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2. De onde começamos e como nos formamos

2.2. Formação do ambientalismo no Brasil

O movimento ambientalista emergiu durante o período de transição do regime

autoritário para o democrático, entre as décadas de 1970 e 198056. Esse contexto político, de

acordo com Hochstetler e Keck (2007, p. 10), contribuiu para se configurar um ambientalismo mais politizado e orientado para a esquerda, em comparação com o ambientalismo em outros países, e contribuiu para a construção de fortes relações interpessoais entre ambientalistas nas instituições políticas e na sociedade civil, que passaram a atuar juntos, ativando e bloqueando redes. O ambientalismo brasileiro, dessa forma, opera por meio de redes que envolvem atores sociais e políticos desde a sua formação.

55 Outras organizações aparecem, como a Funatura, o IMAZOM, o IMAFLORA, mas elas articulam de forma

esporádica com o sistema político.

56 Apesar da constituição do movimento ser datada desse período, pesquisadores demonstram preocupações

diversas de atores políticos e sociais com o meio ambiente e a relação do homem com a natureza (Pádua, 1987; Hochstetler e Keck, 2007)

Em termos institucionais, as autoras destacaram três características da política brasileira que são fundamentais para compreender a especificidade do movimento ambientalista e do ambientalismo no país: a transição de regimes; o impacto do federalismo; e a concomitância de regras formais com dinâmicas informais nos processos institucionais. Os efeitos dessas características políticas se manifestaram na construção de diferentes identidades coletivas do movimento ao longo dos anos; nas disputas e conflitos entre atores e campos - sejam eles sociais e/ou políticos; na definição da ação coletiva e escolha de

estratégias; no escopo da atuação – se local, estadual ou federal ou mesmo se

conservacionista, preservacionista ou socioambientalista; dentre outros elementos importantes para construção estruturas, identidades, estratégias de ação coletiva e projetos.

Sobre a transição de regimes, as autoras resenharam alguns argumentos de teóricos da democracia que perceberam uma relação direta entre democracia, democratização e meio ambiente. O ponto comum entre os autores é a leitura de que democracia e conceitos a ela vinculados, como participação e descentralização, estão associados de forma positiva com proteção ambiental (Ibid. p. 11). O processo de democratização no Brasil, por exemplo, implantou mecanismos institucionais, como a anistia, a lei de ação civil pública, a assembleia constituinte, a lei que possibilitou a criação de novos partidos políticos, que foram cruciais para o estabelecimento de normas de proteção ambiental e para o fortalecimento do movimento que surgia no país (Loureiro e Pacheco, 1995; Alonso et al., 2007; Hochstetler e Keck, 2007).

Em relação ao federalismo, Hochstetler e Keck ressaltaram que as vinte e sete unidades da federação brasileira diferem não apenas em ecologias políticas, mas também em ecologias físicas, que produzem efeitos para a dinâmica político-institucional e dos movimentos sociais. No país, temos áreas caracterizadas por florestas, como na Amazônia e na Mata Atlântica, pela savana, cerrado, pantanal, pampas, semiárido e também áreas de transição. Cada um desses biomas está localizado em regiões diferentes do Brasil. As configurações das relações entre homem e natureza nesses biomas definem problemas de ação coletiva levantados pelo movimento ambientalista.

Em termos de ecologia política, a autonomia administrativa, econômica e política dos municípios e estados em relação à União, e na relação de uns com os outros, configuram um

mundo de possibilidade de arranjos institucionais que trazem consequências diretas para as formas de organização dos ativistas ecológicos. Conforme abordam, há variações nos padrões de comportamento político, de partidarismo, alianças, atitudes em relação ao Estado, ao setor privado e à sociedade, e citam Ames e Keck para argumentarem que “these

variations mean that approaches to environmental concerns differ widely, as does the capacity to deal with them” (Ames e Keck, 1997, p. 98, apud Hochstetler e Keck, 2007, p.

15). Com essa influência, os problemas de ação coletiva percebidos pelas organizações do movimento em diferentes partes do país também ganham especificidades.

Para Alonso et al. (2007), devido às complexidades das relações federativas, as organizações ambientais da sociedade, que se constituíram no âmbito do movimento ambientalista, optaram, em sua maioria, por uma atuação localizada em detrimento da atuação em nível nacional, apesar de haver um conjunto dessas organizações que nacionalizaram sua luta, especialmente num engajamento dirigido para o sistema político, construindo identidades e estratégias em função de garantir mais espaço político para a agenda ambiental. Ainda, após a Constituição Federal de 1988, os municípios, estados e a União passaram a exercer competências concorrentes para o meio ambiente, o que, para Loureiro e Pacheco (1995, p. 139), levou à revisão das tradicionais relações entre esferas de governo e reforçou a necessidade de revisão do federalismo no Brasil. Com esse aparato institucional, as dinâmicas envolvidas na defesa do meio ambiente saudável em diferentes níveis da federação moldaram formas de luta e de ativismo com heterogeneidade.

A terceira característica política, que ajudou a moldar o movimento e o campo ambiental no Brasil, é o que Hochstetler e Keck chamam de caráter informal da política e a politização do Estado. Conforme argumentam, a democratização e o federalismo foram projetos políticos inacabados, uma vez que a democratização deixou bolsões de autoritarismo e de desigualdades, e o federalismo está repleto de jurisdições vagamente definidas. Os problemas que emergem dessas situações geralmente são resolvidos por meio de acordos informais. Ademais, a Constituição Federal de 1988 determinou que muito das determinações constitucionais fossem regulamentadas por normas e regramentos jurídicos posteriores, os quais dependem da ação e, em última instância, do interesse dos legisladores em criá-las.

As três características abordadas, com diferentes processos institucionais, foram decisivas para moldar a constituição do ambientalismo no Brasil e também estratégias e identidades do movimento ambientalista. Essa percepção, especialmente o processo de democratização, é compartilhada por pesquisadores que se dedicaram a compreender os diferentes momentos do movimento ambientalista no Brasil, bem como o processo de constituição desse campo em diferentes espaços sociais (Viola, 1987; Viola e Vieira, 1992; Loureiro e Pacheco, 1995; Bernardo, 1999; Alonso et al. 2007; Drummond e Barros-Platiau, 2006).

Hochstetler e Keck (2007) oferecem outra grande contribuição ao enquadrarem diferentes fases do ambientalismo em três ondas: a primeira é a fase do nacional desenvolvimentismo, do começo da década de 1950 até o começo da de 1970; a segunda foi o período da liberalização política, de 1974 até o final da década de 1980; a terceira onda, segundo as autoras, é marcada pelo desafio da restauração democrática, crise econômica e maior intercâmbio com entidades internacionais, começa em 1989 se estende até os dias atuais. Será demonstrado que as três características das instituições políticas brasileiras exerceram influência na definição dessas três fases.