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1. Movimentos sociais em interação com partidos políticos

1.2. Caracterizando movimentos sociais e partidos políticos

1.2.1. Movimentos Sociais

Melucci (1996), no empenho de sistematizar o estudo dos movimentos sociais e da ação coletiva, definiu movimento social mais como categoria analítica do que empírica. Para o autor, eles são formas de ação coletiva que envolvem conflito, solidariedade e tem caráter disruptivo. Para Diani (1992; 2003a), movimentos sociais são atores engajados em processos sociais que estão envolvidos em relações de conflito com um oponente claramente identificado, partilham uma identidade coletiva e estão conectados por redes informais.

A caracterização dos movimentos sociais como redes, segundo della Porta e Diani (2006), permite observar de forma mais completa o espaço reservado para a participação dos indivíduos dentro dos movimentos, cuja característica marcante é o senso de estar envolvido num esforço coletivo, o que desenvolve para um sentimento de pertencimento e de identidade coletiva. A participação dos indivíduos na ação coletiva acontece por impulsos e motivos distintos, ela é flexível. Este é um contraponto da participação em organizações, mesmo

aquelas organizações de movimentos sociais, que, na maioria das vezes, pressupõem hierarquias, mobilização de recursos como liderança, estruturas administrativas, incentivos para participação e meios para alcançar recursos e apoio (McAdam e Scott, 2005).

Mas, o fato é que movimentos sociais não raramente são representados por organizações formais, da mesma forma que as organizações respondem a movimentos sociais e desenvolvem processos movimentalistas em seu interior (Davis e Zald, 2005). Casos empíricos demonstram que as organizações têm relevante papel em promover e sustentar a ação coletiva, em desenvolver diferentes lógicas organizacionais no interior dos movimentos e atuar como importantes fontes de identidade para a constituição de um movimento (della Porta e Diani, 2006). Na prática de funcionarem como fontes de identidade e como atores que asseguram a continuidade da ação coletiva, elas acabam por desempenhar um papel de representação e, em alguma medida, de liderança em nome de algum movimento (Ibid., p. 138). Mas, não há consenso em torno das diversas definições sobre organizações de movimentos sociais. Por isso, della Porta e Diani assinalaram a importância de reconhecer que há uma heterogeneidade de formas organizacionais adotadas por ativistas de movimentos sociais, mas que esses são redes e não organizações.

Para Diani e Bison (2004), a ação coletiva é conduzida num contexto de redes interorganizacionais por atores que se vinculam por solidariedade e identidades compartilhadas que precedem e sobrevivem a campanhas e coalizões específicas. Essas vinculações possuem também razões estratégicas e táticas para que os movimentos sociais, articulados em rede, alcancem seus objetivos. As estratégias e táticas são expressões de identidades coletivas (Jasper, 2014), conforme será abordado mais adiante.

Conforme se observa, as definições citadas de movimentos sociais marcam um distanciamento de sua unidade de análise em relação ao Estado ou às instituições políticas, ao conceber os movimentos como desafiadores do sistema político. Mesmo correntes que trabalharam a relação dos movimentos sociais com o Estado, como a teoria do processo político, entenderam os movimentos sociais como challengers, como atores excluídos da ordem política (Tarrow, 1989; McAdam, 1996). Essa perspectiva ditou grande parte das pesquisas sobre interações entre sistema político e movimentos sociais. Abers e von Bülow (2011) identificaram que, na literatura sobre movimentos sociais, ora o Estado não é

relevante, ora é observado como inimigo, contra o qual os movimentos sociais devem entrar em disputa.

Os teóricos que observaram o papel desempenhado pelos chamados Novos Movimentos Sociais (Touraine, 1984; Melucci, 1989, della Porta e Rucht, 1995; Kriesi, 1995), na segunda metade do século XX, tentaram mudar essa percepção, provocados pela militante ação das lideranças sociais no interior do sistema político, diversificando seu repertório de ação. Mas, de acordo com Goldstone, os pesquisadores ainda os viam agindo fora do mundo institucionalizado, “emerging only for intermittent rounds of conflict with

established institutions and authorities” (2004, p. 337). Para Melucci (1996), o movimento

político, que interage com o sistema político, busca ampliar os critérios de participação e melhorar a influência dos atores sociais sobre o processo de tomada de decisão, garantir acesso a esse processo, e se esforçar para abrir novos canais para a expressão de demandas previamente excluídas. Tentam empurrar, em qualquer situação, a participação para além dos limites estabelecidos pelo sistema político existente, mas expressa conflito ao romper com o confinamento do sistema político (1996, p. 35), portanto, está em atrito com o Estado.

Combatendo essa visão, Goldstone afirma que os movimentos sociais não devem ser analisados apenas como forças reprimidas que lutam contra o Estado. Ao contrário, ele propõe que os ativistas sejam situados num campo relacional dinâmico, no qual as ações e interesses dos atores estatais - grupos aliados e contrários aos movimentos – e o público em geral, todos, influenciem a emergência, atividade e resultados dos movimentos sociais (2004, p. 333). Pesquisas empíricas vêm demonstrando repetidamente que os atores e as estruturas

dos partidos políticos, do Estado e dos movimentos sociais são interdependentes16. Portanto,

Goldstone acredita ser essencial mapear o campo das relações dos movimentos sociais com

outros atores e grupos que afetam suas atividades17. Para o autor,

[it] would not simply treat a movement as an “outside” actor seeking opportunities for “non- institutional” actions; rather, movements would be seen as elements in a complex field of players in politics and society that are seeking advantages by using a variety of tactics. Thus, movements could work through political parties and institutionalized actions as well as by protest, and political parties

16 Ver Goldstone (2003).

17Goldstone propõe rever a estrutura de oportunidade política em uma noção mais flexível de campos relacionais

externos, que tem duas partes: uma para o estudo de movimentos individuais e outra para estudos comparativos de clusters de movimentos ou diferentes movimentos ao longo do tempo e espaço (2004, p. 358).

and politicians could work through supporting movements, counter-movements, or protest actions (Goldstone, 2004, p, 359).

Abers e von Bülow (2011), na mesma linha traçada por Goldstone (2003; 2004), argumentam que delimitar o estudo sobre movimentos sociais a um tipo específico de ação coletiva torna formas importantes de organização, ação ou relações sociais invisíveis. Uma delas é a atuação de atores localizados dentro da arena estatal. Nas ocasiões em que a literatura pertinente identificou a possibilidade de atores estatais serem aliados de movimentos sociais, afirmam, houve resistência em admitir que essas alianças podem envolver a construção de redes que cruzam as fronteiras entre Estado e sociedade, que, por sua vez, podem gerar ativismo a favor dos movimentos sociais a partir do interior do Estado (p. 54).

A perspectiva de lideranças sociais e seus grupos presentes em diferentes arenas sociais e políticas, construindo vínculos com atores do sistema político em sua ação coletiva cotidiana resgata a interpretação do ativismo social multi-engajado e ressignifica a compreensão dos movimentos sociais como challengers do sistema político. Eles são, ao contrário, constituintes desse sistema em suas ações de apoio e trocas com partidos políticos, burocratas e com as constelações de grupos e dinâmicas que se formam durante os processos eleitorais, de campanha política e de protesto.

Essa base argumentativa pavimenta o caminho para a compreensão do grupo de ambientalistas estudado nesta tese. Os ambientalistas que articulam com o sistema político federal estão organizados em redes de organizações e indivíduos multi-engajados localizados na sociedade e nas instituições políticas (Hochstetler e Keck, 2007). Eles atravessam as fronteiras entre Estado e sociedade, articulam com partidos políticos, participam de eleições, fazem lobby e se vinculam a atores sociais estratégicos em função de identidades partilhadas e estratégias construídas coletivamente para conquistarem eficácia política e os objetivos das ações pelas quais se colocam em luta. Segundo a orientação de Goldstone (2004), isso não significa desistência da ação de protesto, que pode, inclusive, ter apoio de partidos políticos e incentivo de determinadas áreas do governo.

Compreendemos que movimentos sociais são redes informais de indivíduos e organizações engajados em processos sociais, que envolvem relações de conflito e de parceria com atores e instituições sociais e políticas, partilham de identidade coletiva,

estratégia e projetos e implicam solidariedade. Estão situados num campo relacional dinâmico, no qual ações e interesses de atores e instituições políticas e do público em geral – aliados ou contrários aos movimentos sociais - influenciam a emergência, atividade e resultado da ação coletiva dos movimentos sociais. Nessa perspectiva, está incluída toda ação política dos movimentos, não apenas as extra-institucionais, como os protestos, mas também atividades de lobbying, ação judicial, parcerias com partidos políticos em ações nas arenas eleitoral, governamental e legislativa.

Uma forma de ilustração de determinado movimento social pode ser um círculo de traçado pontilhado que exprime o caráter poroso e informal das fronteiras dos movimentos sociais com seu ambiente (contexto social, político, econômico, cultural etc.). No interior desse círculo, estão indivíduos, organizações, lideranças que se identificam com o movimento e que interagem com outros movimentos e organizações.

Diagrama 1: Movimentos sociais