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1. Movimentos sociais em interação com partidos políticos

1.5. Mapa do terreno de ação

O mapa de terreno de ação é proposto para auxiliar a visualização da sobreposição de ações entre movimento social e partido político nas arenas partidárias, da localização da líder nas arenas partidárias e a relação com os liderados em dois sentidos: i) o deslocamento dos liderados nas diferentes arenas, que pode acontecer em função do posicionamento da líder; e ii) o trânsito da líder em função de garantir a execução dos projetos de sua base, portanto, provocado pelos liderados. Ao defender os projetos, a líder ativará os poderes que legitimam

51 Vale a pena trazer para o texto observações de Melucci (1996) e Diani (2003b) em torno do papel da liderança:

numa perspectiva relacional para essa questão, Melucci sugere que papéis de liderança não precisam implicar controle sobre uma organização unificada ou reconhecimento de carisma de seus seguidores. Eles podem resultar da localização de certos atores no centro de troca de recursos práticos e simbólicos entre organizações de movimentos sociais e, assumimos aqui, entre movimentos sociais e partidos políticos.

sua liderança e fortalecerá a relação de confiança com os liderados. Considerando uma líder sociopartidária, que representa movimentos sociais e partido político, a defesa do projeto de um e/ou do outro pode afetar o grau e a intensidade da interação entre movimento social e partido. Portanto, o mapa é um recurso visual que auxilia a acompanhar os deslocamentos nas arenas partidárias de líder e de liderados.

Diagrama 3: Mapa do terreno de ação da interação entre movimentos sociais e partidos políticos

Nesse mapa, MS é movimento social; PP é partido político; PF é partido formal; PI significa partido informal; G, governo; E, eleições; e L significa legislativo.

Conforme descrito anteriormente, os movimentos sociais são redes informais de indivíduos e organizações engajados em processos sociais, que envolvem relações de conflito e de parceria com atores e instituições sociais e políticas, partilham identidade coletiva, estratégias, projetos e implicam solidariedade. São representados na forma circular à esquerda do leitor, cujo traçado é pontilhado para reforçar a característica de rede que se conecta com o ambiente e com diferentes atores e organizações sociais e políticos. Os indivíduos e grupos interagem dentro do círculo dos movimentos sociais, e com seu diversificado ambiente, influenciados pelas arenas políticas (representadas pelas linhas

pontilhadas sobre a forma circular), com os partidos políticos e atores que trabalham para os partidos nas arenas políticas, e ainda com oficiais e políticos da organização partidária.

Partidos políticos são organizações políticas compostas por uma estrutura formal –

que remete a questões de estratégia e organização partidária, de burocratização e busca de poder - e informal – que dialoga, interage com diferentes atores e, por vezes, se posiciona na sociedade civil. São orientados pela busca de votos, possui identidade e estratégia próprias e atuam nas arenas governamental, eleitoral e legislativa, a chamada face pública do partido,

para fazer oposição à sua face organizacional52. Estão representados pela forma circular à

direita do leitor, cujo traçado é semi-pontilhado, para expressar que a organização partidária se relaciona com o meio ambiente, porém com menor fluidez de como o fazem os movimentos sociais.

As linhas horizontais são as fronteiras de divisão entre as arenas e também significam a influência que tais arenas exercem sobre movimentos sociais e partidos políticos. Em relação aos movimentos, as linhas são pontilhadas porque a influência nem sempre é imperativa, pois os atores sociais podem escolher se interagem ou se atuam nas arenas partidárias. Já em relação aos partidos políticos, as linhas são contínuas por representar um imperativo, pois as arenas partidárias indubitavelmente influenciarão a atuação dos partidos políticos. Os três pontos ao final da linha sobre a organização partidária têm sentido de reticência, de continuidade da influência.

Reforçamos nesta tese a atuação política dos movimentos sociais que articulam, transitam e atuam no interior do sistema político, com foco nas arenas legislativa, eleitoral e governamental, para onde direcionam seus projetos e onde atuam. Os partidos políticos, por meio de seus líderes, são pontes para os movimentos sociais atuarem e entrarem nessas arenas, portanto, a parte em que as formas circulares se sobrepõem é nosso ponto crucial de análise. O formato criado pela sobreposição tem o traçado pontilhado para ambas as direções dos círculos porque informa que a união entre partidos e movimentos possibilita que atores sociais transitem nas arenas políticas, mas também alcancem a estrutura formal dos partidos,

como também as lideranças e atores políticos irão transitar nas arenas políticas, encontrando os movimentos sociais e podem se direcionar para as estruturas dos movimentos sociais.

O encontro dos movimentos sociais com os partidos políticos ocorre pela estrutura informal dos partidos políticos. O partido informal (PI) diz respeito às interações da organização partidária com atores e organizações da sociedade civil, que não são filiados ao partido político, e que podem assumir formas variadas. O PI pode ser considerado o partido na rua, conforme Heaney e Rojas (2007; 2015) defenderam. No nosso caso, a sobreposição acontece nas arenas políticas – legislativo, eleições e governo -, pois os atores sociais são influenciados por essas arenas e atuam dentro delas. Mas, nem por isso, deixa de contemplar o significado de partido na rua, pois, conforme o partido se aproxima dos movimentos sociais, ele se abre para e apoia ações dos movimentos sociais, que podem ser protestos que ocorrem, por exemplo, nas ou direcionados para as arenas eleitoral, governamental ou legislativa.

O partido informal é crucial na nossa análise. Ele representa o terreno onde ocorre a sobreposição entre os movimentos sociais, que migram para as arenas partidárias com o objetivo de influenciar o sistema político, e os partidos políticos. Conforme resenhado, as literaturas sobre ambos os analisam prioritariamente como objetos distintos e separados, especialmente ao que se refere às suas identidades. Mas, argumentamos que essa separação é, por vezes, equivocada e representa mais um campo em disputa do que uma separação concreta.

As identidades e estratégias dos movimentos sociais e dos partidos políticos são elementos importantes para decretar a proporção da interação entre ambos. Os partidos e movimentos podem vir a partilhar elementos identitários ou de estratégia, em situação de coevolução, por exemplo, mas, para cada um, o processo de construção da identidade e da estratégia pode ser distinto entre si e se manter por mecanismos específicos que não são, geralmente, partilhados entre ambos.

Um líder com forte expressão no partido político do qual é membro e no movimento social ao qual pertence pode definir a proporção da interação entre ambos, que pode ocorrer em função da legitimidade que alcança de suas bases – poder de recompensa, de identificação e de efetividade – ao defender seus projetos. Lembrando, mais uma vez, que nesta tese os projetos são compostos por uma ação de projetividade, por plano de ação, identidades,

estoques de legados, estratégias, enfim, elementos que ligam os indivíduos e o líder à base de apoio, que podem produzir os poderes de legitimidade. Essa liderança poderá ter trânsito fluido dentro do partido político, dentro do movimento social e, sendo uma liderança forte e importante, poderá transitar dentro das diferentes arenas políticas, defendendo os projetos do movimento social, do partido político ou tentando conciliá-los, quando possível.

Ao transitar nas arenas, a líder sociopartidária defenderá os projetos das bases que lhe concedem legitimidade. Seu posicionamento frente a essas arenas é fundamental para compreendermos se dá prioridade à defesa do projeto social ou partidário ou se concilia ambos. Na defesa dos projetos, supomos que o líder fortalecerá a identidade com sua base, bem como os elos de ligação entre eles. O posicionamento do líder também pode distanciá- lo ou aproximá-lo do grupo social ou do grupo partidário, portanto, acompanhar o seu trânsito e seus posicionamentos é de fundamental importância para o mapa que apresentamos.

Esse mapa não é estático, ele é dinâmico e se move conforme a sobreposição de atividades engendradas pelo movimento social e pelo partido e a arena em que atuam. Em momentos em que o partido está no governo, a liderança também pode se posicionar na arena governamental e defender os projetos do movimento social de dentro desse lugar, direcionando a relação entre partido político e movimento com maior foco para essa arena, em que a estratégia principal será de parceria entre movimento social e partido político para elaboração e implementação de políticas públicas. Se o momento é eleitoral, o compartilhamento de elementos simbólicos e estratégicos - traduzidos pelos projetos - entre ambos e fomentado pela liderança pode levar à concentração da articulação para a arena política eleitoral, com apoio a candidaturas e maior interação entre partido e movimento nessa arena. O mesmo pode ocorrer na arena legislativa, onde a estratégia principal será de influenciar a legislação. Mas, no geral, espera-se que a articulação aconteça nas três arenas ao mesmo tempo, com momentos de destaque para uma ou para outra.

Após a análise apresentada nos capítulos empíricos, verificaremos, pela estratégia e pelo projeto predominantes do movimento social, em qual arena sua ação se inseriu ou para qual se direcionou. Observaremos o posicionamento da líder, verificando se é compatível com a arena de maior atividade do movimento social. Esse mapa ajuda a visualizar a sobreposição da interação entre movimento social e partido político e em qual arena ela se

concentra, fortalecendo nosso argumento de que movimentos sociais migram ou se direcionam para as arenas partidárias quando seu projeto é influenciar o sistema político e de que lideranças sociopartidárias podem exercer papel fundamental nesse processo.

Parte 1: