representante da Mata Atlântica e Marina Silva, da Amazônia. O interessante é que, mesmo com essas diferenças, não houve impedimentos para, em 2010, Fábio Feldmann deixar o PSDB, filiar-se ao Partido Verde e concorrer ao cargo de Governador de São Paulo em apoio a Marina Silva, que também se filiou a essa última legenda para concorrer ao posto de Presidente da República.