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2. De onde começamos e como nos formamos

2.4. Segunda onda do ambientalismo brasileiro: politização

2.4.3. Assembleia Constituinte (ANC) e ativismo ambiental na arena eleitoral

A perspectiva de uma constituinte, na percepção de Alonso et al. (2007), impôs aos ambientalistas a necessidade de formarem coalizões mais estáveis, caso quisessem influenciar a elaboração da nova Constituição Federal. Após ser definido que apenas parlamentares eleitos poderiam participar da ANC, os movimentos se confrontaram com um sério problema de ação coletiva, pois deveriam estabelecer suas estratégias de mobilização para influenciar a política. As estratégias aventadas eram: i) criar associações profissionalizadas, com atuação especializada que restringissem a relação com as instituições políticas ao lobby; ii) criar associações profissionalizadas que apoiariam candidaturas de qualquer partido que endossasse propostas verdes, como a SOS Mata Atlântica fez; apoiar ou mesmo lançar candidaturas em partidos de esquerda já organizados, como o fez a OIKOS; ou iii) as associações que continuariam a atuar no campo da sociedade civil, sem envolvimento político, como o fez a Seiva Ecológica e outras associações que militavam pela mudança de estilo de vida (Ibid., p. 160). Os três perfis podiam ser encontrados nas organizações ambientalistas da década de 1980. Nesse esquema, estratégias intervinham em identidades coletivas e essas, por sua vez, intervinham nas estratégias. As diferentes formas de ação das associações e de seus membros vão se constituindo, diferenciando os diferentes perfis de ambientalistas dessa época – que interagem ou não com organizações políticas, para além das distinções entre conservacionista, preservacionistas e socioambientalistas.

De acordo com Bernardo (1999, p. 33), “a possibilidade de eleger um constituinte

ambientalista mobilizou entidades em todo o país60 com a elaboração de lista de candidatos”.

A “Lista Verde” de candidatos foi uma iniciativa de ativistas que não apoiavam a criação de um Partido Verde no Brasil e que se organizaram, paralelamente, na Coordenação Interestadual Ecológica para a Assembleia Constituinte (CIEC), cujo objetivo era participar ativamente do processo da Assembleia Constituinte indicando candidatos sensíveis à causa ambiental e filiados a diferentes partidos de esquerda. Constituíram, assim, uma Lista Verde multipartidária de candidatos que poderiam representar os ambientalistas (Viola, 1987).

A inserção dos ativistas ambientalistas nas discussões políticas era marcada pelo conflito de posições (Bernardo, 1999). Nesse sentido, ter projetos para a área ambiental, em termos de ação política e de proposta de política pública, configuraria prestígio de algumas associações e indivíduos em relação a outros. Em São Paulo, por exemplo, onde havia maior número de associações ambientalistas da sociedade civil, a disputa por espaço político colocou em lados opostos instituições como a Oikos e a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema), como será abordado em parágrafo mais adiante. Mas ainda havia associações que mantinham sua perspectiva de distanciamento da política. Cacilda Lanuzza, coordenadora da APPN, entidade que trabalhava essencialmente com campanhas, defendia que o movimento deveria se distanciar de qualquer atividade eleitoral, manter-se distante do mundo da política e reforçava um caráter mais técnico da perspectiva ambiental (Ibid.).

A Assembleia Constituinte foi, portanto, crucial para a decisão de grupos do movimento ambientalista se decidirem pelo envolvimento na política partidária e na arena eleitoral. Listas verdes prévias foram consolidadas em 1986 por coalizões ambientais de nível estadual ou em encontros estaduais mais representativos. Nessas listas, poderiam incluir candidatos de qualquer partido, garantido que esses cumprissem critérios baseados em histórias pessoais e posicionamentos sobre diferentes questões. Os principais critérios eram: ser ativista ou aliado do movimento ambiental e endossar publicamente uma plataforma ecológica, além de defender uma ideologia pacifista. A plataforma deveria defender algumas

60 O primeiro Encontro Nacional de Entidades Ambientalistas, realizado em Belo Horizonte, em 1985, aprovou

das demandas chave dos movimentos populares e trabalhista: reforma agrária, redução da jornada de trabalho, garantias de emprego pleno, e clamor pelo fim da discriminação racial, sexual, religiosa e ideológica (Hochstetler e Keck, 2007)

A lista poderia incluir candidatos a cargos em níveis federal e estadual. Em seis listas verdes elaboradas nos estados, foram apoiados candidatos para legislaturas federal e estadual, enquanto em outras quatro, foram endossadas apenas candidatos para a assembleia estadual. A lista final foi composta, massivamente, por representantes de partidos da esquerda e de centro-esquerda. De vinte candidatos na lista para cargos em nível nacional, onze eram do PT. O maior partido de oposição na época, o PMDB, já com estigma de partido catch-all, posicionou-se em segundo lugar, mas bem atrás do PT, com apenas três candidatos. O PT e o PMDB também dominaram as listas estaduais (Ibid. p. 94).

As eleições estavam marcadas para novembro de 1986, mas a CIEC desmoronou meses antes, apesar de seu inicial sucesso. Para Hochstetler e Keck, a rivalidade entre os grupos, inexperiência em articulações de larga escala, problemas de logística e de recursos vitimaram a comissão. Essa era a primeira experiência política de nível nacional dos ativistas ambientais. Dos vinte candidatos da lista verde, apenas um foi eleito, Fábio Feldmann, que se candidatou pelo PMDB num programa que se constituiu em torno de ideias inovadoras (Bernardo, 1999).

Feldmann representava parte do ambientalismo paulista, mas não era uma unanimidade. A Apedema, como informou Bernardo (1999), especialmente seus segmentos de esquerda, chegou a apoiar outro candidato da lista verde em São Paulo, Valdo França. Para a pesquisadora, a vitória de Feldmann pode ser explicada pela estratégia de um núcleo de ambientalistas de São Paulo com propostas inovadoras, por apoios financeiros e, principalmente, pela própria determinação do candidato. Para Kathryn Hochstetler, a comunidade judaica elegera um dos seus para representá-los na Assembleia Constituinte, não importando se sua principal bandeira era o ambientalismo (informação verbal).

A candidatura de Fábio Feldmann aconteceu via PMDB porque, conforme relatou em entrevista a Maristela Bernardo, era onde a agenda ambiental conseguira mais aceitação (Bernardo, 1999). Sua intenção inicial era concorrer pelo Partido dos Trabalhadores, porém, as negociações não foram frutíferas, uma vez que, naquele período, a determinação

materialista do partido ameaçava a liberdade para a luta política ambiental, pós-material. Para muitos petistas influentes, a questão ambiental era uma expressão burguesa do capitalismo e as questões operárias eram o foco do partido. Todavia, com o crescimento do partido em nível nacional e com a força que a militância socioambiental emergiu na Amazônia - principalmente no Acre, com a ação de Chico Mendes – essa pauta acabou por se desenvolver no partido em anos seguintes. No fim da década de 1980, com as dissidências dentro do PMDB, Feldmann migrou para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em função de sua aproximação com Fernando Henrique Cardoso (Entrevista 16, 3/11/2014).

A Assembleia Constituinte é o evento definidor da decisão massiva dos ambientalistas de optarem pela estratégia político-partidária. Todavia, essa opção, mesmo sendo bastante difusa, não era unânime, pois algumas organizações preferiam apostar na ação técnica, local e independente da política. A mobilização nacional dos ativistas foi indispensável para a garantia de preceitos ambientais na Constituição Federal e também para marcar a interação com partidos políticos como um repertório reconhecido de atuação do movimento ambientalista. A estratégia de interação partidária construída nesse período foi propulsora de uma série de transformações futuras na forma de organização do movimento, conforme veremos nos próximos capítulos. Portanto, a Assembleia Constituinte e o processo de redemocratização são marcos para a ação coletiva do movimento ambientalista.