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2. De onde começamos e como nos formamos

2.5. A terceira onda do ambientalismo: profissionalização

2.5.5. Forma-se uma liderança petista na arena legislativa

É nesse cenário de sobreposição dos partidos de esquerda, de destaque de personalidades políticas e associações entre movimentos e partidos que surgiu Marina Silva. A mulher negra, seringueira, petista e jovem chegava à Brasília para assumir o cargo de Senadora Federal pelo estado do Acre, no ano de 1995. Antes disso, Marina tinha sido Deputada Estadual, em 1989. Ela foi novamente eleita Senadora Federal nas eleições de 2002, também pelo PT.

Já em seu discurso de posse, Marina esclareceu que sua luta era pela defesa da floresta e dos povos que nela vivem e que daria continuidade ao legado de Chico Mendes, com quem militou no Acre. Sua chegada ao Senado Federal foi motivo para elaboração de caricaturas e chacotas sobre sua origem e capacidade de representar politicamente um estado, mesmo que fosse o Acre, um dos mais pobres do Brasil (César, 2010). Contrariando as críticas, Marina logo ganhou respeito pelo seu “mandato de opinião” e chegou a ser líder do partido no Senado ao final de seu primeiro mandato (Ibid.).

Ao assumir o cargo de Senadora, uma das primeiras iniciativas foi elaborar projeto de lei para regulamentar o acesso aos recursos genéticos, assunto que envolve temas espinhosos como bioprospecção, biopirataria, espionagem, bem imaterial, dentre outros. Outra agenda com a qual se envolveu intensamente foi a de transgênicos. Em 1997, a então Senadora apresentou projeto de lei que estabelecia moratória do plantio, comércio e consumo de organismos geneticamente modificados e seus derivados. O PT, na pessoa de Luiz Inácio Lula da Silva, também se posicionou contra o plantio dos transgênicos, chegando a apresentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra tentativas do governo do PSDB de liberar a transgenia no país. Como será exposto no capítulo seguinte, essa postura do partido mudou depois que assumiu o governo federal.

Ao todo, Marina apresentou 54 projetos de lei (PL) e mais de 100 proposições, a grande maioria vinculada a assuntos socioambientais e à Amazônia (Ibid.). De acordo com

um dos seus assessores, Marina conduzia um “legislar coletivo”, em que consultava a

comunidade científica, diferentes setores da sociedade e, principalmente, representantes do movimento ambientalista, estruturados em ONGs, que se capacitaram e profissionalizaram durante a década de 1990 para acompanhar a complexidade da agenda socioambiental (Entrevista 19, 7/3/2014). O PL sobre acesso a recursos genéticos, por exemplo, foi elaborado com forte apoio e acompanhamento de Muriel Saragoussi, da Fundação Vitória Amazônica, ONG com sede em Manaus. Saragoussi é doutora em genética e especialista no assunto. Na pauta dos transgênicos, ela foi constantemente assessorada pela equipe do Greenpeace, especialmente por Marijane Lisboa. Dessa forma, Marina foi construindo elos com organizações e pessoas.

Para representante do Instituto Socioambiental (ISA), organização especializada no trabalho de advocacy, Marina estabeleceu

uma relação muito direta com a sociedade civil no âmbito do mandato do Senado (...) ela era, digamos, o porto seguro das nossas demandas no Senado, assim como nós éramos o aparato, o apoio dela, muitas vezes, de produção de subsídios, de propostas, de pareceres para a atuação dela (Entrevista 2, 24/4/2013).

Mische (2008) assinala que a construção e transformação de identidade coletiva está nas redes relacionais dos atores sociais que se ligam pelas histórias e projetos a eles associados. Marina começava a construir com esses ativistas ambientais uma história de identidade. Ela

deu visibilidade às questões ecológicas e ganhou reconhecimento nacional e internacional pela sua luta. A recompensa e competência são poderes que legitimam a edificação e ação de liderança, segundo Melucci (1996). Marina conquistou respeito e deferência dos representantes de ONGs ambientalistas que a elegeram como sua representante no Senado. O alemão Thomas Fatheuer, diretor do escritório da Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde alemão, e observador externo do ambientalismo no Brasil desde o período da Conferência Rio-92, analisou que o mandato de Marina Silva “amplificou a luta pela preservação do meio ambiente” e “cristaliza[ou] a luta pelas causas socioambientais” (Fatheuer, em entrevista para César, 2010, p. 179).

Foi nesse período que os ambientalistas reconheceram em Marina Silva, então do PT, uma grande aliada e a liderança que poderia defender seus projetos. Outros representantes do partido, como Aluísio Mercadante, Eduardo Suplicy e Gilney Viana também eram

defensores, de diferentes formas, das causas ambientais – o primeiro em menor grau e

intensidade que os outros (Entrevista 18, 28/11/2013). Os ambientalistas igualmente recorriam à representação da Assessoria Especial de Meio Ambiente do PT, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, para influenciar seus parlamentares com ideias socioambientais. Um entrevistado revelou que:

(...) no PT, os parlamentares ajudavam botando pra frente todas aquelas questões [ambientais] de embate, ajudava e inclusive boa parte das lideranças socioambientais tinham em parlamentares do PT apoios importantes no Congresso Nacional (Entrevista 31, 16/1/2015)

É importante trazer em tela que, apesar do PT ter se constituído como “representante político do movimento ambientalista” (Entrevista 9, 2/2/2015), outros partidos também auxiliavam o movimento na defesa ou bloqueio de projetos e políticas relativas ao ambientalismo. Para representante da Fundação SOS Mata Atlântica, a aposta no parlamentar e/ou no partido depende das condições do projeto: em qual comissão das casas legislativas o projeto de lei está, quem é o autor do projeto; quem é o relator; qual o tema da matéria em destaque; dentre outros elementos (Entrevista 25, 7/2014). Portanto, havia também conexões com outros partidos e parlamentares.

Durante a terceira onda do ambientalismo, são observadas diferentes mudanças na dinâmica e identidade do movimento ambientalista: a consolidação da identidade coletiva como organizações não governamentais; a profissionalização das ONGs; o arrefecimento da

mobilização política para uma atuação mais técnica; a internacionalização das redes políticas e sociais que se desenvolveram a partir da Rio-92; a relação com partidos políticos pautada pela defesa e bloqueio de propostas no Congresso Nacional; e o estabelecimento da relação com o Estado por meio de prestações de serviço. Observamos também o fortalecimento de relação com o PT, legenda que abrigava diferentes bandeiras dos movimentos sociais, as quais eram defendidas nas experiências do partido em administração de municípios e estados e também no poder legislativo.

A aderência do movimento ambientalista ao PT parece focar mais a questão da luta política, conforme narrou um entrevistado petista e ambientalista, do que uma identidade de causas. Conforme Hochstetler e Keck (2007) avaliaram, as questões ambientais configuravam mais como uma laundry list para os militantes petistas tradicionais do que uma bandeira de luta de fato. Apesar disso, era a legenda que tinha uma instância organizacional dedicada a questões ambientais e foi apresentada pelos entrevistados e analistas como a organização partidária onde o ambientalismo mais prosperou.

Na relação do movimento com parlamentares, o destaque dessa década foi a petista Marina Silva, ainda que houvesse outros parlamentares sensíveis a questões ambientais. De fato, Marina culminou como a representante por excelência da luta pela proteção das florestas e dos povos que nelas vivem. Naturalmente, ela atraiu para junto de si aqueles que compreendiam o ambientalismo da mesma forma que ela, construindo uma rede de atores de diferentes institucionalidades que agiriam em conjunto por muitos anos, conforme será demonstrado nos capítulos seguintes.