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2. De onde começamos e como nos formamos

2.5. A terceira onda do ambientalismo: profissionalização

2.5.1. Novas formas de organização e de relação com o Estado

Por fim, a terceira onda ocorreu a partir de 1989, quando boa parte do movimento migrou do protesto para os projetos em organizações não-governamentais, profissionalizando sua ação coletiva e participando de forma mais contundente na influência do sistema político (Hochstetler e Keck, 2007). Porém, inicialmente, essa década trazia grandes desvantagens políticas ao movimento ambientalista. A eleição de Fernando Collor de Melo à presidência da república, em 1989, veio acompanhada do fechamento dos poucos canais burocráticos abertos pelos ambientalistas nas décadas anteriores. A Secretaria Especial de Meio Ambiente perdeu a pouca importância que tinha e virou uma instância em outro órgão de planejamento do governo. José Lutzemberg, um dos fundadores da AGAPAN, na década de 1970, era o representante dos ambientalistas nessa nova instituição, mas houve uma grande decepção com sua atuação política. Ele foi acusado pelos ambientalistas da época de trair o movimento e servir aos interesses do Estado, pois não se dedicou à defesa da pauta ambiental e se ajustava às conformidades da política. No caso da preparação da Eco-92, ele articulou muito pouco. Esse novo cenário político estimulou alguns grupos a profissionalizarem sua atuação e contribuiu para outros perderem força e desaparecerem (Alonso et al., 2007).

Ainda no início da década de 1990, na análise de Alonso et al., ocorre uma grande abertura de oportunidade política para o movimento, que é a realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92 ou Rio-92. Com o alijamento dos ativistas da estrutura burocrática nacional e as oportunidades de participação conferidas pelo formato da Rio-92, os ambientalistas passaram a investir no fortalecimento de suas associações, buscaram apoio maciço na sociedade civil e se distanciaram do Estado. Assim, surgiram várias ONGs e também o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS), que era a instância aglutinadora da rede dos ambientalistas para a Rio-92, o qual existe até hoje, mas com pouca força como rede.

A pauta ambiental foi expandida nesse período, as discussões não ficaram mais centradas no conservacionismo, mas se direcionaram para críticas em relação ao modelo econômico global, às desigualdades sociais, à distribuição desigual dos impactos ambientais, e cresceu a preocupação com a agenda urbana, também chamada de agenda marrom. O conceito de “desenvolvimento sustentável” emergiu com força predominante nesse período. Um dos efeitos da ampliação da agenda ambiental para questões de cunho mais social foi maior aproximação com a luta dos militantes petistas, pois partilhavam ideias comuns de outros movimentos sociais.

A preparação para a Eco-92 exigiu muito da capacidade de mobilização das organizações ambientalistas que passaram a interagir com mais frequência e intensidade com instituições internacionais, as quais se tornaram grandes doadoras de recursos para as ONGs implementarem projetos de diferente ordem na vastidão do território brasileiro, mas com foco maior na região amazônica. Trabalhar nessa região, sem dúvida, era um real atrativo de recursos. As principais organizações ambientais que tinham estrutura para desenvolver os projetos tinham sua sede nas regiões sul-sudeste e passaram a abrir filiais nos estados da região amazônica, como o Instituto Socioambiental (ISA). Outras organizações, coordenadas por acadêmicos, também se desenvolveram em estados da Amazônia, como o Instituto Ambiental de Pesquisa da Amazônia (IPAM) e o Instituto do Home e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON).

A realização da Eco-92 no Brasil estimulou a vinda de importantes organizações

Nature Conservancy. As duas últimas abriram escritórios em Brasília, além de construírem base de trabalho em outras regiões do Brasil. O Greenpeace abriu escritório em Manaus, capital do Amazonas, e em São Paulo, onde é sua sede, porém sempre teve funcionários que se dedicaram ao acompanhamento das ações dos poderes legislativo, executivo e judiciário. O mesmo aconteceu com as outras ONGs internacionais, umas se dedicaram mais ao trabalho de advocacy do que outras.

O fluxo de recursos das organizações internacionais correu também para o caixa público dos governos federal e estaduais. Muitos projetos e políticas governamentais foram apoiados, estimulados e financiados por organizações internacionais, como Heinrich Böll, braço do Partido Verde alemão, por instituições e governos da Noruega, dos Países Baixos e de outros países, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), e pelos 7 países mais ricos do mundo, aqueles que constituíam o G-7, que financiou

o Programa Piloto para a Proteção das Florestas do Brasil (PPG-7)61. É posto em evidência,

portanto, o caráter internacionalista do desenvolvimento do ambientalismo no Brasil tanto em termos de orientação de projetos da sociedade civil como de políticas governamentais.

Logo após a realização da Eco-92, um acontecimento explosivo no país minou o foco dos desdobramentos desse evento internacional. Trata-se das mobilizações pela ética na política e contra a corrupção que resultaram no impeachment do então presidente da república Fernando Collor de Melo (1990-1992). A mobilização foi comandada principalmente pelos movimentos estudantis, com a liderança mais expressiva da União Nacional dos Estudantes (UNE). O país, que engatinhava no território da redemocratização, mostrava-se inconformado com os desmandos e ingerências governamentais. Foi um momento em que a pauta ambiental politicamente ficou em suspenso.

No ano de 1994, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, para a presidência da república, deu-se início a um novo ciclo de relação entre Estado e sociedade, que perdurou até 2002, ano em que findou seu segundo mandato. Com valores neoliberais de descentralização do Estado, muitas das responsabilidades públicas foram repassadas a

61 O PPG-7 foi o principal doador de recursos para o MMA e o responsável financeiro pela implementação das

políticas públicas, o que era realizado por consultores contratados por organismos internacionais e pela contratação de OSCIPs. O Programa oportunizou, pelo planejamento e execução de políticos públicas, maior aproximação entre a sociedade civil e o Ministério.

organizações sociais. Com o argumento de que essas organizações possuíam maior capacidade técnica do que o Estado para alcançar o interior do Brasil e identificar e gerir as demandas, o governo passou a contratá-las para prestação de serviços (Bresser Pereira, 2005). Muitas ONGs ambientalistas foram criadas e se fortaleceram nesse período com o apoio de recursos do Estado e também de doações vindas de países industrializados preocupados com a preservação das florestas e com o desenvolvimento sustentável no Brasil. O movimento, nesse momento, passou a ter a identidade moldada por organizações não governamentais (Alonso et al. 2007) e muitas delas migraram ou abriram escritórios em Brasília, sede do governo federal, para implementarem definitivamente a estratégia de interação direta com o sistema político. ISA e IPAM são exemplos de organizações que estabeleceram filiais na capital federal.

É importante destacar que a disputa por recursos públicos e de doadores internacionais colocava as ONGs em constante competição. Os doadores abriam editais e as ONGs deveriam escrever projetos que seriam avaliados. Os editais definiam, na maioria das vezes, a natureza do trabalho a ser desenvolvido, a região onde as ONGs atuariam e também as suas equipes. A capacitação técnica dos membros dessas organizações, nesse sentido, era imperativa na definição de quais delas obteriam sucesso com os editais e conseguiriam mais doação (Entrevista 47, 3/2/2015).

Para além da internacionalização das ONGs nesse momento, destacamos que os principais recursos do Ministério do Meio Ambiente vinham de instituições internacionais. Isto é, tanto movimento quanto o Estado passaram por processos de internacionalização na área ambiental durante essa década.