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Segundo informações encontradas na paróquia de Xiririca (nome anterior dado ao município de Eldorado) em 1813, o nome Ivaporunduva significa “Rio de muitas frutas” (ITESP, 1998; QUEIROZ, 2006). A comunidade quilombola de Ivaporunduva surgiu ainda no século XVII (por volta de 1720), em virtude da demanda pela atividade mineradora, principalmente em busca de ouro. A ocupação das terras e o surgimento do povoado se deram por meio de dois irmãos mineradores chamados Domingos Rodrigues da Cunha e Antonio Rodrigues da Cunha e um grupo de mais 10 escravos que foram adquiridos por Antonio Soares de Azevedo (ITESP, 1998; STUCCHI, 1998; QUEIROZ, 2006).

A comunidade quilombola está localizada entre os municípios de Eldorado e Iporanga na Região Administrativa de Registro no Vale do Ribeira Paulista, onde evidencia-se como principais elementos que compõem a paisagem local: o conjunto de remanescentes florestais da Mata Atlântica e o rio Ribeira de Iguape (ITESP, 1998), como retratou a FIGURA 4, abaixo.

FIGURA 4 - VISTA DO QUILOMBO DE IVAPORUNDUVA

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

Um outro dado histórico importante é sobre a construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, preservada até os dias atuais na comunidade (FIGURA 5). Conforme levantamentos históricos do ITESP (1998), no final do século XVIII, uma senhora Joanna Maria que trouxe um grupo de escravos e deu início à construção da Capela. A construção foi datada em 1791 e foi construída ao longo de cinco anos.

Antes da edificação da capela, a senhora Maria Joanna realizou por 22 anos, rituais católicos no local. Esta senhora era conhecida por auxiliar aos mais pobres e peregrinos. Após a morte de seu primeiro esposo, Joanna casou-se com o português João Marinho e, depois, com o mineiro João Manoel de Siqueira Lima, seu terceiro esposo. Em 1802, ela havia libertado os escravos e estes passaram a ocupar suas terras após sua morte. Assim, as primeiras famílias que formaram o quilombo são: Furquim, Pupo, Marinho, Meira, Vieira, Pedroso, Moraes, Araújo, Machado, Pereira, Santos, Costa e Silva (ITESP, 1998; STUCCHI, 1998). Essa comunidade originou outros quilombos no entorno como as comunidades de São Pedro, Pilões, Maria Rosa e Nhungara (ITESP, 1998; STUCCHI, 1998)..

FIGURA 5 - CAPELA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

Os últimos dados referentes à um censo populacional realizado pelo ISA, em 2008, reportou que o quilombo se constituiu por meio de 110 famílias. Em termos numéricos, a população total seria de aproximadamente 347 pessoas, sendo 60% desse total com idade inferior a 30 anos (ISA, 2015), evidenciando uma predominância de uma população mais jovem.

Observou-se, em campo, que o quilombo possui um conjunto de casas e instalações físicas que foram se constituindo como uma vila, ou bairro rural. A maioria das casas possui energia elétrica e está localizada no entorno da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos: há a sede da Associação do Quilombo de Ivaporunduva (conhecida como galpão), uma praça comunitária, que serve de ponto de encontro e para a preparação de festejos locais e contemplação do rio Ribeira pela comunidade (FIGURA 6) e uma estrutura de um posto de saúde (FIGURA 7), onde semanalmente ocorrem consultas com um médico e uma enfermeira, porém, para exames mais complexos, há o encaminhamento para postos de saúde de Eldorado e região.

As crianças da comunidade estudam até a 4 ª série do ensino fundamental numa escola municipal com sede na própria comunidade (FIGURA 6). A partir da 5ª série passam a estudar na Escola Estadual “Maria Antonia Chules Princesa”, na comunidade quilombola de André Lopes, cerca de 6 km de Ivaporunduva. De segunda a sexta-feira, as crianças e

adolescentes vão de transporte escolar para este local. Já para cursar o Ensino Médio, os adolescentes e os jovens frequentam escolas no bairro de Itapeúna (a 30 km) e/ou na cidade de Eldorado. Já o Ensino Superior só é possível obter o acesso com idas até Eldorado, Registro, São Paulo ou Curitiba (PR) e outras cidades do entorno.

O deslocamento terrestre entre o quilombo e os municípios do entorno pode ser realizado diariamente por linhas de ônibus via rodoviária de Eldorado (empresas particulares), com horários regulares de segunda a sexta-feira, cujo o último ponto de chegada é dentro do Quilombo de Ivaporunduva, passando próximo de outras comunidades quilombolas como Sapatu, São Pedro, Nhungara no percurso realizado pela rodovia Benedito Pascoal de França (SP – 165), trecho Iporanga - Apiaí, principal acesso turístico à Rota das Cavernas (Caverna do Diabo e PETAR). Os quilombolas utilizam o transporte público para o trabalho em Eldorado, para compras de utensílios em mercados, açougues e padarias, além de utilizarem os serviços bancários e de saúde como a Santa Casa e o Hospital Regional de Pariquera-Açu.

Na sede da Associação há um Telecentro Comunitário com computadores e rede de internet (wi-fi) gratuita para a realização de cursos e capacitações, inserindo assim a comunidade nos meios de comunicação e informação, cujo acesso às redes sociais e e-mail auxiliam os preparativos da comunidade para o recebimento dos grupos de turistas e escolas. Na praça comunitária (FIGURA 6) há dois telefones públicos que permitem a comunicação com o local, já que nas casas não há como se obter a instalação de linha de telefone fixo. Depois, também , há um espaço (de mais ou menos) 300 metros nesse entorno, onde há uma quadra de futsal/basquete e um campo de futebol, local que acontecem jogos e torneios masculinos e femininos, como por exemplo, a organização da Copa Quilombola de Futebol, realizada anualmente pelas comunidades do entorno (MORENO, 2009) e a Copa Quilombola de Futsal Júnior com foco nos jovens.

FIGURA 6 - PRAÇA, ESCOLA MUNICIPAL, IGREJA E GRUPO DE VISITANTES

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

FIGURA 7 - POSTO DE SAÚDE DE IVAPORUNDUVA

Outras edificações importantes na comunidade são: o centro de visitantes ou Pousada de Ivaporunduva; uma unidade de processamento de banana e um antigo galpão desativado, que seria usado como base no processamento de ervas medicinais (via estrada interna conhecida como Córrego Grande); um galpão de armazenamento de banana; um viveiro com mudas de palmito. Há também veículos automotores utilizados para o monitoramento das atividades produtivas (carro, trator, motocicleta, motor de polpa, barco). E, por fim, equipamentos tais como: máquinas de costura para o artesanato, máquina de pilar arroz e máquina fotográfica, administrados pela associação comunitária local (SANTOS;TATTO, 2008).

Com relação à infraestrutura das moradias habitacionais, a maioria das casas atualmente são de alvenaria (FIGURA 8), porém poucas possuem fossa negra. Grande parte das moradias possui fogão, geladeira, televisão e rádio; há a construção de fornos artesanais à lenha na parte externa das casas, em estruturas de pau-a-pique. A água potável utilizada nas unidades domésticas da comunidade é oriunda de minas d’ água, por sistemas de encanamento. Há a realização de apenas (1) uma coleta semanal de lixo, serviço público realizado pela Prefeitura de Eldorado. No entanto, parte do lixo orgânico é utilizada como adubo. Os restos de comida complementam a alimentação das galinhas (SANTOS;TATTO, 2008).

Durante a pesquisa de campo e com a aplicação dos questionários, se detectou nos quintais da unidades familiares dos jovens, a presença de distintas variedades de frutas, tais como: laranja, limão, acerola, abacate, manga, maracujá e, também, hortaliças e legumes como couve, alface, tomate, cebolinha, salsa, pimenta, abóbora, manjericão, batata doce, cana, cará, milho, mandioca, arroz e feijão entre outras variedades. Também constatou-se o cultivo de plantas medicinais, principalmente nas oficinas técnicas com os turistas, mencionando os conhecimentos empíricos sobre a formas de utilização das variedades tais como: poejo, hortelã, guaco, mastruz, boldo, erva-cidreira, arruda, capim-cidreira, alecrim, babosa, camomila e carqueja entre outras.

FIGURA 8 - CASA QUILOMBOLA E QUINTAL

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

Como principal atividade agrícola destaca-se o cultivo da banana orgânica para a venda e comercialização, além da conservação do Sistema Agrícola Quilombola (roças tradicionais), que alia os esforços históricos e de conhecimentos empíricos dessas populações locais com a Mata Atlântica. Esse sistema foi reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (IPHAN) no final do ano de 2018. Dessa forma, isso será melhor detalhado na sequência de análise dos resultados a partir do Capítulo 5, que tratará dos atributos ecológicos e culturais.

Desse modo, o plantio e a comercialização de banana orgânica (FIGURA 9), como principal fonte de renda da comunidade foi intensificada com as políticas públicas do Governo Federal, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que oportunizou progressos na comercialização agrícola, além da viabilização de projetos individuais e coletivos desses agricultores familiares. Além disso, a comunidade de Ivaporunduva conta com a certificação orgânica para produtores de banana orgânica, conferida pelo Instituto Biodinâmico (IBD) e tem como um dos principais compradores o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Assim, parte da produção de banana orgânica é adquirida pelo Governo Federal e é distribuída para restaurantes populares, cozinhas comunitárias, banco de alimentos, hospitais, creches e escolas. Essa comercialização tem sido positiva para a comunidade, já que antes deste programa o preço da caixa de banana era

comercializado entre R$ 0,50 a R$ 1,50 e passou a ser vendida a R$ 13,00. Até outros compradores fora deste programa pagam cerca de R$ 8,00 cada caixa. Esse mercado institucional foi criado entre a Companhia Nacional de Alimentos (CONAB) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A participação da comunidade é relacionada com a merenda escolar do município de Embu das Artes (SP) (BRASIL, 2012).

Além disso, complementam a renda da comunidade as peças feitas principalmente com a fibra da bananeira para o artesanato e o turismo de base comunitária (TBC), desenvolvido pela comunidade pela denominação de turismo étnico-cultural (CRUZ, 2016), sendo que estes detalhes serão apresentados no Capítulo 5.

FIGURA 9 - PRODUÇÃO DE BANANA ORGÂNICA NA COMUNIDADE DE IVAPORUNDUVA

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

Na região, os quilombolas constituíram uma vida socioeconômica autônoma e em nenhum momento estiveram isolados do restante da sociedade brasileira. Tudo isso pode ser evidenciado pelos dados históricos e relatos dos mais velhos, que mencionam a forte relação da comunidade com o rio Ribeira de Iguape (FIGURA 10), desde as atividades artesanais como a pesca, as atividades de canoeiro, a navegação para o escoamento de produtos agrícolas e o transporte de pessoas. Ainda com menos frequência, os rios ainda são utilizados entre as comunidades do entorno como meio para visitar parentes, chegar mais próximos de estradas com pavimentação para chegarem às cidades e utilizarem os serviços essenciais (banco, hospitais, comprar de vestuário e alimentos), além participar de reuniões, cerimônias

e compromissos. De modo a facilitar ainda mais o acesso das comunidades às rodovias da região, por meio de intensa mobilização social, a comunidade conseguiu que uma ponte sobre o rio Ribeira fosse construída, pelo governo do estado de São Paulo, próxima de Ivaporunduva no ano de 2003. Isso viabilizou um acesso mais rápido de moradores aos municípios de entorno e, também, a chegada de ônibus de visitantes na comunidade. Porém ainda hoje, a comunidade conta o serviço de um canoeiro contratado pela prefeitura municipal de Eldorado, para também continuar a realização de travessia, principalmente de moradores até a outra margem do rio (ANDRADE; TATTO, 2013).

FIGURA 10 - TRAVESSIA DO RIO RIBEIRA

FONTE: Registros dos trabalhos de campo da autora (2015)

Neste sentido, a cultura quilombola foi fundamental para a formação histórica do povo brasileiro (RIBEIRO, 1995), vinculada à proximidade da população rural, que é formada pela miscigenação portuguesa, indígena e negra, constituindo um modelo sociocultural e de conhecimento minucioso sobre diferentes tipos de territórios e os ambientes brasileiros. Entretanto, como forma de assegurar a proteção ambiental pelo Estado, colocou-se de lado o vínculo histórico das comunidades humanas locais, que contribuem com a diversidade biológica. Ainda se mantém o dilema e o antagonismo entre a preservação da natureza e as necessidades de sobrevivência das populações humanas, já que estas, como os quilombolas,

vêm promovendo o manejo das áreas de florestas por meio de suas gerações (FUTEMMA et al., 2016).

Em meio ao território quilombola se concebe aspectos de ruralidade34, principalmente pela agricultura de subsistência e os laços de sociabilidade da unidade familiar. Para Queiroz (1973), é o espaço de vida de agricultores de origens diversas. No entanto, conforme o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (1995), em seus estudos sobre agricultores paulistas, entende-se o rural como “lugares de vida”, onde os próprios agricultores são capazes de formular suas próprias tipologias.

Para Maués (2010), em estudos sobre quilombolas do Pará, é importante destacar nesse contexto o papel das Comunidades de Base Eclesiásticas (CEB´s) que foram fundamentais na legitimação da identidade quilombola, assim como pode ser observado na comunidade de Ivaporunduva. a comunidade se mobilizou em termos jurídicos por meio da presença das irmãs “pastorinhas” da organização social Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), que presta assessoria aos quilombolas em questões jurídicas, direitos humanos e de direitos socioambientais (FUTEMMA et al., 2015).

A questão atual do reconhecimento dos direitos dos remanescentes de quilombos se traduz como a busca pelo sentimento de pertencimento e de valorização de suas tradições culturais, sociais, produtivas e de interesses comuns, que se unem formação de uma identidade étnica e para dar continuidade de formação para as próximas gerações. (FERREIRA, 2001).

É importante chamar a atenção para a análise da tríade - quilombo, juventude e turismo- sobre a inclusão da internet nesse contexto (CASTELLS; 2003; LEEUWIS; BAN, 2004). As chamadas tecnologias da informação e comunicação (TIC´s) tendem à interferir significativamente no acesso à comunicação e informação e, até mesmo, na relação entre comunidade e visitantes, justamente pelo encurtamento das distâncias geográficas (sociedade em transformação), o que potencializou o aumento e uma maior circulação das pessoas e das informações (BAUMAN, 2003; CASTELLS, 2003).

Dessa forma, a chegada de novas tecnologias como computadores, sistemas de rede, internet e redes sociais se adaptaram ao cotidiano da juventude, sobretudo, como modo de

34 No Brasil, os espaços rurais foram concedidos como sendo “espaços diferenciados”, que abrangem formas sociais distintas, que historicamente vão desde grandes propriedades rurais (fazendas e engenhos) a pequenas aglomerações com nomes como: povoados, bairros rurais, colônias, comunidades (WANDERLEY, 2009). Conforme Queiroz (1973), o meio rural corresponde à dispersão de sua população, ausência de poder público, poucos bens e serviços, já que estes estariam vinculados à área urbana, desse modo é habitual seus habitantes deslocarem-se para a cidade para ter acesso a banco, poder judiciário e prefeitura.

propiciar inclusão e transformarão social.(MARTINS; NUNES, 2008). Alguns dados relativos ao uso das TIC´s foram levantados nos questionários como forma de caracterização da juventude rural de Ivaporunduva (item 4.2), porém este tópico não se trata de objetivo central desta tese. Por fim, reitera-se na apresentação desses atributos sociais da comunidade, a importância dos esforços da comunidade para se manter no território, a mobilização social, o acesso às políticas públicas e da participação nas dinâmicas de conservação socioambiental do Vale do Ribeira. De modo a evidenciar o importante papel da juventude para a continuidade dos esforços comunitários anteriores, na próxima seção, serão apresentadas as características gerais dos jovens quilombolas de Ivaporunduva e suas relações com o turismo de base comunitária.