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2. De onde começamos e como nos formamos

2.4. Segunda onda do ambientalismo brasileiro: politização

2.4.5. De volta à sociedade

A história do ambientalismo no Brasil é, frequentemente, contada a partir da experiência e articulação do movimento no eixo regional sul-sudeste. As organizações ambientalistas eram mais bem definidas e estruturadas nessas duas regiões, onde organizavam campanhas, alcançavam a mídia e construíam parcerias com diferentes setores, ao menos aquelas que se sentiam livres para interagir com o Estado e com o setor empresarial, como o fez a Fundação SOS Mata Atlântica. Entretanto, na Amazônia, em especial no estado do Acre, uma dinâmica muito importante para o ambientalismo se desenvolvia na década de 1980. Trata-se da militância dos extrativistas da borracha, os seringueiros, liderada por Chico Mendes.

A luta dos extrativistas no Acre contra grileiros, fazendeiros e especuladores que tentavam invadir as áreas da floresta e impedir suas atividades construiu rapidamente uma rede de aliados tanto no Acre (com a igreja e com outros movimentos sociais), no Brasil (com

a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG; a Central Única dos

Trabalhadores – CUT; e o Partido dos Trabalhadores) e internacionalmente (Keck, 1995). A

CONTAG ajudou a organizar politicamente e a fortalecer as atividades dos extrativistas, estruturando o PT naquele estado e também a CUT. Essa atividade bateu frontalmente com interesses políticos regionais e fez oposição ao PMDB. A repressão e assassinato de extrativistas, militantes e trabalhadores rurais sindicalizados levaram representantes do PT, dentre eles o Lula, e trabalhadores rurais de outras regiões a realizarem protestos naquele estado. Isso chamou a atenção da opinião pública.

Na metade dos anos 1980, os extrativistas receberam grande apoio de ambientalistas, que estabeleceram comitês de defesa da Amazônia em quase todos os estados brasileiros e nas grandes cidades. Os ambientalistas desenvolveram uma relação com Chico Mendes ainda cedo na história de luta desse grupo, da mesma forma que o fez outras organizações onde predominavam membros do PT (Keck e Sikkink, 1998).

Alguns estudantes de pós-graduação à época, como Tony Gross, Mary Allegretti e Steve Schwartzman, que foram realizar pesquisa de campo na região, envolveram-se com a luta dos extrativistas e indígenas e acabaram oferecendo assistência a esse grupo. O britânico Tony Gross, por exemplo, construiu, gradualmente, apoio internacional para os extrativistas quando trabalhou com essa temática na organização Oxfam, de mesma nacionalidade que a

sua. Essa colaboração colocou em evidência para a comunidade internacional a luta de Chico

Mendes no Acre e desenvolveu também a ideia de reservas extrativistas – unidades de

conservação nas quais a população extrativista tem o direito de permanecer na terra e continuar a desenvolver suas atividades tradicionais. Inicialmente, a mobilização dos extrativistas era considerada uma luta de movimentos e trabalhadores rurais por acesso à terra. Mas, essa visão seria mudada, especialmente a partir de 1988.

Para Keck e Sikkink (1998), a mudança ocorreu, em parte, por causa da aliança entre os extrativistas e os ambientalistas que estavam trabalhando em conjunto para influenciar as regras de empréstimo dos bancos multilaterais para organizações em países em desenvolvimento. Eles tentavam estabelecer mecanismos que favoreciam os povos das florestas, as entidades que trabalhassem com proteção ambiental e que os governos e os bancos doadores fossem ambientalmente mais responsáveis com os projetos a serem implementados. Por outra parte, o verão extremamente quente e a seca em partes politicamente importantes dos Estados Unidos, combinado com dados de satélite que informavam a extensão da floresta amazônica que estava em chamas, impulsionaram as discussões de que o desmatamento na Amazônia estava contribuindo para o aquecimento global. Porém, o estopim para a transformação foi o assassinato de Chico Mendes, que ocorreu no final de 1988.

O ativista Chico Mendes se tornara conhecido pelo seu ativismo de proteção da floresta. O seu assassinato mobilizou a opinião pública nacional e internacional que passou a cobrar ação mais incisiva dos governantes brasileiros em relação à proteção da Amazônia e também à proteção das pessoas que lá habitavam e que defendiam a floresta. Chico Mendes se tornava, com esse fato, um herói e uma grande referência para ambientalistas no Brasil e no mundo. Isto é, alguém cujo legado deveria ser defendido.

Foi nesse cenário que surgiu Marina Silva como uma representante política da militância extrativista. Ela trabalhava muito próxima a Chico Mendes, que se tornou uma inspiração não apenas para ela. Marina continuou a luta do militante e se disponibilizou a fazê-la no âmbito da política (César, 2010). Observamos que, na Amazônia, especialmente no Acre, uma luta ambiental era travada e ela estava diretamente associada a questões de posse da terra, de desenvolvimento social e de militância política com participação do Partido

dos Trabalhadores. Isso seria importante para a consolidação do socioambientalismo no Brasil.

Hochstetler e Keck (2007) argumentam que, no começo da década de 1990, praticamente todas as organizações ambientalistas haviam adotado o discurso e a prática do socioambientalismo, que considera a pobreza e a degradação ambiental como partes da mesma história causal. Sendo mais claras, “it meant a belief that in the realm of development

favoring the poor and protecting the environment were mutually reinforcing goals” (p. 109).

Para as autoras, há três diferentes causas do socioambientalismo: i) o novo ambientalismo, que emergiu no fim do período militar, quando explodiu iniciativas de mobilização na sociedade civil vinculado ao espectro político esquerdista; ii) a morte de Chico Mendes, em 1988, suscitou a consciência e discussões sobre a ligação entre as lutas pela sobrevivência dos povos tradicionais da floresta e a proteção da Amazônia; e iii) o processo preparatório para a Eco-92, que trouxe junto uma variedade de organizações ambientais, feministas, sindicatos rurais e urbanos e outros movimentos sociais que se

envolveram no processo e sustentaram diálogos durante quase dois anos – que foi o período

de preparação para a conferência no Rio de Janeiro. Isso não significa que as organizações conservacionistas e preservacionistas despareceram, elas perderam o espaço e a presença que tinham antes.

Por fim, informam que durante a segunda onda do ambientalismo, os atores sociais fizeram escolhas políticas e organizacionais sobre como serem ativistas ambientais tanto como indivíduos quanto como organizações. Consideram que ser um ativista ambiental não os impede de participar de organizações partidárias, levantar recursos para apoiar sindicalistas em greve ou protestar contra os altos custos de vida. Em sua maioria, os ambientalistas se reconheciam num enquadramento socioambiental, buscaram fortalecer essa identidade coletiva ao passo que também avançavam em relações estratégicas com partidos políticos e com o Congresso Nacional.

Nesse período de abertura política, o Brasil estava retornando a um sistema político multipartidário, em que opositores do regime militar, expulsos do país e do mundo político, regressavam entusiasmados para construir uma nação democrática. Na leitura de Mische (2015), essa movimentação conduziu a um rápido florescimento de pequenos partidos de

oposição, que demandavam alto grau de compromisso e engajamento, e a explosão de movimentos sociais rurais e urbanos. Para a autora, a dinâmica resultante desse contexto foi uma interpenetração de redes partidárias e sociais que tiveram efeitos positivos e negativos para os movimentos sociais.

O envolvimento intenso de lideranças de movimentos sociais com a formação e fortalecimento de partidos políticos drenava as energias dessas lideranças e resultava em rachas internos aos movimentos, a depender da linha política de um partido e a qual partido político as lideranças se associavam (Alvarez, 1990). Problemas de política partidária estavam sendo levados para o interior dos movimentos sociais e causando conflitos. Nesse sentido, o apelo para fortalecer o movimento no campo social em detrimento da atuação político-partidária era constante e estava relacionado com questões de autonomia dos movimentos sociais (Ibid., Escobar e Alvarez, 1992; Cardoso, 1992).

A identidade coletiva dos movimentos sociais é formada a partir de um processo de ativação das relações que vinculam os atores sociais, que desperta laços de solidariedade com seus colegas e sempre requer investimento de “identity work” que cria, sustenta e transforma identidades (Melucci, 1996; McGarry e Jasper, 2015). Portanto, a constituição e sustentação da identidade coletiva é um processo relacional. Se o campo relacional dos movimentos sociais inclui instituições políticas e partidárias, sua identidade, estratégias e projetos inevitavelmente serão afetados pelas relações, seja positiva ou negativamente. O movimento ambientalista, no caso das associações e indivíduos que se decidiram pela ação institucional, terá de lidar com as diferentes relações que trazem um mix de desafios à identidade que construíram. Conforme defendido por Boggs (1986), a identidade dos movimentos sociais deve estar bem consolidada para que atores sociais façam os trânsitos político-institucionais necessários aos objetivos da ação coletiva sem prejudicar o movimento. A formação e fortalecimento da identidade dos movimentos sociais são valorizadas por esse autor porque é a consolidação da identidade coletiva que possibilita a criação de partidos políticos por movimentos sociais ou sua interação com as legendas partidárias sem afetar negativamente a estrutura movimentalista.

Mas um grande desafio se impôs aos ambientalistas brasileiros, pois o período de abertura democrática foi marcado pela formação de novos movimentos sociais e de novos

partidos políticos, ocorrendo uma coevolução, ao menos temporal, dos partidos políticos e movimentos sociais que, como assinalaram Heaney e Rojas (2015), entrelaçam-se por razões distintas, especialmente por atores que atuam em ambos os campos e demonstram identidades múltiplas. Para os autores, esse fenômeno tende a criar path dependence, pois as lógicas de desenvolvimento dos partidos dependem, em parte, das suas respostas às estratégias dos movimentos sociais, e as lógicas de desenvolvimento dos movimentos sociais dependem, também em parte, das oportunidades abertas e fechadas para eles pelos partidos políticos. O que abordaremos na próxima seção e também nos próximos capítulos exemplificarão como o Partido dos Trabalhadores e o movimento ambientalista, em algum sentido, vivenciaram essa situação de coevolução, múltipla identidade e path dependence.