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2.1 POLÍTICAS DE SAÚDE BRASILEIRAS E SUAS REPERCUSSÕES À POPULAÇÃO

2.1.1 Sistema Único de Saúde (SUS)

O Sistema Único de Saúde (SUS) é regulamentado pela Lei nº 8.080, conhecida como Lei Orgânica de Saúde e a Lei nº 8.142, que entraram em vigor no ano de 1990. O SUS

recebe embasamento legal na Constituição de 1988. O artigo 196 da Constituição atribui a responsabilidade ao Estado em prover saúde, por meio de políticas sociais e econômicas e que esta é um direito de todo cidadão brasileiro independente de idade, sexo, raça ou condição social. Em um histórico de políticas de saúde em que o acesso aos serviços era restrito para determinados segmentos da população, o SUS apresenta importante mudança em assistência de saúde da sociedade brasileira.

Entende-se por saúde, conforme o art 3º da Lei 8.080/90, o conjunto de diferentes fatores determinantes e condicionantes para o bem estar biopsicossocial. São eles condições de alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e o alcance a bens e serviços essenciais à sobrevivência. De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2000), o SUS apresenta uma nova concepção de saúde no Brasil, que passa a ser associada com a qualidade de vida da população. Ainda no 3º artigo da Lei nº 8.080 é determinado que os níveis de saúde da população passem a representar a organização social e econômica do país.

O Sistema Único de Saúde foi construído a partir de um processo de luta pelo os anseios populares a uma assistência de saúde que viesse a considerar o indivíduo como protagonista principal dos serviços. A partir das idealizações da sociedade, representada pelo movimento sanitário, nasceram os princípios e diretrizes que precisam nortear toda e qualquer prática desempenhada em nome do sistema (KUJAWA; BOTH; BRUTSCHER, 2003). O profissional que se propõe a atuar no campo da saúde pública brasileira precisa modificar seus fazeres de modo que o objetivo seja a efetivação dos princípios e diretrizes que organizam o SUS. De acordo com os autores, os princípios que baseiam o sistema de saúde brasileiro são a universalidade, a integralidade e a equidade.

O princípio da universalidade traz o exercício da compreensão de que é dever do Estado prover serviços e ações em saúde a todo e qualquer cidadão, que a partir da Constituição de 1988 passam a ter o direito de acesso a todos os serviços públicos em saúde. O segundo princípio, o de integralidade, se mostra de grande relevância dentro do SUS, pois demonstra que à atenção a saúde deve considerar cada cidadão como um ser integral, dotado de aspectos biológicos, psicológicos e sociais. A partir do princípio da integralidade, o indivíduo é considerado indivisível, portanto, deverá ser atendido com uma visão integral e por um sistema que ofereça uma assistência também integral com ações que visem à promoção, proteção e recuperação da saúde. E o terceiro princípio, o de equidade, objetiva garantir ações e serviços de todos os níveis conforme a complexidade de cada caso, além de buscar desenvolver práticas em saúde conforme as peculiaridades dos indivíduos. Do mesmo

modo em que as pessoas são iguais em nível de direito à saúde, são diferenciadas em suas necessidades específicas. (KUJAWA; BOTH; BRUTSCHER, 2003; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1990; 2000).

Os princípios operacionalizam o SUS de modo que o pleno exercício destes está atrelado a um serviço de qualidade e à garantia de saúde para todos. De forma organizacional, o SUS é fundamentando também em diretrizes organizativas que possibilitam a efetivação de um sistema único. Segundo Costa e Corbone (2009), as diretrizes são regionalização, hierarquização, resolutividade, descentralização, participação dos cidadãos e a complementariedade do setor privado. Dentre todas, faz-se necessário destacar a hierarquização e a regionalização das ações e dos serviços em saúde. O Sistema Único de Saúde é estruturado em níveis de complexidade crescente composto pelo nível básico, onde se encontram as UBS; o nível secundário ou média complexidade, onde se encontram os centros de saúde com especialidades médicas e o nível de alta complexidade, em que funcionam os serviços de alta capacidade resolutiva, como os hospitais gerais. Esta organização pressupõem uma hierarquização entre os serviços.

Quanto à regionalização, a Norma Operacional Básica- NOB de 1991 e especialmente, as NOB 1993 e 1996 favoreceram a interação de ações de saúde entre as três esferas de governo, transferindo para os estados e, sobretudo, para os municípios responsabilidades e recursos para a efetivação do sistema de saúde vigente, competências que anteriormente eram apenas de nível federal. A partir do exercício das normas operacionais, passou-se a desencadear o processo de descentralização. Neste contexto, em 2001 foi aprovada a Norma Operacional da Assistência à Saúde, a referida NOAS-SUS 01/2001, que visa a fortalecer a regionalização e a equidade, objetivando a organização do SUS em todos os níveis de atenção. Esta portaria visa a ampliação das,

responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; define o processo de regionalização da assistência; cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde e procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios.

A Norma Operacional de Assistência à Saúde 01/2001 busca assegurar a indivisibilidade dos territórios estadual e municipal no planejamento de ações da rede sem perder a autonomia de cada gestão, definindo os papéis a serem desempenhados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) e pelas Secretarias Municipais de Saúde (SMS). Para a efetivação da integração das ações, é considerada a noção de territorialidade no planejamento

de prioridades de intervenção e de organização de redes regionalizadas e resolutivas de assistência. Como é mencionado no capítulo I da NOAS 01/2001:

O processo de regionalização deverá contemplar uma lógica de planejamento integrado, compreendendo as noções de territorialidade na identificação de prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus limites como unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis.

A Norma Operacional da Assistência à Saúde- SUS 01/2001 traz diretrizes que contemplam o funcionamento da Atenção Básica, prevê medidas de organização dos serviços de média complexidade e modos de operacionalização da política de alta complexidade.

Recentemente, em junho de 2011, foi assinado pela atual presidente Dilma Russef o Decreto 7.508, elaborado para regulamentar a Lei 8.080/90. O Decreto dispõe de diretrizes sobre a organização do SUS, sobre o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação entre os governos federal, estadual e municipal nas ações em saúde. O Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap) prevê (BRASIL, 2001):

Acordo de colaboração firmado entre entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada e hierarquizada, com definição de responsabilidades, indicadores e metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, recursos financeiros que serão disponibilizados, forma de controle e fiscalização de sua execução e demais elementos necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde;

Para o entendimento do Decreto é considerado como Região de Saúde o espaço geográfico constituído por um conjunto de municípios com fronteiras limítrofes, demarcados por identidades culturais, econômicas e sociais; redes de comunicação, como por exemplo, estações de rádio e emissoras de televisão locais; e infra-estrutura de transporte coletivos compartilhados. A delimitação de regiões de saúde tem a finalidade de “integrar a organização, o planejamento e execução de ações e serviços de saúde” (BRASIL, 2011).

De acordo com o Decreto 7.508/201, devem fazer parte de uma Região de Saúde, ações de atenção primária, unidades de urgência e emergência e de atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar, e ações de vigilância em saúde. Os entes federativos poderão definir os limites geográficos de cada região, a população usuária dos serviços prestados e as respectivas responsabilidades para a efetivação dos serviços. Além dessas competências, os entes federativos poderão, ainda, criar novos dispositivos de Porta de

Entrada aos serviços e ações de saúde, conforme as peculiaridades da Região de Saúde em questão (BRASIL, 2011).

Este Decreto, que efetiva o Contrato da Ação Pública da Saúde (Coap), prioriza a regionalização dos serviços do Sistema Único de Saúde e com isto, traz ainda mais autonomia aos entes federativos para o estabelecimento de ações em saúde visando a atingir as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Os estados e municípios que porventura, não melhorarem os indicadores de saúde poderão ter as verbas suspensas. A efetivação dos serviços de saúde, que deve buscar cada vez mais a integralidade e equidade, está sob a responsabilidade dos governantes estaduais e municipais, com a fiscalização federal. A partir deste decreto, busca-se, entre outros fatores, o fortalecimento da regionalização, mencionada na Lei 8.080.

As preocupações, frente ao Decreto 7.508, dizem respeito ao controle do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre as ações de saúde desenvolvidas e também à maior possibilidade de investimento de dinheiro público nas instituições privadas. Quanto à participação do CNS, este importante segmento de controle social perde sua força, uma vez que decisões relevantes foram deliberadas aos entes federativos. (MACHADO, 2011). Quanto à privatização, no artigo 16º que trata do planejamento da saúde, há menção à consideração dos serviços e ações em saúde da iniciativa privada que possuem caráter complementar ou não ao SUS. Conforme a revista Machado (2011), ainda que o Coap defina com clareza as atribuições do estado e do município nos serviços em saúde, segundo Batista Júnior (2011 apud MACHADO, 2011) foi desenvolvido um dispositivo que dependendo do modo como for utilizado, pode intensificar a privatização do SUS. Com isso, o Sistema Único de Saúde, desenvolvido para ser totalmente público, pode perder sua essência.

A porta de entrada do SUS é a Atenção Básica, na qual suas práticas são regidas de modo a assegurar aos cidadãos princípios gerais do sistema de saúde vigente. A atenção básica é um conjunto de práticas em saúde que engloba o âmbito individual e coletivo, abrangendo a “promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde” (BRASIL, 2006 p.10). É caracterizada pelo funcionamento de ações gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas direcionadas a populações com territórios já delimitados. A Atenção Básica utiliza tecnologias de elevada e baixa complexidade, de modo a atender as demandas de maior relevância existentes em seu território. É caracterizada como o principal contato do usuário com o sistema de saúde e orientada pelos princípios da universalidade, acessibilidade, integralidade, responsabilização juntamente com os usuários, sobre as condições de saúde

enfrentadas, humanização dos serviços de saúde, equidade e participação social (BRASIL, 2006). De acordo com Starfield (2002), a integralidade na atenção básica exige um reconhecimento minucioso dos múltiplos fatores e necessidades implicados na saúde da comunidade e que, além disso, sejam disponibilizados recursos suficientes para abordá-los.

Os serviços da Atenção Básica são exercidos próximo ao cotidiano dos usuários, pois suas unidades estão inseridas no território onde a população convive com seus dilemas e necessidades nos diferentes segmentos. Diante desta aproximação com a comunidade, a Atenção Básica possui entre diferentes fundamentos, os que visam fortalecer ao relacionamento dos profissionais que atuam neste campo com a comunidade assistida. Uma das diretrizes desta política é buscar o desenvolvimento de relações de vínculo e responsabilização entre as equipes de saúde com os usuários, com vistas a garantir a continuidade das práticas de saúde e de maior apropriação do cuidado integral. É preconizado também o estímulo à participação da população nos serviços desenvolvidos, mantendo assim a possibilidade de aproximação e maior interação entre profissionais e usuários (BRASIL, 2006).

Segundo Starfield (2002) a relação entre profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária e os usuários que utilizam os serviços não apenas traz subsídios quanto aos determinantes da falta de saúde e suas relações com usuários específicos. Segundo a autora, esta aproximação também fornece informações quanto à probabilidade de falta de saúde entre outras pessoas que compõem o território atendido, que são examinadas pela unidade. Pode-se dizer que os problemas recorrentes nas unidades de saúde não são parte de um grupo de pessoas restrito, mas demonstra características significativas para uma abordagem coletiva, pois representa um problema da comunidade em questão. Starfield (2002 p. 314) conclui que

as mesmas predisposições à doença que ocorrem no paciente específico também podem existir em outros que vivem na mesma comunidade ou estão expostos às mesmas condições sociais, ambientais ou ocupacionais.

Este conhecimento ampliado da situação de saúde da população na qual a unidade de saúde está inserida advém de um relacionamento aproximado com as pessoas que ali habitam. À medida que os profissionais de saúde, que atuam na Atenção Básica, passam a conhecer a dinâmica de funcionamento da região onde estão inseridos e os principais problemas enfrentados por estes usuários, maiores serão as possibilidades de desenvolver ações que contemplem as necessidades que afetam como um todo a população atendida, oferecendo, desta forma, ações que visem a alcançar a coletividade.

A Atenção Primária é o ponto inicial para a atenção em saúde, é o ponto de partida da responsabilidade continuada em saúde aos usuários e, dentre os níveis de atenção, é a melhor posicionada para examinar os problemas recorrentes no contexto histórico e social da população. (STARFIELD, 2002). A Atenção Básica é a porta de entrada do SUS, onde ações de promoção de saúde e prevenção de agravos devem ser efetivadas, de modo que o usuário seja contemplado pelos serviços básicos, que lhe permitam monitorar sua saúde e resolver problemas de baixa complexidade. Além disso, a Atenção Básica está próxima do contexto em que as pessoas vivem e tem a capacidade de averiguar as principais causas de adoecimento ou comportamentos que podem induzir a doenças e, a partir disso, produzir ações que promovam resolutividade das questões. De acordo com Starfield (2002), a maneira com a Atenção Primária é formulada e estruturada, para a prestação de serviços, torna um componente fundamental de um sistema que objetiva melhorar a efetividade e a equidade dos serviços prestados.

A Atenção Básica é um componente fundamental do sistema de saúde e desempenha a função de oferecer ações e serviços que contemplem as necessidades menos complexas e também cumpre o papel de agir de modo a prestar serviços para as necessidades que precisam ser encaminhadas para os demais níveis de atenção (STARFIELD, 2002). A Atenção Básica visa a diferentes modos de integralidade, como a junção de ações e demandas, a articulação nas práticas de promoção à saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação. A Política de Atenção Básica preconiza o trabalho em equipe multidisciplinar e a coordenação do cuidado na rede. Por proporcionar estas qualidades, a Atenção Básica adotou a Saúde da Família como principal estratégia para sua organização, conforme os direcionamentos do SUS (BRASIL, 2006).