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O vínculo à luz da Teoria Cognitivo Comportamental

2.2 HUMANIZAÇÃO E VÍNCULO NO ATENDIMENTO EM SAÚDE

2.2.3 O vínculo à luz da Teoria Cognitivo Comportamental

Em Psicologia, existem diferentes abordagens psicológicas que podem orientar atuações dos profissionais. Cada uma apresenta modos peculiares de enxergar o ser humano e de interpretar a maneira como este se expressa no mundo. Apesar das diferenças, o objetivo destas abordagens é um só: promover a saúde mental e criar condições para a qualidade de vida das pessoas. Entre os diferentes saberes psicológicos, a relação entre profissional e paciente pode ser concebida também por diferentes vieses, compatíveis com cada referencial teórico. Opta-se por contemplar o vínculo entre os usuários e profissionais de saúde que atuam na Estratégia Saúde da Família, a partir da perspectiva da Teoria Cognitivo- Comportamental (TCC). Diante disto, importa apresentar brevemente características fundamentais desta perspectiva teórica.

Segundo Knapp (2004), a Teoria Cognitivo-Comportamental parte da concepção de que a inter-relação entre atividade cognitiva, emoção e comportamento está atrelada ao modo funcional do ser humano. O autor enfatiza que esta inter-relação não acontece de modo linear, mas de maneira recíproca, onde pensamentos, sentimentos, comportamentos, fisiologia e ambiente influenciam-se mutuamente e qualquer alteração em algum desses componentes modifica os demais. A partir disto, de acordo com Abreu (2004) a teoria cognitivo- comportamental tem por objetivo propiciar mudanças nos pensamentos e nas crenças disfuncionais do paciente, de modo a gerar novas configurações emocionais e comportamentais de caráter duradouro.

Por vezes, a teoria cognitivo-comportamental foi referida como uma abordagem terapêutica com ênfase apenas nas técnicas e recebeu críticas por não considerar a importância dos efeitos da relação estabelecida entre profissional e paciente no processo de cuidado. (RANGÉ, 1998). Porém, Silva (2003) aponta entre as práticas norteadoras da TCC, a importância de estimular a cooperação do sujeito no processo envolvido, assim como o estabelecimento de uma relação terapêutica satisfatória como fatores fundamentais para a efetivação do tratamento. Como também afirma Sudak (2008), o estabelecimento de uma forte aliança terapêutica é reconhecido pelos terapeutas cognitivo-comportamentais como fundamental para um resultado terapêutico favorável.

A Teoria Cognitivo-comportamental, como as demais abordagens, considera relevante o desenvolvimento de uma relação entre profissional e paciente que auxilie no

desenvolvimento do processo terapêutico. Nesta teoria, a interação que acontece de modo recíproco entre profissional e paciente e que pode influenciar o processo terapêutico é denominada como relação terapêutica. Esta é conceituada por Meyer e Vermes (2001 p.101) como:

[...] uma interação de mútua influência entre terapeuta e cliente. Nela, a pessoa que buscou ajuda é privilegiada pelo trabalho de um profissional capacitado a utilizar técnicas e procedimentos específicos, ao mesmo tempo em que lança mão de habilidades sociais importantes, como a empatia.

Segundo Silva (2003) a relação terapêutica é um componente relevante na Teoria Cognitivo-comportamental. O desenvolvimento dessa relação implica em considerar variáveis relativas ao profissional e ao sujeito, uma vez que esta recebe influências de ambas as partes. Rangé e Erthal (1988 apud SILVA, 2003) afirmam que a relação terapêutica não possui caráter unidirecional, pois nesta relação o sujeito não desempenha um papel passivo, mas afeta também o comportamento do profissional. Os autores citados parecem concordar que a relação entre o profissional e o paciente é construída a partir da maneira como ambos se colocam na relação, ou seja, a partir das influencias que exercem entre si e, da forma como cada uma das variáveis envolvidas é percebida um pelo outro. Na relação terapêutica não existe uma predominância do papel do terapeuta. De acordo com Sudak (2008), o relacionamento se dá de modo que terapeuta e paciente trabalhem juntos, igualmente ativos na resolução dos problemas do paciente. Ao profissional parece caber apenas, em primeira instância, apresentar-se com uma pré-disposição em acolher e ser empático com as questões trazidas pelo paciente e a relação parece desenvolver-se a partir disto.

Segundo Meyer e Vermes (2001), é indiscutível a influência do profissional no desenvolvimento e na manutenção do vínculo com o paciente. Ainda de acordo com as autoras, o profissional não deve apenas ter competências para aplicações de técnicas e procedimentos, mas estar comprometido com a responsabilidade de propiciar condições para um relacionamento, que seja em si, terapêutico. Porém, faz-se necessário que o profissional se atente para cada indivíduo que venha a solicitar alguma intervenção, procurando estabelecer uma relação que se adéque as suas características. De acordo com Silva (2003), a maneira como o profissional age pode repercutir de forma diferente, conforme cada indivíduo, pois precisa ser levado em consideração o entendimento que cada um possui acerca das relações interpessoais e da maneira como o indivíduo se relaciona com o mundo.

Segundo Silva (2003) um dos maiores desafios dos terapeutas é reconhecer dificuldades e recursos referentes a relacionamentos. A conclusão da autora está atrelada à experiência clínica dos terapeutas. O que se pode refletir é: de que maneira isto ocorre no âmbito da Atenção Básica? Como os profissionais de saúde, de diversas áreas, inseridos neste campo lidam com a pluralidade de pessoas com diferentes concepções de relacionamento? Segundo a autora, atentar-se para questões como esta vai além do simples procedimento, ultrapassa a simples aplicação de uma técnica ou formulação de uma estratégia, “implica uma conceituação do sujeito em si, ou seja, poder ver seu cliente como um sujeito ativo, agente das circunstâncias, capaz de se transformar e de se modificar conforme interpreta o ambiente, conforme metaboliza informações.” (SILVA, 2003, p. 50).

O profissional que atua em Unidade Saúde da Família precisa desenvolver uma prática que não fique engessada, ou seja, necessita apresentar uma flexibilidade que busque alcançar a cada um dos usuários, compreendendo a sua dinâmica, a sua história e o significado que este atribui à relação. Deste modo, é possível estabelecer uma relação de vínculo que seja significativa para cada indivíduo. A partir do reconhecimento da trajetória de vida e da história que antecede a procura por auxílio é que o profissional vai adequar a melhor maneira de desenvolver uma relação vinculada, que agregue as expectativas do sujeito em relação ao profissional e que seja também acolhedora de suas demandas (SILVA, 2003). Sudak (2008) afirma que a abordagem do profissional para com o paciente, assim como o tratamento proposto, deve ser direcionada para promover alívio dos sintomas e resolução das questões apresentadas pelo paciente especifico.

Perante o desenvolvimento de uma relação terapêutica satisfatória com o sujeito, que visa a empatia e o acolhimento de suas questões, a pesquisa de Strong que buscou investigar a postura dos terapeutas diante dos pacientes (1971, apud MEYER; VERMES, 2001 p. 103) apontou que profissionais que apresentam uma taxa elevada de comportamentos como “assentimento com a cabeça, sorrisos, aproximação do corpo em direção ao cliente” obtiveram melhores avaliações das pessoas atendidas. Moskorz (2011) afirma que para existir colaboração entre o terapeuta e paciente no planejamento e execução de mudanças comportamentais, é necessário que o terapeuta, na sua interação com o paciente, inspire sentimentos de confiança e acolhimento. Reportando esta realidade para o âmbito da Atenção Básica, pode-se dizer que atitudes empáticas, que demonstram interesse e cordialidade aos usuários podem contribuir para o desenvolvimento de uma relação aproximada. Diante de profissionais que transmitem segurança e acolhimento das demandas, os usuários podem se tornar ainda mais adeptos aos tratamentos ou ações propostas.

A Teoria Cognitivo-Comportamental também aponta para as transferências que podem existir na relação entre terapeuta e paciente. Ainda que o profissional adote uma postura empática e cooperativa, pode acontecer de o paciente perceber isso de modo errôneo, mas coerente com a forma como percebe também outras pessoas, isto é chamado de transferência. (SUDAK, 2008). No âmbito da ESF ocorrem frequentemente mudanças de equipe, o que pode gerar por parte dos usuários uma relação transferencial com os membros da equipe que vão chegando, conforme relação estabelecida anteriormente com a antiga equipe ou pode acontecer também com uma categoria profissional específica, entre outros aspectos.

Sobre as resistências que podem existir na relação terapêutica, segundo Falcone (2004) primeiramente, devem ser trabalhadas com a reconstrução das experiências que provocaram o desenvolvimento das estruturas disfuncionais. A autora aponta que somente após esta busca pela origem é que se trabalha com o paciente a desconstrução desse modelo. Diante de comportamentos que denunciam a resistência, faz-se importante que o profissional busque entender o que está acontecendo com o paciente, ao invés de apenas lhe atribuir o rótulo de resistente e continuar a sua mesma forma de atuação (RANGÉ, 1998). No âmbito da Atenção Básica é importante que os profissionais se atentem para estes aspectos. A troca constante de equipes de saúde pode ocasionar experiências que, se não forem bem investigadas, podem trazer influencias ao contato com os novos profissionais. Parece importante que os membros das equipes de saúde busquem informações acerca do modo como a comunidade costuma se relacionar com as equipes de saúde, para deste modo, aprimorar e adequar a atuação.

Rangé (1998) aponta que os sentimentos dos profissionais é um dos mais importantes fatores de identificação de resistências. Segundo o autor, é fundamental ao profissional que, ao observar em si mesmo sentimentos adversos referente ao contato com o paciente, procure observar seu próprio desempenho e averiguar se há ocorrências de falhas. O que pode acontecer no contexto da Estratégia Saúde da Família é que ao chegar a uma comunidade, os profissionais podem adotar medidas que não vai ao encontro das necessidades daquela população, o que pode resultar nos usuários, pouca adesão, desinteresse e ainda, pouca receptividade à equipe. Diante disso, faz-se necessário que ao adentrar em uma comunidade, a equipe reavalie constantemente suas intervenções de modo a oferecer ações que sejam coerentes com as necessidades apresentadas, pois essas também podem interferir no relacionamento que desenvolvem com os usuários.

O vínculo na TCC parece desempenhar um papel importante no processo psicoterápico, pois segundo Silva (2003), na existência de flexibilidade e disponibilidade para construir uma interação com o outro existe também a possibilidade de construir uma relação espontânea que proporciona momentos de confiança no processo. Ao trazer para o contexto da ESF, pode-se também aplicar que a maior interação dos profissionais com os usuários possibilita o engajamento e aumento de confiança no processo de cuidado em saúde.

3 MÉTODO