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Ivaporunduva é uma das comunidades quilombolas mais antigas do Vale do Ribeira Paulista. Conforme estudos antropológicos, esta comunidade já havia se constituído a mais de 300 anos, a partir da ocupação feita por mineradores e seus escravos no século XVII, no entanto com o declínio do ciclo do ouro na região, já no século XVIII, os muitos negros que foram escravos na exploração desse tipo de atividade foram libertos e passaram a plantar, colher e caçar, estabelecendo suas casas em meio à mata (ITESP, 1998; QUEIROZ, 2006).

De modo sucinto, é importante situar os entendimentos sobre a expressão entendida como quilombos. De acordo com Ramos (1971), já em 1630, os historiadores brasileiros indicaram como quilombos as características e as representações das iniciativas de fugas de escravos, sendo o mais representativo na história a resistência que culminou no Quilombo dos Palmares (FUNARI; CARVALHO, 2005). Depois, a palavra quilombo (ou mocambo) ficou caracterizada, na época, com a resposta do rei de Portugal dada ao Conselho Ultramarino (em 1740), no qual quilombo seria definido como “toda a habitação de negros fugitivos que passassem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (ALMEIDA, 2002, p. 47).

Somente após 100 anos da Lei Áurea, no século XX, com a intensa pressão do movimento negro brasileiro, sobretudo com a militância de intelectuais como Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento e com a criação do Movimento Negro Unificado – MNU, na década de 1970, que os quilombos ganharam a importância histórica de reconhecimento e que os estudos ressaltaram as discussões sobre as questões raciais no país.

Segundo Beatriz Nascimento (1985, p.41), quilombo significa “as formas de resistência que o negro manteve ou incorporou na luta árdua pela manutenção de sua identidade pessoal e histórica. Já a definição trazida pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA, 1994, p. 1) traz a seguinte síntese:

Quilombo tem novos significados na literatura especializada, também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que tenha conteúdo histórico, vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos segmentos negros em regiões e contextos do Brasil. Quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de população estritamente homogênea. Nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados. Sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na reprodução de modos de vida característicos e na consolidação de território próprio. A identidade desses grupos não se define por tamanho nem número de membros, mas por experiência vivida e versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade como grupo. Constituem grupos étnicos conceituados pela

antropologia como tipo organizacional que confere pertencimento por normas e meios de afiliação ou exclusão.

Neste sentido, a comunicação dos resultados de pesquisa de Schmitt, Turatti e Carvalho (2002) foi esclarecedora no que tange à atualização do conceito de quilombos. No trabalho destas autoras houve a menção sobre sete comunidades quilombolas, sendo elas: Cafundó (Salto de Pirapora), Jaó (Itapeva), Caçandoca (Ubatuba), Mandira (Cananéia), Sapatu, André Lopes e Nhunuguara (estas três últimas estão localizadas no Vale do Ribeira, no município de Eldorado, próximas a Ivaporunduva). Sobre o conceito e a definição de quilombo, as autoras fazem um resgate histórico desde as primeiras definições datadas em 1740, as quais se perpetuaram até os anos de 1970. Para as autoras, os quilombos contemporâneos lutam continuamente por seus direitos de posse da terra e são considerados como sendo remanescentes de comunidades de quilombos (conceito moderno antropológico). Este ainda recebe, também, outras denominações como “terras de preto”, ou “território negro”, desta forma, a ênfase é dada sobre a condição dessas populações como sendo camponeses que compartilham um território e uma identidade coletiva.

De acordo com Reis e Gomes (1996), por muito tempo a noção sobre quilombo esteve designada aos acampamentos de escravos de origem africana que estavam fugidos de seus senhores de escravos. Entretanto, o imaginário sobre os quilombos, como sendo somente assentamentos negros vistos como focos isolados de resistência ao regime escravista, ampliaram-se nos tempos atuais à questão de identidade sociocultural, já que estas populações locais buscaram a autonomia de seus territórios, de suas formas de organização e das manifestações culturais diferenciadas e que são remanescentes até os dias atuais (ARRUTI, 2006; 2008).

Assim utilizou-se para esta pesquisa a síntese proposta por Moura28 (2012), que utilizou a noção de quilombos contemporâneos. Conforme a autora, estes seriam comunidades rurais negras onde se juntaram descendentes de povos que foram escravizados e que viviam de culturas de subsistência (agricultura, pecuária, artesanato, manejo dos recursos naturais etc.). De forte vínculo com seus antigos ancestrais e tradição oral, sua cultura vem sendo vivenciada de geração em geração. As histórias comuns, as festas e as comemorações

28 De acordo com Moura (2012), originalmente a palavra quilombo advém do kilombo, um dialeto africano que quer dizer sociedade formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas comunidades. Para a autora, uma síntese sobre esse termo refere-se a uma comunidade negra rural que é composta por descendentes de africanos que foram escravizados e, desse processo, por meio de laços de parentesco e compadrio, habitaram uma porção de um território e iniciaram atividades produtivas como a agricultura de subsistência, com a qual mantém suas tradições culturais com o presente conforme códigos e condutas herdados por meio da transmissão de conhecimentos por seus antepassados.

religiosas (católicas) têm como eixo o trabalho, as normas de pertencimento, a religiosidade e as questões étnicas.

Cabe ressaltar, para o entendimento destes quilombos contemporâneos, a centralidade do uso coletivo da terra, desde os primeiros agrupamentos realizados por seus antepassados até o presente momento. Conforme Leite (1991), a terra é a representação de sustento por meio da agricultura e de constituição de suas famílias. Logo, a garantia do direito à terra para estes grupos é necessário como uma condição de existência de suas futuras gerações. Para Magalhães (1996), a terra para os quilombolas é o seu patrimônio cultural e histórico, sobretudo, no que se refere aos valores morais que estão atribuídos nestes espaços de vida e de plantio, cujos ensinamentos foram transmitidos por antepassados. Dessa maneira, a terra é o símbolo maior de luta e reprodução sociocultural dessas populações, pois em seus territórios se constituem os laços afetivos, as tradições, a forma de agricultura, além de vínculos espirituais que constituem um processo de conhecimento ecológico próprio, que é reproduzido e adaptado por gerações (BERKES, 2012).

Com base neste contexto maior sobre os entendimentos acerca dos quilombos brasileiros, retoma-se o foco quanto ao contexto socioambiental vivenciado pelo Quilombo de Ivaporunduva. No ano de 1997, a comunidade foi reconhecida pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) como território quilombola. A partir de 2000, na instância federal, o quilombo também foi reconhecido pela Fundação Palmares. No entanto, o título de posse da terra, devidamente assinado em cartório, foi repassado para a Associação do Quilombo de Ivaporunduva apenas no ano de 2008, após ganho de causa em disputa judicial, entre a Associação e Estado.

Portanto, a posse da terra é coletiva, com as principais atividades agrícolas e não- agrícolas sendo realizadas por meio desta associação, o que permite o planejamento das atividades produtivas como a agricultura de subsistência (ou roça de coivara), que, historicamente, tem sido a base dos sistemas agrícolas destas comunidades quilombolas29. Também conhecida como agricultura de “corte e queima”, é uma prática que foi adaptada ao ecossistema de florestas tropicais constituindo um tipo de sistema agrícola no qual são abertas áreas para o cultivo em período mais curtos de tempo do que aquelas áreas voltadas ao pousio

29 As roças de coivara integram o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola e, em 2018, foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil, de acordo com o IPHAN. Conforme estudos recentes do grupo de estudos em Ecologia Humana de Florestas Neotropicais da USP, esse tipo de sistema agrícola pode ser encontrado em várias florestas tropicais do planeta e que se adaptam a diversos tipos de variáveis e, no caso, do Vale do Ribeira e suas comunidades quilombolas, este tipo de tombamento poderá contribuir com a conservação do maior remanescente florestal do Brasil, que é a Mata Atlântica e de todos os laços simbólicos e culturais relacionados entre as comunidades e o ambiente (PASINATO, ADAMS, 2018).

(PEDROSO-JUNIOR, 2008; PRADO, 2012; ADAMS et al., 2012; IANOVALI, 2015; RIBEIRO-FILHO, 2015). Há desse modo, um manejo dos recursos naturais, a partir de uma rotação dos campos de modo a contribuir com a nutrição natural de solos e vegetação das florestas (RIBEIRO-FILHO, 2015).

A organização desta comunidade rural negra é anterior à fundação do município de Xiririca (antigo nome do município de Eldorado). Logo, as populações rurais negras pioneiras, que estabeleceram suas primeiras habitações e práticas de agricultura, foram também as que introduziram o cultivo das plantações de arroz e feijão na região (SANTOS; TATTO, 2008). Com o fim do ciclo da mineração, século XVIII, agruparam-se em meio às áreas florestais e estabeleceram seus modos de vida, protegidos pelo isolamento geográfico e pela predominância da cobertura vegetal da região (VELASQUES, 2007).

Ivaporunduva está localizada próxima da Rodovia SP-165, no sentido Iporanga, distante a 55 km de Eldorado. A comunidade rural possui em área 3.158,11 hectares de extensão total e limita-se com a margem esquerda do rio Ribeira de Iguape e com mais cinco outras comunidades quilombolas, sendo elas: São Pedro, Pedro Cubas, Sapatu, André Lopes e Nhungara. A principal forma de acesso à comunidade e a outros quilombos acontece por via terrestre, através de trilhas internas entre as comunidades, ou ainda, por meio de veículos automotores (carros, motocicletas ou ônibus) que atravessam a rodovia (SP-165) e que também realizam a travessia da ponte construída sob o rio Ribeira. Anteriormente à construção dessa rodovia e da ponte, o único modo de se chegar até a comunidade era por meio do transporte por balsa (ANDRADE; TATTO, 2013).

O restante da área possui divisões referentes ao uso para pastagem e de capoeira (floresta secundária), sendo estas áreas utilizadas para o sistema de agricultura de corte e queima (PEDROSO JÚNIOR, 2008; MUNARI, 2010). Conforme Munari (2010) e Pedroso- Junior (2008), a ligação com o meio ambiente foi fundamental para a organização dos sistemas de cultivo agrícola destas comunidades quilombolas, cultivo mais conhecido como roças tradicionais (coivara), principalmente pela proximidade gerada entre os indivíduos participantes que fortaleceram relações de cooperação advindas dos laços de parentesco e compadrio (FUTEMMA et al., 2015).

Diante dessas dinâmicas socioambientais, o Vale do Ribeira desperta o interesse por pesquisas científicas de diferentes universidades, centros de pesquisa e organizações não- governamentais (ADAMS et al, 2013; RIBEIRO-FILHO, 2015). Entretanto, poucos estudos avaliam as implicações do turismo no equilíbrio ecológico e social (CORIOLANO et al.,

2009), tal qual se é proposto nesta tese. Na próxima seção, estará disposta a metodologia aplicada no trabalho de campo realizado para organização dessa tese.