• Nenhum resultado encontrado

Sobre as questões intergeracionais, durante as fases (1) e (2) dos trabalhos de campo, foi realizado o acompanhamento das reuniões promovidas pelo ISA no escritório de Eldorado. Nestas ocasiões, sempre estavam presentes os representantes das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. Entretanto, no contato com os grupos formados pelas lideranças dos quilombos, também se notou a predominância de participação de pessoas mais velhas (acima de 60 anos) e pouca representatividade juvenil (maiores de 18 anos) nestas ocasiões (FIGURA 25). Haviam poucos jovens que participavam diretamente dos debates em reuniões mediadas

pelo ISA, onde eram discutidos temas como: sistema agrícola quilombola, questões de diretos, ações contra mineradoras e contra processos de barragens, que estão sendo planejadas para região. Tudo isso conforme as mobilizações promovidas pelo Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), organização que tem como objetivo conscientizar e informar a população do Vale do Ribeira sobre os processos vinculados a projetos de barragens. Este movimento social tem 25 anos de luta e conta com o apoio institucional da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (EAACONE), Vale do Ribeira. Vale ressaltar que este coletivo recebe o apoio da Igreja Católica, via a ordem das irmãs conhecidas como “Pastorinhas” (FUTEMMA et al., 2015).

FIGURA 25 - LIDERANÇAS E ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS REUNIDAS NA VIII FEIRA DE TROCAS DE SEMENTES DAS COMUNIDADES DO VALE DO RIBEIRA

FONTE: Registros dos trabalhos de campo (2015)

Notou-se ainda que, nas ocasiões das reuniões e dos eventos promovidos pelo ISA, estas lideranças sempre ressaltaram que, independente da permissão coletiva, a pesquisadora era bem-vinda na região, sobretudo, pela importância que a temática desta tese em colaborar com a situação dos jovens e de uma maior visibilidade para a importância das comunidades remanescentes de quilombo.

Posto isso, cabe ressaltar como constantes apreensões observadas, tanto das lideranças como no decorrer da aplicação dos questionários, que temas como preocupações com a questão dos recursos hídricos, o processo de licença das roças, as instabilidades com relação à possibilidade de alterar a lei que regulariza a titularidade das terras quilombolas no país (PEC

2015), a ameaça das barragens e os interesses de mineração apareceram tanto nas discussões observadas no coletivo, como individualmente em alguns relatos dados pelos jovens.

As palestras contendo informações históricas, lendas da região e proximidade com os elementos da fauna e flora da região são conduzidas com base na experiência dos monitores mais antigos, que normalmente são ou já foram importantes lideranças comunitárias no histórico de participação nos processos de luta pela terra, sendo estes indivíduos os mais presentes nas reuniões com os representantes de organizações não-governamentais, do Estado e das universidades e outras entidades regionais. Logo, notou-se a tendência natural de engajamento político de algumas pessoas – chaves na estrutura social comunitária, principalmente destas lideranças históricas. O acesso à eles facilitou tanto o contato com os mais jovens da comunidade, como as rotinas de organização comunitária em prol do turismo.

Conforme um dos líderes do quilombo de Ivaporunduva, sobre a questão do envolvimento dos jovens e os benefícios com o turismo, conforme o fragmento de entrevista, é importante destacar que:

Porque tem monitores que vem o turismo como um bem, que tem que ser cuidado. Não pode mais ver o turismo como um quebra-galho. Então está sendo visto como um bem que não pode se acabar. Que tem que ser cuidado cada vez mais, melhorando e recebendo. Porque daí ele tem que ter uma prioridade, porque, às vezes, tem pessoas que tem obrigações e tem que deixar alguns compromissos para outro dia para priorizar o turismo, porque entendemos dessa forma né. Mas, às vezes, nem todas as famílias, nem toda a juventude vê desse jeito. Só vê o turismo como um meio de ganhar dinheiro e não é assim. A gente vê de uma outra forma, que o turismo é um bem como um bananal que tem que cuidar dele, como uma roça de feijão que se não cuidar dele o mato toma conta. Então, a questão deve ter esse olhar... às vezes, demora um pouco. (Liderança Ivaporunduva, 60 anos)

A importância adquirida pela atividade turística para o desenvolvimento local dos quilombos foi notada em vários momentos de fala entre os quilombolas e os grupos de visitantes. As lideranças históricas ressaltaram que por conta da renda advinda do turismo alguns jovens da comunidade puderam dar continuidade em seu processo de formação, adquirindo conhecimentos técnicos sobre o turismo e áreas afins, ou sobre agricultura, por meio de cursos técnicos ou universitários. No entanto, existe um acordo comunitário em que a associação local custeia parte destes cursos e, depois, os jovens devem retornar para o quilombo com o intuito de aplicar os conhecimentos adquiridos para o desenvolvimento local da comunidade.

Deste modo, por meio dos trabalhos de campo, onde além de ficar hospedada na pousada também fui inserida numa residência no meio da comunidade, pude começar a notar melhor as rotinas dos quilombolas, sobretudo, dos jovens com relação ao turismo. Aos poucos

foi possível notar os anseios dos mais velhos para que os mais jovens começassem a se interessar mais pelo turismo, conforme pode ser entendido no fragmento de entrevista abaixo, com uma das lideranças (mais velhas) de Ivaporunduva:

Eu acho que a dificuldade que eu falei do futuro é só monitor, o resto é tranquilo. Nem todo jovem se interessa para monitorar, mais na parte de limpeza, de cozinha, de catar o lixo. De saber um pouquinho da história eles estão se inteirando. Mas, no monitorar eu tenho essa (impressão) de dificuldade. Para a gente dar uma melhoradinha mais a gente tem que saber que todo mundo tem que conhecer a história. Não adianta eu conhecer e outro conhecer, mas porque a gente é um grupo né. E se você não conhecer a história direito, de repente tem muitos grupos que vêm aqui e eles vão fazer perguntas, que vêm para fazer entrevista. Aí se chega uma hora da gente pegar uma pessoa dessa (jovem) para fazer uma entrevista e ele não souber da história fica difícil. Tá precisando para todo mundo saber a história de Ivaporunduva. (Liderança Ivaporunduva, 64 anos)

Em alguns momentos, um ou outro jovem ajudava nas tarefas de preparação do turismo, seja em pequenas tarefas de organização dos quartos, na cozinha – como auxiliar de cozinheira – ou, ainda, como guias locais, principalmente na divisão das palestras sobre bananal, ervas medicinais e caça e pesca.

A questão de oportunidade e estímulos para a fixação dos jovens é colocada em vários momentos de apresentação da comunidade para os turistas, principalmente destacando que alguns jovens já começam a ocupar certas posições de responsabilidades perante a comunidade, como coordenação da Associação e dos Grupos de Trabalho. Cabe ressaltar que, no que diz respeito à questão da identidade étnica dos quilombos e seus patrimônios (natural e cultural).

Deste modo, por iniciativa do ISA e em colaboração com grupos de pesquisadores da USP (Prof. Dra. Cristina Adams) foram incluídos, neste dossiê, vídeos institucionais feitos nas comunidades sobre a colheita tradicional do arroz. Também fizerem parte deste documento as atividades desenvolvidas pela Feira de Sementes (atividade também observada em campo), que auxiliaram a construção de uma sistematização sobre o Calendário do Sistema Agrícola Quilombola47 e no Paiol de Sementes48, trabalhos estes realizados com

47 O calendário do Sistema Agrícola Quilombola foi desenvolvido no ano de 2016 por meio dos trabalhos técnicos da equipe do Programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA). Tratou-se de uma das ações do projeto maior intitulado Sistema Agrícola Quilombola: soberania alimentar, cultura e geração de renda, que teve apoio da Petrobras. Houve a participação de 19 comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (dos municípios de Cananéia, Eldorado, Iguape, Iporanga e Itaoca). No calendário foram representadas as épocas de plantio de arroz, milho, feijão e mandioca das comunidades.

48 O Paiol de Sementes foi criado no ano de 2015, por meio da parceria entre o ISA e as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, como um banco de sementes que reúne diversas variedades de arroz, milho, feijão e mandioca de mais de 13 comunidades quilombolas do entorno.

constantes incursões nas comunidades e sob a validação das informações dadas por eles. Dessa forma, as épocas de cada colheita, os produtos, as fases de plantio, a época da colheita e as sementes das variedades cultivadas estarão disponíveis para o uso comunitário.

Os projetos elaborados pelos jovens, como já mencionados, por meio do processo de Formação dos Agentes Socioambientais (FAS), colaboraram para uma maior participação dos jovens nas atividades de suas comunidades. Justamente nas discussões foi ressaltada em várias falas a questão de motivar e mobilizar mais a juventude local, diante dos temas que ameaçam a soberania das comunidades sobre os territórios. Logo, como desafio, salientou-se a problemática sobre a pouca participação jovem nos espaços de decisão, discussão e em reuniões e comissões locais, regionais e nacionais, em que a pauta de reivindicações dos quilombos fossem debatidas e, assim, os jovens além de participarem desses espaços político- institucionais, auxiliariam a agenda de compromissos das lideranças (mais antigas) na questão de representatividade dos quilombos frente aos outros coletivos e espaços de decisão.

O envelhecimento das principais lideranças locais presentes foi colocado em discussão em uma das reuniões de avaliação dos projetos desenvolvidos pelo ISA, em dezembro de 2015, já que os quilombolas tendem a perder lugares nas discussões regionais e locais sobre os territórios quilombolas por falta de participação deles nestes espaços, seja por problema de agenda, dificuldades de transporte e acesso no dia em questão, sobrecarga de atividades ou sobreposição de reuniões. Deste modo, a organização interna das comunidades deve ser repensada do ponto de vista de estímulo e aprendizado institucional de participação, para que os mais jovens possam a vir a ocupar algumas posições de gestão e liderança em seus respectivos grupos.

Conforme Pelegrini (2009), é crucial que os projetos vinculados ao uso público do patrimônio integrem diferentes grupos etários das comunidades, principalmente jovens e os detentores de conhecimento (anciões e lideranças), justamente, para que o ponto seja a criação de condições necessárias à transmissão dos conhecimentos e da herança cultural das comunidades. Somente assim poderá haver de fato a sustentabilidade (político-institucional, cultural, social, ambiental) para a conservação do patrimônio.

Portanto, a troca de experiência e o fomento à educação por meio da conservação ambiental deve ser um dos pilares de qualquer projeto de desenvolvimento do TBC (PELEGRINI, 2009). Segundo Varine (2013), a integração de temas como este se caracteriza por sua natureza interdisciplinar, especialmente, no que se refere à representatividade do patrimônio para as gerações futuras.

No próximo item será apresentada uma síntese do capítulo por meio do modelo IAD, incluindo assim a questão das interações e dos resultados por meio de critérios de avaliação de um bem ou serviço compartilhado, que no caso avaliado se trata de um caso de turismo de base comunitária em território quilombola.

6.3 SÍNTESE DO CAPÍTULO: AS INTERAÇÕES E RESULTADOS COMO CRITÉRIOS