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Há estudos de ação coletiva que focam nas características dos participantes e no modo como estes realizam práticas e ações que interferem no manejo ecossistêmico (BERKES, 1989; 2012). Partindo do pressuposto que apenas o retorno econômico não é suficiente para o alcance do ideário de desenvolvimento sustentável, o capital social aparece como uma noção que ajuda a entender melhor a capacidade que os indivíduos têm de estabelecer laços de confiança, cooperação e ajuda mútua que fomentam as decisões individuais e que colaboram com a ação coletiva dos recursos de uso comum (BERKES, 1989; 2012; OSTROM, 1998; FUTEMMA et al., 2002).

A noção de capital social foi cunhada por Jane Jacobs (2000) em seu livro “A morte e a vida das grandes cidades americanas”, que surgiu num contexto de efervescência do movimento ambientalista e das teorias de nova institucionalidade. Esta autora utiliza o termo para dar ênfase à questão das redes de sociabilidade presentes nas grandes cidades que, mesmo informais, garantem uma maior sensação de segurança nos bairros a partir da autogestão democrática no espaço urbano, por meio da ação social dos indivíduos.

Para o sociólogo Pierre Bourdieu (1986), a noção de capital social é aquela em que há benefícios (ou malefícios) dentro de uma rede estável de relações onde um indíviduo se estabelece. Estas relações interpessoais podem ser mais ou menos institucionalizadas (dependendo do tamanho da rede de contatos), o que pode garantir vantagens, ou ainda, uma melhor posição social dentro do grupo com a finalidade de alcançar resultados comuns para todos os membros (BOURDIEU, 1986). Dessa forma, o capital social se constitui como o “elo de ligação” entre os indivíduos, que pode se configurar de formas variadas e pode ser acumulado por indivíduos ou grupos (BOURDIEU; WACQUANT, 1992).

Bourdieu (1986) destacou ainda a questão da formação das redes sociais19 (ex. família, clube, escolas, associações, entre outras). Segundo o autor, é fundamental analisar a quantidade de membros (tamanho do grupo) e a heterogeneidade dos participantes para ver como se estabelecem as trocas materiais e simbólicas, que se constituem por meio de regras e acordos entre os indivíduos que os levam (ou não) às situações colaborativas. Desse modo, a questão de reconhecimento e de pertencimento ao grupo deve ser considerada nos estudos sobre o capital social.

Outra abordagem clássica sobre o capital social foi analisada pelo sociólogo James S. Coleman (1988). Para este estudioso, a noção advém de dois fatores principais: a) pela formação de uma estrutura social; b) pela facilidade proveniente do acesso à estrutura social por meio dos agentes. No entanto, é importante distinguir para esta análise que os tipos de recursos compartilhados ou os objetivos comuns a todos dependem de como se dá a reciprocidade e o cumprimento das normas que regularizam os níveis de participação dos indivíduos na estrutura. Conforme Coleman (1988), a noção é constituída pelas relações provenientes da estrutura social e das ligações entre as pessoas, mas o papel de agente é anterior e é incorporado à estrutura, a partir do momento que este indivíduo se mobiliza pelo grupo.

O capital social pode ser constituído por um fator de obrigação, quando um indivíduo X possibilita crédito para Y. Sendo que esses estão integrados por uma outra rede (ex. associação de agricultores), espera-se que este recurso, por exemplo, seja devolvido pelo fator de confiança. Dessa maneira, ao serem integrantes de uma mesma estrutura, o elo entre as partes será reforçado quando for efetuado o retorno da ação. Como uma das principais críticas a esta abordagem de Coleman, destaca-se a pouca problematização sobre a questão dos conflitos internos e sobre as assimetrias de poder presentes na estrutura social (PORTES, 1998; SERAGELDIN, GROOTAERT, 2000).

Para o sociólogo Alejandro Portes (1998), autor que dialoga com as teorias sociais de Bourdieu, a família exerce um importante papel dentro da rede social. Deste modo, o capital social potencializa o acesso a outros tipos de capitais (como o econômico, natural, humano e cultural) que possibilitam a acumulação de benefícios maiores, a transparência dos acordos e a diminuição das incertezas das decisões tomadas (BOURDIEU, 1986; PORTES, 1998). Contudo, a principal crítica a essa abordagem do capital social se dá justamente por seu

19 De acordo com Scherer-Warren (2005), a noção de rede social constitui-se pelas relações primárias do cotidiano que também pode se desdobrar em ações políticas. No entanto, a definição é abrangente, pois envolveria desde as análises sobre a escolha racional dos indivíduos à capacidade da própria rede em constituir-se como um meio estratégico dos que são ou não inclusos nela.

caráter determinista, já que ainda tende a considerar o ponto de vista econômico (capital econômico), como sendo o motivo final (ou principal) de acesso a outros capitais.

Destarte, foi por meio do cientista político Robert Putnam (1996) que a noção ganhou destaque com a publicação de “Comunidade e Democracia: a experiência da Itália Moderna” (PUTMAM, 1996), que trouxe à luz discussões anteriores já realizadas pelos cientistas sociais como Bourdieu (1986) e Coleman (1988). Em linhas gerais, Putnam fez análises com base nos resultados de mais de 20 anos de estudos sobre as diferenças de desenvolvimento da região norte e sul da Itália. Para Putnam (1996)20, o capital social é a capacidade da sociedade de estabelecer laços de confiança em relações interpessoais e mobilizar redes de cooperação com fins de produção de bens coletivos. Putnam (2002) considerou, ainda, que os indivíduos quando vinculados às redes de contatos e de interação mútua, se envolvem em situações de participação e de reciprocidade direcionados ao estabelecimento de acordos, criando e reforçando uma coesão coletiva. Assim, quanto mais a confiança é estimulada por meio das redes sociais, mais a comunicação entre os agentes é acionada através do reconhecimento mútuo e que os levam à cooperação (PUTNAM, 2002; COLEMAN, 1994).

Contudo, Putnam também menciona que outros recursos podem ser analisados por meio das conexões de redes, como distinguiu Granovetter (1973) pela teoria dos laços fracos (“weak ties”), a qual ressalta a importância da rede de amigos de amigos “friends of friends”, sendo que isso interfere nas situações de inclusão ou exclusão de indivíduos em determinados tipos de acessos à informação. Segundo o autor, isso pode gerar certos desequilíbrios de poder com relação à distribuição equitativa dos benefícios coletivos, ou seja, certas vantagens no processo com relação a outros indivíduos, que podem gerar falhas como, por exemplo, a falta de transparência nas ações.

Além das contribuições trazidas pelas três abordagens tratadas acima de Bourdieu, Coleman e Putnam, é importante apresentar, também, a abordagem relacionada aos estudos da ação coletiva, sintetizada e apresentada pelas autoras Ostrom e Ahn (2003). De acordo com essas autoras, o capital social poderia ser sintetizado como sendo a noção propulsora das conexões individuais. Nessa interpretação, o capital social dependerá da inclusão dos indivíduos em grupos que lhes possam ser mais favoráveis, inclusive em termos coletivos. As autoras destacam nessa análise a “natureza do bem público”, incluindo a finalidade do capital

20 Os estudos sobre o capital social ganharam cada vez mais notoriedade, principalmente, a partir dos anos 1990, sobretudo, quando o Banco Mundial passou a utilizar este termo com frequência em seus documentos oficiais e em suas pesquisas de base. A organização passou a considerar a noção como sendo relacionada às instituições, às relações sociais e às normas como sendo fundamentais ao delineamento das ações em prol de um desenvolvimento sustentável (D´ARAÚJO, 2003).

social por meio da ação coletiva, no sentido de questionar quais os benefícios que interessam a todos (OSTROM; AHN, 2003).

De acordo com Ostrom e Ahn (2003), o capital social seria um bem público que serve aos interesses dos indivíduos para atingir certos objetivos coletivos, desde sua colaboração em pequenos grupos à sua inserção em redes de interação. Consequentemente, de modo abrangente, o capital social advém das relações entre os indivíduos (elos fortes ou fracos), que vão depender das situações de engajamento, das formas de reciprocidade (compartilhamento ou retornos de ações entre os agentes) e por meio da partilha dos conhecimentos adquiridos pelas experiências de cada um.

Portanto, para este estudo entende-se que o capital social dependerá dos esforços mútuos e da confiança entre os indivíduos para estabelecer um tipo de ação coletiva. Dito isso, considera-se que a experiência de colaboração em grupo é um processo de aprendizado que será adquirido e alterado conforme o acesso à informação, a depender das contribuições das redes sociais que dão sustentação à coordenação das atividades, assim como do comprometimento do aprendizado individual voltado ao desenvolvimento do próprio grupo, a partir do senso de responsabilidade e da comunicação fluída (OSTROM, 1999; WHITE, 1996; COLEMAN, 1987).

Além das considerações relacionadas ao capital social, também será inserido na discussão deste estudo o entendimento sobre o capital humano por também se entender que a ação coletiva oportuniza aos indivíduos o aprendizado por meio dos processos, o que naturalmente ocorre com a assimilação da agência humana e dos sistemas de aprendizado por meio dos processos de mobilização.

Os estudos mais expressivos sobre o capital humano aparecem com maior notoriedade a partir de 1960 com Theodore Schultz, que instrumentalizou assim a chamada “Teoria do Capital Humano” por meio de estudos econômicos vinculados à Escola de Chicago (SCHULTZ, 1960). O início efetivo ocorreu em um suplemento da edição da revista científica chamada Journal of Political Economy, cujo tema central era o investimento em seres humanos (BLAUG, 1985).

Schultz destacou o conhecimento como atributo deste tipo de capital, ou seja, mostrou como a melhoria das qualidades e habilidades individuais corroboram as estratégias e fortalecimento da ação coletiva. Em suas palavras, Schultz (1973, p.31) diz que: “Embora seja óbvio que as pessoas adquiram capacidades úteis e conhecimentos, não é óbvio que essas capacidades e esses conhecimentos sejam uma forma de capital”. Logo, é evidente para este autor que investimentos em capital humano sejam direcionados à educação, que passa a ser

vista como um componente importante ao desenvolvimento de indivíduos na ação. A partir disso, a educação passou a ser vista como um dos pilares da economia e como um dos importantes fatores do desenvolvimento social.

Para Schultz (1973), o investimento em capital humano deve, no entanto, ser considerado como sendo diferente de consumo, tanto em seus atributos quantitativos como qualitativos. Há, portanto, uma certa dificuldade de medição deste tipo de capital já que algumas atividades podem ser destacadas como provedoras das capacidades humanas, como, por exemplo, os serviços de saúde que se relacionam com a expectativa de vida e bem-estar da população.

Conforme Saul (2004), deve-se também ressaltar o papel da educação formal e nisso inclui-se a atenção em seus diferentes níveis como educação de jovens e adultos, não organizados por empresas, programas de extensão como no ensino agrícola. Para Schultz, foi crucial também compreender o processo de migração dos indivíduos e de suas famílias na busca de novas oportunidades de emprego e renda. Ainda de acordo com Saul (2004), os estudos de capital humano foram constantes nos Estados Unidos na década de 1960, onde além de Schultz, outro autor - Mark Blaug (1968) destacou uma mudança significativa nos estudos sobre crescimento econômico e na área da economia ortodoxa para o estudo da economia da educação.

Para Blaug (1985), a teoria estava numa situação crítica por não oferecer uma explicação sobre a demanda privada de educação e por não examinar as formas de financiamento da educação, não considerando, portanto, a propriedade pública das escolas e universidades e nem mesmo o papel da aprendizagem gratuita por meio da prática. A isso significa desprezar os estímulos dos mercados internos de trabalho, além de não oferecer cálculos significativos nas taxas de rendimento entre os diferentes tipos de investimento na formação de capital humano. Além disso, Blaug conseguiu fazer a conexão entre os fenômenos tradicionais como a correlação descoberta entre a educação e os rendimentos em idades concretas, mostrando que esses são resultantes de decisões individuais. Desse modo, a formação do capital humano deve ser composta no que se refere às decisões dos indivíduos que atuam na defesa de seus próprios interesses.

As pesquisas de Loren Baritz (1961) se destacaram por buscar entender o papel dos intelectuais nas atividades produtivas e principalmente na sociedade americana como se articulavam as situações entre empresas e universidades. Dessa forma, a busca por especialistas em questões de comportamento humano nas universidades foi uma possibilidade para uma mudança nas relações de trabalho na sociedade, destacando-se, assim, as áreas de

sociologia e psicologia. Segundo Gary Becker (1983), o capital humano seria um sinônimo de conhecimento técnico incluindo a educação como um caráter de investimento e como uma função estratégica na sociedade pós-industrial.

Assim, o conceito de capital humano emerge com uma contribuição de grande valia nas ciências sociais para compreender as questões políticas, e os procedimentos técnicos e econômicos. Para Schultz (1961, p.3), “Os trabalhadores tornaram-se capitalistas não em consequência da propriedade de ações das corporações, como o folklore o considerou, mas em virtude da aquisição de conhecimentos e capacidades que possuíam valor econômico”. O uso da expressão folklore nesta articulação se refere às mudanças da vida econômica com a expansão das sociedades anônimas e as questões vinculadas às tradições dos países. Os valores e as crenças inibem de considerar os humanos como bens de capital (com exceção em regimes de escravidão). Portanto, tratar os seres humanos como riqueza parece reduzi-los a meros componentes materiais.

O capital humano serve para viabilizar a racionalização da atividade produtiva, onde se incentiva uma maior competição entre os trabalhadores, modificando a qualidade do serviço e a adesão ao mercado de trabalho. O investimento no humano e em suas habilidades integra o indivíduo, sendo esse portador de seu capital, que não pode ser vendido. Isso, segundo Schultz (1961) colocou em destaque, ao que vem sendo desenvolvido como sociedade de serviços para uma sociedade do conhecimento.

Desse modo, os detentores do capital humano são os próprios agentes, visto que eles possuem habilidades e buscam conhecimento, sendo que isso normalmente tende a ter uma relação direta com o aumento de renda quando a educação é colocada como prioridade para combater índices de desigualdades sociais e alcançar a qualidade de vida.

Para Griliches (1960), outro estudioso que se destacou por seus estudos sobre a tecnologia e o capital humano, este debate sobre a melhoria no nível de educação dos indivíduos amplia as possibilidades que as pessoas entendam, assimilem e reproduzam o que aprenderam aos outros integrantes das redes como uma forma de difusão de conhecimento.

Por meio da Teoria do Capital Humano, coloca-se em evidência nessa análise que a educação tem influência determinante no aumento de renda, sobretudo, pelos aprendizados institucionais que são contínuos durante todo o envolvimento dos agentes nas arenas de ação (SCHULTZ, 1967). Neste sentido, as noções de capital social e humano oferecem um melhor entendimento sobre as relações entre os agentes e os processos de aprendizado, constituindo- se assim como um instrumental teórico interessante à análise institucional de organização dos

indivíduos e, neste caso, da relação sociedade-ambiente com a prestação de serviços ambientais como pode ser considerado o TBC.

Por isso, nesta pesquisa científica com foco na ação coletiva dos jovens, incluiu-se a questão da conservação do patrimônio natural e cultural, já que, como exposto anteriormente, compreende-se o turismo como um bem ou serviço compartilhado que oportuniza não somente a renda, mas também consolida inovação. A inovação que pode ser observada, seja com o processo de envolvimento na autogestão desta atividade pelas comunidades, ou por meio das necessidades de aperfeiçoamentos técnicos exigidos para lidar com a abertura turística de suas comunidades e/ou pela ressignificação de valores e na disseminação de aprendizados mútuos entre visitantes e turistas no ato da experiência turística. Nesse sentido, optou-se pela separação dos atributos do tourism commons por meio do patrimônio cultural e natural, mesmo que na prática seja difícil distinguir um patrimônio do outro.

2.5 OS ATRIBUTOS CULTURAIS E ECOLÓGICOS DO TOURISM COMMONS: O