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Para a efetivação desta pesquisa foi realizado um estudo de caso (YIN, 2001) no Quilombo de Ivaporunduva, na região do Estado de São Paulo mais conhecida como Vale do Ribeira. Essa região está situada na Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape e compõe o Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, complexo compreendido entre o extremo sul do Estado de São Paulo e a parte norte do estado do Paraná (UNESCO, 2005), o que corresponde a maior área contínua de remanescentes de florestas de Mata Atlântica, floresta ombrófila densa (JOLY et al., 1999; UNESCO, 2005).

Segundo Ribeiro et al. (2009) estimativas recentes concluíram que resta algo entre 11,4% e 16% de Mata Atlântica preservada no Brasil, deste percentual cerca de 23% estão localizados no Vale do Ribeira. Este vasto território compreende diversos tipos de unidades de conservação e populações humanas locais (indígenas, quilombolas, caiçaras, caboclos, caipiras e outros) e contém diversos atrativos naturais como rios, cachoeiras, cavernas, remanescentes florestais, que pode ser representado pelo Corredor Socioambiental do Vale do Ribeira e Territórios Quilombolas (FIGURA 1).

O Vale do Ribeira Paulista possui 18.075,27 km² em extensão territorial com uma população total de 443.325 habitantes, sendo que 114.821 pessoas (25,94%) vivem em áreas rurais, conforme dados populacionais do censo do IBGE (2010). Dessa maneira, a região é composta por cerca de 23 municípios e se subdivide em três sub-regiões: Baixo, Médio e Alto Ribeira. Conforme estudos populacionais recentes, o território é considerado como o menos povoado e o menos desenvolvido em termos econômicos do estado de São Paulo. Desse modo, apresenta de médio a baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), sendo os atuais (0,695), de acordo com o IBGE (2010), o que correspondente a níveis críticos de acesso à educação, alta mortalidade infantil e analfabetismo, além de apresentar baixa renda per capita (HOGAN, et al. 1999; IBGE, 2010).

FIGURA 1 - CORREDOR SOCIOAMBIENTAL DO VALE DO RIBEIRA: TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS

FONTE: ANDRADE; TATTO (2013).

Nota: Houve pequenas alterações na situação atual, como o reconhecimento de algumas comunidades quilombolas, que antes não estavam relacionadas em 2013.

Sobre o histórico de ocupação do território, é importante destacar que foram encontrados sítios arqueológicos, apontando a presença de populações humanas pré- históricas24, ameríndios e de tradição Umbu, conforme evidências arqueológicas como a formação de túmulos, sambaquis e fragmentos de cerâmica, que atestariam a ocupação humana na região no período Haloceno (NEVES; OKUMURA, 2005). Conforme esses autores, foram encontrados resquícios de cerâmica de tradições Itararé e Tupi-guarani, que reforçariam a hipótese de ocupação das populações pré-históricas entre litoral e interior do Vale do Ribeira.

24 Para compreender melhor a ocupação humana por grupos pré-históricos no Vale do Ribeira, consulte o artigo científico: NEVES, W. A.; OKUMURA, M. M. M. Afinidades biológicas de grupos pré-históricos do vale do rio Ribeira de Iguape (SP): uma análise preliminar. Rev. Antropol., São Paulo , v. 48, n. 2, p. 525-558, 2005

A partir do período colonial português até o fim do ciclo do ouro no século XVII, as primeiras comunidades rurais negras começam a ocupar a região, desenvolvendo uma agricultura que também abastecia o consumo regional e de outras regiões do país, com destaque para o cultivo do arroz. Os rios da região, principalmente o rio Ribeira de Iguape, foram essenciais para o transporte de cargas e pessoas em função do comércio agrícola e da mineração entre São Paulo e Minas Gerais. Esses fluxos levaram a criação das primeiras vilas e das cidades como Eldorado, Iporanga e Apiaí (ANDRADE; TATTO, 2013). No século XIX, o porto de Iguape teve destaque como elo de escoamento da produção agrícola até o porto de Santos (SÃO PAULO, 2014).

Nas primeiras décadas do século XX, a região se destacou pela agricultura de subsistência realizada por diferentes grupos sociais, tais como indígenas, caipiras, caiçaras, imigrantes europeus, japoneses e quilombolas entre outros (QUEIROZ, 2006; RIBEIRO et al, 2009; RIBEIRO-FILHO, 2015). Por fim, o desenvolvimento das lavouras de chá e de banana (HOGAN et al., 1999). Esse último produto se destaca, até o presente momento, na paisagem do Vale do Ribeira junto com os remanescentes florestais atuais de Mata Atlântica (SANTOS; TATTO, 2008), conforme a FIGURA 2, abaixo.

FIGURA 2- TRAJETO ATÉ O QUILOMBO DE IVAPORUNDUVA E O RIO RIBEIRA

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2016)

Em termos socioeconômicos, considera-se essa uma região ficou estagnada por um longo período, após o fim do ciclo de mineração e com direcionamento de investimentos para

outras regiões produtoras de café e para o desenvolvimento industrial. Além disso, o de difícil acesso em relação às outras regiões do estado e do país sempre foi uma questão crítica. Por isso, em 1937, houve a implantação da rodovia Raposo Tavares (SP-270) e, em 1961, a inauguração da Regis Bittencourt (BR-116), que é principal rota de ligação entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Curitiba (SÃO PAULO, 2014; ANDRADE;TATTO, 2013). Com isso, a região começou a atrair algumas indústrias, comércio e serviços.

Entretanto, as condições das estradas e dos acessos são precários até essas rodovias citadas, principalmente em trechos de terra, má sinalização, enchentes, incêndios florestais ou quedas de barreiras (SÃO PAULO, 2014). Desse modo, a região foi marcada pela questão dos baixos índices de desenvolvimento econômico, más condições de infraestrutura e pela carência de investimento público e privado, principalmente até a década 1960. Depois iniciou- se uma fase com o foco no desenvolvimento regional com a implantação de políticas públicas para melhorias de infraestrutura e melhores condições de acesso à região (HOGAN, et al. 1999; CASTRO et al., 2006; FUTEMMA; MUNARI; ADAMS, 2015).

Depois, a região se configurou pela importância da questão ambiental, principalmente no final da década de 1950 com a criação das primeiras áreas protegidas, como o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), entre Apiaí e Iporanga, criado pelo Decreto Estadual nº 32.283 de 19 de maio de 1958. No entanto, a criação dessas área de proteção envolveu diversos conflitos entre comunidades, posseiros e o poder público. Atualmente, o território é composto por várias tipologias de unidades de conservação para a proteção do patrimônio natural e cultural. Tudo isso propiciou a formação de um importante corredor socioambiental do Vale do Ribeira, que interliga as Unidades de Conservação da Serra de Paranapiacaba

No Vale do Ribeira, os territórios quilombolas estão situadas no corredor biológico entre o Alto e o Médio Vale do Ribeira, incluindo os Parques Estaduais de Jurupará, Intervales, Carlos Botelho, Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) e a Estação Ecológica de Xitué e, ainda, o Mosaico Jacupiranga e o Parque Estadual da Ilha do Cardoso (ISA, 2008). Entretanto, essas áreas foram, historicamente, ocupadas por comunidades rurais como caiçaras, grupos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Esses grupos sociais, portanto, manejaram sua produção agrícola mesclando aspectos socioculturais e religiosos, a partir de uma forte relação com a presença da biodiversidade da Mata Atlântica (MUNARI; 2010; BRAGA; FUTEMMA; CASTRO, 2015).

Mesmo com uma legislação específica25 no caso dos quilombos, resguardados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante direitos de permanência nestas áreas, existe uma sobreposição das decisões de regulamentação fundiária, onde há comunidades que ainda estão dependendo de decisões judiciais para o reconhecimento de seu direito de posse da terra. Portanto, a atuação do Estado e da Sociedade Civil, com a presença de Organizações Não-Governamentais (ONG) e Universidades, contempla a efetivação de políticas públicas específicas para estas comunidades e tenta por meio de acordos e parcerias atenuar os conflitos fundiários no Vale do Ribeira (SANTOS; TATTO, 2008; ADAMS, 2000; FUTEMMA; MUNARI; ADAMS et al., 2015).

Desde 1999, com a demanda para a conservação ambiental da região em evidência, por conta de sua extensa cobertura de Mata Atlântica ainda preservada, em área correspondente a 2,1 milhões de hectares de floresta, o Vale do Ribeira foi considerado como “Reserva da Mata Atlântica do Sudeste” e é uma das seis áreas brasileiras consideradas pelas Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como Reserva da Biosfera, Patrimônio Natural da Humanidade. Por sua importância em termos de sociobiodiversidade e endemismo, segundo Myers et al. (2000), trata-se de uma área de grande pressão e por isso é considerado um dentre os 34 hotspots de biodiversidade do planeta e um dos sistemas mais ameaçados.

Com relação às condições geográficas e de relevo, esta região também é relevante do ponto de vista da história geológica, já que abriga uma diversidade de solos, com destaque aos argilosos e com rochas calcárias, que favoreceram a formação de importantes grutas e cavernas nesta região (THEODOROVICZ, A; THEODOROVICZ, A. M, 2007). Nela, há cerca de 400 cavernas catalogadas, segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE).

O Vale do Ribeira se destaca pelo trabalho de diferentes órgãos responsáveis pela gestão do território por meio do Conselho Estadual do Meio Ambiente, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Fundação Florestal e o atendimento da legislação federal e estadual sobre a questão ambiental, além da atuação de ONG´s como o SOS Mata Atlântica e o ISA, que buscam mediar ações locais para o desenvolvimento sustentável e atender as demandas

25 Pela Legislação Federal temos os Artigos 215 e 216 e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias no Artigo 68, o Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003, a Instrução Normativa nº 20 de 19 de setembro de 2005 e o Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007. Já como iniciativa do Estado de São Paulo existe a Lei nº 9.757 de 15 de setembro de 1997 em atendimento ao artigo 68 da Constituição Federal, depois o Decreto nº 41.774 de 13 de maio de 1997 sobre a regulação fundiária e o decreto 42.839 de 4 de fevereiro de 1998. Já a Convenção nº 169 da OIT sobre os povos indígenas e tribais garante o auto-reconhecimento dos grupos étnicos e determina que o Estado atenda estas populações tradicionais.

específicas das comunidades locais em se manter no território (BRAGA, FUTEMMA, CASTRO, 2015).

Atualmente, o Vale do Ribeira Paulista abriga cerca de 66 comunidades autodenominadas como quilombolas, destas 33 foram reconhecidas e apenas seis tituladas (ANDRADE; TATTO, 2013). Em 2008, foi criado o Mosaico de Unidades de Conservação do Jacupiranga (MOJAC), antigo Parque Estadual de Jacupiranga, (criado em 1969), compondo 14 tipos de UC´s. O objetivo da criação de diferentes regimes de proteção ambiental foi atenuar os conflitos com as comunidades, valorizar questões culturais e integrar melhorias socioeconômicas com práticas sustentáveis como agricultura de subsistência e o turismo (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2017). Dentro do MOJAC, encontra-se a Área de Proteção Ambiental (APA) dos Quilombos do Médio Ribeira, de uso sustentável, que foi criada pela Lei Estadual 12.810 em 21 de fevereiro de 2008, concentrando em sua área (64.000 hectares) cerca de 12 quilombos, entre os municípios de Barra do Turvo, Eldorado e Iporanga. Conforme a última atualização dos Planos de Manejo do estado de São Paulo da Fundação Florestal, a APA Quilombos do Médio Ribeira encontrava-se com o plano de manejo inexistente até dezembro de 2018 (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2018c).

Desse modo, a região é importante do ponto de vista da demanda turística regional, sobretudo pela visitação das UC´s como a Caverna do Diabo (ou Gruta da Tapagem), que fica na Unidade de Conservação Parque Estadual da Caverna do Diabo, em Eldorado Paulista (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2018b) .

Já entre Apiaí e Iporanga, encontram-se as cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR, que desde 1958 abriga 35 mil hectares de Mata Atlântica preservada e é muito procurado para práticas de ecoturismo, turismo de aventura (rapel, boia-cross e escalada), educação ambiental e observação de fauna e flora. Já o Parque Estadual de Intervales (PEI) também se localiza na região, estando presente nos municípios de Ribeirão Grande, Guapiara, Sete Barras, Iporanga e Eldorado Paulista (HOGAN et al. 1999; SANTOS; TATTO, 2008; FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2018a).

Como principais atividades econômicas regionais destacam-se atualmente a agricultura (bananicultura), a pecuária e o setor de serviços (QUEIROZ, 2006). O turismo tem como foco os esportes de aventura, ecoturismo e educação ambiental. Dentre os atrativos naturais e culturais mais visitados nesta região, e próximos do quilombo de Ivaporunduva, encontram-se o Parque Estadual da Caverna do Diabo, o Mirante do Cruzeiro, a Trilha do Lamarca, o Parque Salto da Usina, o Vale do Rio das Ostras e a Queda de Meu Deus. Esses dois últimos atrativos, estão contidos na Área de Proteção Ambiental dos Quilombos do

Médio Ribeira, onde os monitores ambientais responsáveis, no caso os próprios quilombolas, levam os turistas a contemplarem estes lugares.

Diante dessa conjuntura regional, o quilombo de Ivaporunduva destaca-se por sua pluriatividade na combinação de atividades agrícolas (cultivo de banana orgânica) e não- agrícolas, no caso o turismo de base comunitária e artesanato. O quilombo encontra-se na área rural do município de Eldorado, que é considerado um das estâncias turísticas do estado de São Paulo (ESTADO DE SÃO PAULO, 2018).

A cidade surgiu no primeiro ciclo da busca pelo ouro no Brasil, ainda no século XVII, com o nome indígena de Xiririca (do tupi-guarani, que significa “águas correntes”). É considerado o 4º maior município paulista em extensão territorial, tendo uma área de 171.200 hectares, dos quais 70% são cobertos por Mata Atlântica praticamente conservada (PREFEITURA DA ESTANCIA TURÍSTICA DE ELDORADO, 2018). Segundo o IBGE (2017), a população total foi estimada (ano de 2018) em 15.443 habitantes com densidade demográfica de 8,85 hab/km². Já o última análise de IDHM (referente ao ano de 2010) foi de 0,69. Na economia, o Produto Interno Bruto per capita (em 2016) foi de R$ 14.561,67 e o salário médio dos trabalhadores formais foi de 1,9 salários mínimos, conforme dados de 2016 (IBGE, 2018) .

O quilombo de Ivaporunduva possui infraestrutura própria e fluxo contínuo de visitação turística, com média de recebimento de 16 mil turistas anuais (MARTINS, 2015). Portanto, seu público-alvo de visitantes são os estudantes oriundos principalmente de escolas de ensino fundamental, médio e universitários. O intuito foi ressaltar os intercâmbios culturais, bem como a conscientização sobre os patrimônios naturais e culturais locais e o princípio de bem-estar para as comunidades pelo mundo (OMT, 2017). Portanto, para exemplificar estas características regionais e culturais26 e do TBC foi escolhido a análise do Quilombo de Ivaporunduva27 e da participação dos jovens como estudo de caso. No próximo tópico, serão apresentadas dados e informações sobre o quilombo de Ivaporunduva, local escolhido para a construção deste trabalho de tese.

26 Em julho de 2015, a Profa. Dra. Cristina Adams (USP) concedeu uma entrevista para a Rádio USP sobre tradições agrícolas nas Comunidades do Vale do Ribeira. Para ver a entrevista na íntegra, acesse <http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/07/03/ecologa-fala-sobre-tradicoes-agricolas-em-

comunidadesquilombolas-do-vale-do-ribeira/>.

27 Em junho de 2015, como atividade de divulgação científica, a Profa. Dra. Célia Futemma (UNICAMP) e a Profa. Dra. Cristina Adams concederam uma entrevista para a Revista de Pesquisa da FAPESP. A versão on-

line desta reportagem está disponível no endereço eletrônico:

<http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/06/16/com-os-pes-fincados-na-historia/>. A Profa. Dra. Célia Futemma também concedeu entrevista para o JORNAL da UNICAMP da edição de Set/2015 sobre os resultados da pesquisa FAPESP junto às comunidades quilombolas, ver online < http://www.unicamp.br/unicamp/ju/637/quilombolasdo-ribeira-asseguram-direitos-e-ganham-visibilidade>