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1. Movimentos sociais em interação com partidos políticos

1.1. Introdução

Na literatura dedicada ao estudo de movimentos sociais e ao estudo de partidos políticos, numerosos são os trabalhos que evocam as interações entre esses dois atores. A análise acadêmica das interações, todavia, não acompanhou a quantidade dessas evocações (Combes, 2009; McAdam e Tarrow, 2010). A carência de análise das relações se explica, em parte, pelo afastamento das duas disciplinas (De Leon et al., 2009). Ao longo dos anos, os partidos políticos se constituíram em objeto canônico da ciência política, ao passo que, até a década de 1990, a análise dos movimentos sociais se concentrava na sociologia (Sawicki, 1994; Combes, 2009). Mudge e Chen (2014) assinalaram que a ordem não foi sempre essa, a sociologia clássica dos partidos surgiu à medida em que os próprios partidos eram organizados. Porém, ainda na década de 1960, os sociólogos políticos lançaram seus olhares para outros temas, deixando o estudo de partidos aos cuidados da ciência política.

Na década de 1990, sociólogos e cientistas políticos, conjuntamente, produziram novas análises que abordavam os partidos para além de seu formato organizacional, como forças causadoras de mudanças históricas, como efeitos de outros processos políticos e sociais e ainda como organizações que possuem importância em si mesmas (Ibid., p. 312). Nessa proposta, o trabalho de Schwartz (1990) oferceu uma grande contribuição, ao tratar os partidos políticos como “rede de relações”, inaugurando uma nova abordagem sociológica e política que pensa os partidos em formato mais flexível. Tal abordagem avalia os partidos políticos como organizações que possuem uma instância formal e outra informal. Nesta instância informal, os partidos estabelecem relações com uma rede de atores que vão desde consultores de campanhas eleitorais a movimentos sociais, passando por grupos de interesse

e financiadores de campanhas13.

13 Para mais informação, ver Bernstein, 2005; Heaney e Rojas, 2007; Heaney et al., 2009; Heaney e Rojas,

Alguns pesquisadores sobre movimentos sociais, atentos a essa perspectiva, voltaram a atenção para os laços entre partidos e movimentos com o objetivo de refazerem o enquadramento no qual ambos eram analisados como modos de ação política mutualmente

excludentes14. Com isso, ofereceram grande contribuição para as pesquisas nessa área

(Mudge e Chen, 2014). Num esforço de ressignificar os laços entre política institucional e não institucional, os movimentos sociais, os partidos políticos e o Estado passaram a ser analisados por muitos desses pesquisadores como organizações interconectadas num formato dinâmico (Goldstone, 2003a). Nessa seara, foram produzidos estudos que examinam como movimentos e partidos atuam em conjunto e que abordam os partidos políticos como canais por meio dos quais os movimentos sociais afetam políticas e Estados.

No geral, esses três objetos são considerados por alguns estudiosos como entidades distintas entre si (Goldstone, 2003; 2004; Desai, 2003; De Leon et al., 2009; Amenta et al., 2010; Mudge e Chen, 2014), mas há estudos na área de movimentos sociais, como o de Cowell-Meyers (2014), que assinalam que movimentos sociais podem se transformar em partidos políticos, tornando-se uma unidade. Cowell-Meyers nos apresentou o conceito de partido-movimento (movement-party), movimentos sociais que se transformam em partidos políticos. Para a autora, partidos podem funcionar como uma tática de confronto escolhida pelo movimento social.

Estudiosos sobre partidos políticos, em número ainda menor que os pesquisadores anteriores, ao partir do desenvolvimento da literatura que conferia importância às redes de relação dos partidos, também se dedicaram a analisar formas de interação entre esses e movimentos sociais. Nesse campo, é possível citar os estudos de Schwartz (2006), de Heaney e Rojas (2007; 2015) e o de Scholzman (2015). Um aspecto em comum entre esses estudos, com exceção dos trabalhos de Heaney e Rojas, é que destacaram a fusão dessas duas formas organizacionais, chegando a, em alguns casos, considerarem-nos como uma entidade. Os movimentos sociais, para esses pesquisadores, são estruturas com diferentes regularidades capazes de lhes conferir características de organizações formais. Eles foram analisados, assim como os partidos políticos, pelas lentes da teoria organizacional. O trabalho de Schwartz tornou conhecido o conceito de movimentos de partido (party movements), definido como

movimentos sociais que se engajam com partidos políticos para mudarem os valores e instituições da sociedade e, assim, podendo se tornar uma unidade articuladora (Schwartz, 2006).

Apesar de, por vezes, encontrarem pontos de convergência, no geral, as literaturas sobre movimentos sociais e partidos políticos abordam esses objetos como entes distintos, acabando por exagerar as suas diferenças. Numa análise das duas literaturas, a distinção entre movimento social e partido político pode ser marcada pelo processo de construção e manutenção da identidade coletiva e da identidade partidária, bem como da escolha de estratégias e táticas resultantes de reflexões realizadas a partir de como os movimentos sociais e os partidários se enxergam, conectam-se e se relacionam internamente ao seu grupo

e com o mundo externo, além dos recursos de que dispõem e acessam15. Em outra

abordagem, Kitschelt (2006) assinala que os partidos políticos formados por movimentos sociais são organizações diferentes do que considera um partido puro, a não ser que cumpram os requisitos sugeridos pelo autor para se tornarem de fato um partido político ao fazer a transição institucional, quais sejam: investimentos funcionais para resolver problemas de ação coletiva e de escolhas sociais.

Diante do dilema dos elementos que favorecem e dificultam a interação entre movimentos sociais e partidos políticos, desenvolvemos um diálogo com ambas as literaturas, construindo nossa compreensão sobre movimentos sociais e partidos políticos, apresentamos as formas distintas em que as literaturas abordam a construção da identidade de ambos e como ela influencia a escolha de estratégias e táticas dos movimentos e dos partidos. Assim, pretendemos trabalhar a seguinte questão: quais elementos podem contribuir para aproximação e distanciamento entre movimentos sociais e partidos políticos?

Nesta tese, assumimos que há um terreno de sobreposição entre movimentos sociais e partidos políticos, que chamamos de partido informal, em que ambos interagem intensamente, produzindo influências mútuas. Defendemos que os elementos que aproximam ou distanciam partidos e movimentos podem ser as estratégias e identidades assumidas por cada um e defendemos ainda que as interações entre movimentos sociais e partidos políticos podem ser mediadas e estimuladas por pessoas que exercem papel de liderança na

organização partidária e no movimento social, os líderes sociopartidário, pois, por carregarem consigo características das diferentes institucionalidades a que pertencem (cf. Simmel), os líderes funcionam também como brokers, conectando campos distintos (Mische, 2008).

Neste capítulo, primeiramente, apresentamos nossa compreensão sobre movimentos sociais e partidos políticos. Na sequência, abordamos o processo de construção de identidade e de estratégia de cada um, marcamos semelhanças e diferenças entre a identidade coletiva e partidária e apresentamos argumentos que suas identidades e estratégias podem ser elementos que aproximam ou distanciam partidos e movimentos e que, nessa interação, fortes lideranças, pertencentes aos dois grupos, podem dar a intensidade e o grau da relação entre eles. Essas interações, na nossa proposta, acontece no terreno do partido informal. Por fim, apresentamos um mapa de terreno de ação para analisar as interações entre movimentos sociais e partidos políticos, a ser utilizado nos capítulos empíricos da tese.