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De modo a introduzir a questão da gestão do turismo e o papel da juventude por meio da arena da ação do turismo, que neste caso, é realizado coletivamente com base na auto- organização local, , os jovens e lideranças descreveram que, no ano de 2005, por meio de várias reuniões técnicas com o apoio institucional do ISA, a comunidade de Ivaporunduva formalizou como uma estrutura organizacional para a gestão comunitária de suas atividades produtivas, os chamados Grupos de Trabalho (GT), visando o pleno funcionamento das principais atividades agrícolas (Banana) e não-agrícolas (Artesanato, Turismo e Manejo Florestal), além de produtos de processamento como fábrica de banana passa.

Assim, foram firmadas as competências, as responsabilidades e os deveres num formato estrutural, cuja centralidade das decisões ficou à cargo da Associação Quilombo de Ivaporunduva, que ordena as funções estratégicas e financeiras centralizadas numa coordenação geral da Associação. Até 2007, eram cinco GTs em funcionamento, conforme a orientação e aplicação de trabalhos participativos e técnicos realizados junto com o ISA (Pedroso; Zanirato; Rettl; Gamberini, 2007), apontados no organograma abaixo (FIGURA 24):

FIGURA 24 - ORGANOGRAMA DOS GRUPOS DE TRABALHO E COORDENAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DO QUILOMBO DE IVAPORUNDUVA

FONTE: Adaptado de PEDROSO; ZANIRATO, RETTL; GAMBERINI (2007)

As composições por GT funcionam por grupos de coordenador e membros que participam desse modelo de planejamento estratégico, sendo, mais especificamente, os seguintes grupos:

1) O GT de Banana Orgânica: que reúne os produtores de banana e os comunitários interessados nas atividades ligadas à produção de banana e à fábrica de processamento de banana;

2) O GT de Turismo: que reúne os interessados nas atividades relacionadas à promoção do turismo étnico-cultural e à gestão da pousada;

3) GT de Artesanato: que reúne os artesãos da comunidade, os quais trabalham com o artesanato da palha de bananeira e com o artesanato tradicional;

4) GT Manejo Florestal: que reúne o grupo de pessoas que trabalham com o reflorestamento de palmito juçara, com ervas medicinais e nas demais atividades ligadas ao tema como a implantação e gestão de viveiros de mudas;

5) GT Fábrica de Banana-passa: que reúne o grupo de pessoas que têm interesse em desenvolver e gerir a atividade de processamento da banana orgânica.

A organização da atividade turística na comunidade fica sob a responsabilidade de um ou dois coordenador(es) geral(is) do turismo (GT de Turismo), que são escolhidos em Assembléia Geral, a cada dois anos. O sistema de trabalho dos integrantes do grupo acontece por meio de um rodízio realizado pela própria comunidade, sendo que atualmente integram este grupo cerca de 80 pessoas.

Os coordenadores do turismo (normalmente correspondem a dois membros da comunidade) ficam responsáveis pelas seguintes atividades: a) Contatos iniciais com os visitantes e pesquisadores, por meio de e-mail ou telefone (tudo isso quando o sinal da internet funciona, já que o sinal é disponibilizado em um único ponto da comunidade, no centro comunitário, sendo o wi-fi aberto aos moradores do quilombo); b) agendamento das turmas por dia e horário das atividades; c) esclarecimentos gerais sobre a atividade; d) distribuição das tarefas de preparação da infraestrutura básica de atendimento ao turista (limpeza da pousada, organização dos quartos, preparação das refeições e preparo dos palestrantes para receberem os grupos de visitantes); e) compras de gêneros alimentícios com agricultores quilombolas e, também, em mercados localizados nas cidades próximas (Eldorado, Registro ou Iporanga) para o abastecimento da dispensa do refeitório; f) administração e gestão financeira da atividade; e g) divulgação e comunicação do turismo.

Essas disposições sobre a distribuição das tarefas do turismo puderam ser observadas em trabalho de campo, durante o acompanhamento da rotina de trabalho com os quilombolas. Desta forma, além de verificar esta centralidade da atividade, ainda foi possível realizar as principais proposições do roteiro de atividades junto com alguns grupos de visitantes, provenientes de localidades paulistas como: São Paulo, Embu das Artes, Campinas e Sumaré.

Assim, os grupos de turistas chegam diariamente de segunda-feira a domingo na comunidade, cujo intuito é realizar a visitação durante o dia (Day Use) ou dormirem pelo menos uma ou duas noites na pousada (pernoite), para depois seguirem viagem para conhecer a região, que, como já foi dito, possui várias unidades de conservação (UCs). Logo na parte da manhã, normalmente o grupo de monitores ambientais já se encontram na pousada, a fim de combinarem a programação do dia. Esses estão devidamente uniformizados com camisetas referentes ao turismo comunitário ou sustentável (com um logotipo da comunidade), que os identificam (tipo uniforme) como responsáveis pela atividade turística na comunidade. Já na parte dos trabalhos de organização dos meios de hospedagem e preparação das refeições, normalmente ocorre o predomínio do trabalho feminino.

Notou-se que essas jovens mulheres, com idades entre 25 a 30 anos, já estavam casadas e tinham filhos. Nas ocasiões de convívio e por meio de conversas informais, muitas delas revelaram que já haviam colaborado com a organização da atividade turística em funções como ajudante de cozinha e/ou auxiliar de limpeza da pousada, atividades relacionadas com a área de gastronomia e meios de hospedagem.

Segundo os coordenadores da área de turismo de Ivaporunduva, a comunidade recebe por volta de 80-100 escolas por ano e a receita bruta atribuída ao turismo gira em torno de R$ 300.000,00 por ano. Como uma das principais dificuldades do turismo refere-se à parte comercial, os mesmos relatam a questão da emissão de nota fiscal para os visitantes, em virtude da legislação vinculada aos serviços de prestação de serviços no campo.A outra questão relaciona-se à formação de novos recursos humanos do quilombo para a recepção turística, já que a demanda de visitação tende a aumentar ano após ano (MARTINS, 2015).

Sobre a questão da renda gerada pelo turismo e sua distribuição entre os quilombolas, conforme regras internas e divisão de tarefas atestadas pelo GT Turismo e a Associação, há o pagamento de diárias para as funções desempenhadas pelos quilombolas de acordo com a época do ano, temporada normal e na alta temporada (junho e novembro), segundo os informantes-chaves para o ano de 2015/2016, conforme o QUADRO 8.

QUADRO 8 - DIÁRIAS DE REMUNERAÇÃO PARA AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS NO TURISMO DE IVAPORUNDUVA (PERÍODO OBSERVADO: 2015 - 2016)

Principais Funções Pagamento normal Pagamento (Alta Temporada) Assistente de Cozinha R$40,00 (por período) R$55,00 (por período)

Cozinheiras R$ 50,00 (por período) R$ 70,00 (por período) Palestrante R$ 130,00 (por grupo) R$ 150,00 (por grupo) Monitor Ambiental R$ 70,00 (por grupo) R$80,00 (por grupo)

Fonte: Elaboração própria

Além de promover o pagamento para os usuários do sistema do tourism commons, há uma parte da receita gerada pelo turismo que é destinada ao fundo de contribuição da comunidade. Este fundo tem como principal objetivo a manutenção de equipamentos e compra de utensílios necessários à atividades como alimentação, por exemplo (MARTINS, 2015).

Já o valor arrecadado do artesanato associado ao turismo foi estimado em torno de R$ 500,00 por grupo de visitantes até 50 pessoas.No entanto, em período de alta temporada esta

renda poderia triplicar para até R$ 1.500,00. Normalmente, esta renda é distribuída no Grupo de Artesanato, cuja maioria é composta por mulheres da comunidade (MARTINS, 2015).

Sobre a organização de tarefas por meio do GT de Turismo, serão apresentadas as informações obtidas por meio de entrevista com o coordenador deste grupo, na qual descreve suas atribuições e desempenho:

Faço o acolhimento e o planejamento. O calendário nosso de turismo vai de março a novembro. A pousada tem a capacidade de receber 60 pessoas. Quando o grupo que dorme só agenda um grupo. Aí, no caso, dá pra agendar o grupo que dorme e o grupo que não dorme. Daí dá para trabalhar com dois a três grupos por dia. A gente contrata a cozinheira, a passadeira, a faxineira, as cozinheiras, a ajudante, vigilante que fica mais à noite, daí depende do grupo pede tocador, daí tem que ver o pessoal para tocar e fazer a fogueira, buscar alguém que faz. Eu faço a gestão de muitas pessoas e é bem trabalhoso. Quando tem as festas é mais trabalhoso, porque nas festas você não trabalha com um grupo só, mas com vários grupos , daí é dobrado. Quando você está com uma turma só é fácil, mas outras turmas é complicado. Como monitor nesse momento perde a festa. A preocupação é grande, porque tem que dar certo. Se der errado você vai estragar o projeto da comunidade, que no caso é a segunda fonte de renda da comunidade. Hoje querendo ou não a comunidade já depende dessa renda. Quando chega de repente férias a gente sente que ela cai. E isso afeta as cozinheiras, os monitores e os palestrantes porque cai o movimento. (Jovem Homem, 35 anos, dezembro de 2015)

Fica evidente o quanto a atividade de turismo tornou-se importante no cotidiano da comunidade, assim como possibilita melhores retornos financeiros entre os participantes dessa atividade. Apesar de notarmos uma diferença salarial entre homens e mulheres, quanto à remuneração de suas funções, de acordo com as mulheres entrevistadas, a remuneração, principalmente, na área de hospedagem, limpeza e alimentação deveria ser melhor, assim como para aqueles indivíduos que são designados para darem palestras. Dessa maneira, haveria uma melhor equidade salarial, entre homens e mulheres, não desmerecendo nenhum tipo de atividade desempenhada.

Além disso, as mulheres se destacaram também na venda de produtos agrícolas in natura como verduras e legumes das roças e dos quintais, que compõem os cardápios e as receitas de culinária local oferecidos aos turistas. Na parte das refeições, as mulheres colocam em suas receitas os alimentos cultivados na comunidade, como milho, inhame, cará, mandioca, feijão e arroz, além de temperos de suas hortas (coentro, cebolinha, cheiro-verde) e sempre acrescentam a banana e a farinha de mandioca. Há ainda o cuscuz de arroz, a rapadura, o bolo de ronda e banana chips, seja por meio de receitas de doces e salgados, reforçando por meio da culinária quilombola a importância destes produtos na interação direta com o turista (ARAÚJO, 2012, ISA, 2013).

De acordo com a pesquisa de campo e conforme Blanco, Ray-Maquieira e Lozano (2009), desenvolvem-se nestas comunidades, mecanismos de tensões e de conflitos internos relacionados à introdução do turismo na comunidade, principalmente, no que se refere ao pagamento e à distribuição dos recursos financeiros advindos da atividade turística. Isso se deve, muitas vezes, pela falta de clareza nas relações de trabalho (aqueles que são os selecionados para o trabalho) que envolve a prestação de serviços no turismo. E, ainda, é importante salientar que há uma linha tênue entre a cobrança dos serviços turísticos com relação à apropriação mercadológica das relações sociais, que passam a ser cobradas, deixando de ser apenas uma troca de favores entre visitante e comunidade, no que se refere à hospedagem e recepção de visitantes.

Cabe, desse modo, o destaque à comunidade quilombola de Ivaporunduva em sua gestão comunitária do turismo por realizar e executar tarefas primordiais ao desenvolvimento local por meio da distribuição de funções e da renda, por meio de regras bem definidas, além de já integrar os jovens a uma oportunidade de renda e de aprendizados múltiplos no contato com os visitantes.

A rede formada por monitores, palestrantes, artesanato, alimentação e hospedagem gera importantes efeitos multiplicadores na cadeia produtiva local do turismo no quilombo e serve de metodologia de trabalho para outras comunidades quilombolas do entorno e de outros estados brasileiros, quilombos que almejam trabalhar com o turismo em base comunitária. Entretanto, é necessário administrar e promover uma maior participação dos jovens como lideranças de suas comunidades. Sobre isso, no próximo item, serão analisadas como se dão as diferenças intergeracionais entre as lideranças mais velhas e os mais jovens, sobretudo, por meio das trocas mútuas de conhecimento entre eles e do reforço da identidade quilombola.