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Ações da equipe que dificultam a criação de vínculo

4. INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.2 PERCEPÇÃO DAS USUÁRIAS ACERCA DO VÍNCULO DESENVOLVIDO COM A

4.2.6 Ações da equipe que dificultam a criação de vínculo

No quadro 12 é possível perceber dezesseis ações da equipe que dificultam o desenvolvimento de vínculo com os usuários, na percepção das mulheres entrevistadas. As ações que mais apareceram nas falas, com três citações cada uma, são a “Má recepção” que é oferecida aos usuários, a “Falta de interação com os usuários e a “Impossibilidade de serviços”.

(Continua)

Categoria Subcategorias Fala das entrevistadas Oc.

Ações da equipe que dificultam a criação de vínculo Falta de exames clínicos

“Se fosse numa clínica particular ela ia ficar meia hora me perguntando um monte de coisa até ele me dar uma solução, alguma coisa.. ali ele falou comigo 5 minutos e queria me dar uma decisão dessa..” (Ágata)

1

Mudança precoce de prescrições

Quando eu vejo que a pessoa tem conhecimento do que ela ta falando, a gente pode até analisar né, agora o médico falou pra mim diminui o remédio que eu to tomando já faz mais de 7 anos, ele falou comigo 5 minutos já pediu pra mim dimunuir, não tem como levar em consideração o que ele falou. (Ágata)

1

Diferença de atendimento entre os membros da equipe

“quando a gente vai lá, elas são bem.. tem umas que não né, nem todas tem o mesmo atendimento. Sabe como é né, que é assim em todas as clínicas, tem clinicas particular, clinicas assim também tem umas que atendem bem, são bem atenciosas, outras já são mais desligadas.” (Esmeralda)

1

Má recepção “se fosse pra reclamar do posto, são as pessoas ali da frente que não atendem bem, isso é verdade.” (Ametista)

3

Tratamento desigual

“Assim, parece que elas têm desigualdade, quem é mais e menos, e isso não pode. Na saúde não pode ter isso. Então eu acho um ponto muito errado ali.” (Rubi)

1

Falta de receptividade

“Nesse ponto ali elas não vão ter bom relacionamento dentro do posto. Quando você é novo na comunidade, o que você tem que fazer, a primeira coisa é você vim e já dar as boas vindas, não teve nem aquela coisa assim” (Rubi)

(Continuação) Descaso com

usuários

“Fraco. Porque eu tive lá pra pegar meu remédio, eu esperei meia hora.. os enfermeiros foram pra dentro da sala, conversaram, tavam de bagunça, comendo e tava na hora de atendimento e os pacientes esperando e eles não tão.. bem desligado, bem desligado mesmo.” (Rubi)

1

Impossibilidade De serviços

“só que eu tive uma decepção com o posto daqui, eles não conseguiram marcar exame nenhum pro meu marido. Aí ainda eu vou ter que ir no CEPON recorrer isso, porque os outros postos marcam e aqui não tão marcando..” (Rubi)

3

Rodízio dos funcionários na recepção

“Não.. porque as vezes a gente chega ali é um que ta atendendo outra vez é outro né.” (Alexandrita) 2

Rotatividade de profissionais

“Não, não. Sempre ta mudando também né, que eu vejo, os enfermeiro... ta sempre mudando, o médico também fica um pouco tempo e já muda, mas assim. Sempre...” (Pérola)

1

Problemas na coordenação da equipe

“Isso tá errado e eu sei que nos outros postos não existe isso e ali é um ponto que eu acho que quem ta gerenciando ali dentro ta deixando alguns pontos muito solto. Tem que pegar mais no pé e vê se endireita isso ali, porque não é só minha reclamação.” (Rubi)

1

Informações equivocadas

“e que não consegue um exame mais aprofundado que não tem, eles dizem que não tem. E a gente sabe por traz que tem né, que o Estado libera certos exames. E as vezes você tem que pagar caríssimo né, então é bem difícil.” (Pérola)

2

Estrutura física da Unidade

“não tem, e mesmo que eles queiram atender as pessoas lá, não tem condições! É muito pequeno, muita gente [...]” (Diamante)

1 Mau humor “Mas tem uma que mediu a pressão pra mim, [...] meu

Deus tão mal humorada que parece assim que ela tem pavor! Não sei se é o dia que ela não tava muito bem né, meu Deus, aquela lá assim...(Diamante)

(Conclusão) Falta de interação

com os usuários

“Porque quando a gente chega lá pra pedir uma consulta , alguma coisa, um médico... “porque que não tem aquele médico?” Elas até falam assim, as enfermeiras, os enfermeiros... eles até falam, mas eles não dão assim muito entender, assim muito... como é... eles não são aquela pessoa aberta, muito aberta assim né. Não sei se é por causa do público também, que tem bastante gente na hora pra trabalhar, pra ajudar, que não sou só eu quando chego lá né, então pode ser isso também né? (Pérola)

3

Falta de

credibilidade na fala do usuário

“Dessa situação eu achei assim meio difícil porque.. ela podia ter acreditado já na primeira, então tá, olhou ali na minha mão “então tu vai lá fazer, te dou um dia ou dois pra ti fazer isso” não, ela só disse “não, tu podes trabalhar assim” né, naquela hora eu achei meio pesado assim.” (Alexandrita)

1

Quadro 12- Ações da equipe que dificultam a criação de vínculo Fonte: Elaboração da autora, 2011.

Segundo Simões e outros (2007), no âmbito da Atenção Básica não há ênfase sobre a humanização das ações em saúde no âmbito da Atenção Básica. As autoras pontuam que, ainda que o usuário, na maioria das vezes, não apresente necessidade de internação, da mesma forma, precisa de um atendimento de qualidade e humanizado. As autoras ainda destacam que a prática da humanização envolve além de mudanças políticas, administrativas e subjetivas, implica na transformação do modo de “enxergar” o usuário, não sendo mais concebido como digno de caridade e sim aquele que detém o direito de receber um serviço de qualidade realizado por profissionais responsáveis.

Os usuários geralmente sentem-se desprotegidos, desrespeitados, inseguros, desinformados, entre outros adjetivos, ao perceberem a falta de interesse e de responsabilização dos profissionais de saúde e dos serviços oferecidos, em favor de si mesmos e dos problemas por eles apresentados (MERHY, 1998). Pode-se dizer que o usuário que recebe uma “Má recepção” dentro de uma UBS, sobretudo, pela equipe responsável pelo seu cuidado, sente-se desrespeitado, à medida que a razão que o leva a procurar auxílio parece não ter importância para aqueles profissionais. Da mesma forma, a falta de pró-atividade dos membros da equipe em atender as demandas dos usuários pode gerar o sentimento de “Descaso com os usuários”, como foi apresentado pela usuária Rubi, quando menciona:

“Porque eu tive lá pra pegar meu remédio, eu esperei meia hora.. os enfermeiros foram pra dentro da sala, conversaram, tavam de bagunça, comendo e tava na hora de atendimento e os pacientes esperando e eles não tão.. bem desligado, bem desligado mesmo.” (sic). Estas

percepções, por parte dos usuários, geram resistências em procurar uma aproximação com a equipe.

A “Falta de interação com os usuários”, pontuada pelas entrevistadas, vai contra a Política Nacional de Humanização que visa à articulação, por parte dos profissionais, de um conjunto de fatores com o objetivo de favorecer e estimular a interação com os usuários (BRASIL, 2004). Ao fazer referência a esta categoria, nota-se que as usuárias parecem perceber a necessidade de uma equipe que tenha também interesse em construir uma relação vinculada. As entrevistadas parecem perceber que existe, por parte dos membros da equipe, também uma contribuição para que o vínculo seja desenvolvido. Pode-se concluir, através da observação das falas, que as usuárias não tem encontrado na equipe de saúde que lhes atende, a predisposição para que seja desenvolvido boas relações, como é demonstrado na fala de Rubi: “Por que lá eles não param pra conversar contigo, tu chega lá pra pedir uma coisa,

eles não olham nem na tua cara, eu fui pegar uma requisição de exame, a guria nem olhou na minha cara!”

Um aspecto interessante, pontuado pelas usuárias como dificultador da criação de vínculo é a “Diferença de atendimento entre os membros da equipe”. Sobre esta questão, Franco e Merhy (s/ano) comentam que comumente parte-se da concepção de que os membros de uma mesma equipe de ESF ajam de modo diferente entre eles, ainda que estejam submetidos à mesma norma. Os autores afirmam que a atuação no processo de trabalho não segue uma padronização, tendo em vista que as práticas de cuidado se originam a partir da singularidade dos indivíduos que as desempenham. Franco e Merhy (s/ano) discutem ainda que as diretrizes da ESF, que buscam padronizar as condutas dos profissionais, influenciam restritamente as atividades dos trabalhadores, pois na situação de trabalho, em contato com o usuário, são eles que definem como este cuidado será realizado.

Pode-se dizer que as usuárias entrevistadas sentem o impacto da diferença de atendimento ocasionada pelos diferentes indivíduos que compõem a equipe, cada qual com sua singularidade. Mas também, as questões levantadas trazem à reflexão aspectos relativos às políticas em saúde em favor da humanização dos atendimentos e das melhoras no cuidado em saúde da população. Pois, se cada qual age conforme sua singularidade, qual seria a funcionalidade das normas em saúde? Pode-se então concordar, em parte, com o posicionamento dos autores quando afirmam que a subjetividade dos trabalhadores em saúde afeta a maneira como desempenham suas funções e isto, inclusive pode ser perceptível, como foi para as usuárias entrevistadas. Porém, acredita-se que o impacto destas influências pode ser amenizado à medida que os trabalhadores sejam orientados e educados de modo a

ressignificarem suas práticas, viabilizando desta forma, o funcionamento das políticas públicas.

Ainda sobre a influência da singularidade nos atendimentos, pode-se pensar que a dinâmica destes pode mudar também em virtude dos próprios usuários, que apresentam características diferentes uns dos outros, o que também interfere no ato produtivo em saúde. Então, ainda que as políticas públicas visem a lançar diretrizes gerais, ao serem colocadas em prática é preciso que os profissionais adéqüem conforme a necessidade apresentada pelos usuários, ou seja, que considerem também suas singularidades.

Outra questão, comum dentro das unidades de saúde é a “Rotatividade dos profissionais”. É observado, no quadro 12, que este também é um aspecto que atrapalha a construção de uma relação aproximada com os profissionais da equipe. Kerber, Kirchhof e Cezar-Vaz (2008) afirmam que a ligação que passa a existir entre profissional e usuário faz com que a mudança de trabalhadores tenha muita importância. E por este motivo, a rotatividade pode ser bastante mobilizadora. Sobre a rotatividade dos profissionais é possível pensar em duas maneiras de impactar as usuárias: (1) pode-se pensar que prejudica o vínculo pelo rompimento que acontece na relação entre profissional e o usuário atendido, resultando no afastamento inevitável ou ainda, (2) a rotatividade pode fazer com que os usuários busquem não estabelecer ligação com os profissionais, em nome da possível ausência que pode vir a acontecer. Esta segunda alternativa pode estar muito presente na concepção dos usuários, como uma forma de proteção a eles próprios, dificultando o estabelecimento de relações aproximadas com a equipe atual, com o receio de quem venha a frustrar-se novamente.