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DELINEAMENTO, ORIGEM DO PROBLEMA E PERCURSOS METODOLÓGICOS

1.7. A abordagem, o percurso metodológico e os sujeitos da pesquisa

1.7.1. A abordagem metodológica

A pesquisa se insere nos procedimentos de pesquisa qualitativa, porque buscamos ex- plorar diversas questões da vida das professoras e professores pesquisadas/os, identificando o sentido dos seus tempos cotidianos fora da escola, tanto das ações individuais como coletivas. Além disso, buscamos nos familiarizar com os sujeitos e suas preocupações, seus sentimentos vivenciados no cotidiano, mesmo porque também são nossos, já que fazemos parte da mesma rede de ensino e residimos na mesma cidade. Não se trata de uma mera descrição minuciosa do cotidiano, das ações e dos fenômenos observáveis, mas de uma ação interpretada e refleti- da junto com os sujeitos, conforme sugerem Jean-Pierre Deslauriers e Mechéle Kérisit (2008).

55 Optamos por realizar uma pesquisa de natureza socioantropológica, que levasse em consideração a prática dos sujeitos situados em lugares, estruturas e processos sócio-históricos dotados de sentidos, interesses e intenções. Trata-se de uma tessitura de dois elementos: o primeiro diz respeito à natureza do problema – sejam quais forem os propósitos da investiga- ção, a natureza do objeto está diretamente ligada à vida social, às estruturas e processos dos indivíduos e suas ações; o segundo supõe vínculos sociais e vivências intersubjetivas, trans- corridos nos encontros, nas relações sociais, conforme Inês Teixeira (2011).

O primeiro desafio foi a construção e delimitação do objeto, de modo que ele emergis- se da realidade social dos sujeitos e se transformasse em uma questão sociológica, momento em que foi necessário tecer uma série de questionamentos sistemáticos, para assegurar a trans- ferência das questões reais, dos problemas sociais concretos, para o problema sociológico, inserindo nele diferentes clivagens sociais e categorias teórico-analíticas.

O ponto de partida para a construção do objeto foi o exercício reflexivo acerca da ex- periência cotidiana do tempo, desde a infância, a partir da integração nos grupos de socializa- ção, depois articulando essa experiência em sociabilidades distintas, aprendendo a lidar com os cômputos temporais e com as exigências externas acerca do cumprimento do tempo, e por fim os sentimentos acerca dessa configuração temporal, da construção de outros tempos, e a tomada de consciência de que o tempo é uma construção social carregada de subjetivação, sentidos e valores. A nossa experiência enquanto docente também contribuiu profundamente na delimitação do problema, pois vivenciamos os mesmos desafios que as/os colegas de pro- fissão, ao conciliar os tempos de trabalho docente com os tempos de família, os tempos de formação acadêmico-profissional, dentre outros.

Outro elemento importante foi a leitura e análise de trabalhos desenvolvidos por outros pesquisadores, sobre a temática, a confrontação de teorias utilizadas por eles e aquelas esco- lhidas por nós, no momento de assentamento do problema de pesquisa. Os trabalhos consulta- dos possibilitaram um contato com novas referências bibliográficas, definiram a linha investi- gativa que desejávamos seguir, bem como nos ajudaram a concluir que o objeto da pesquisa era comum e diferente ao mesmo tempo, porque se tratava de uma pesquisa sobre os tempos cotidianos docentes, mas com um diferencial, investigar especificamente os tempos livres fora da escola, onde se buscava encontrar os desafios e tensões enfrentados pelos sujeitos no pro- cesso de articulação das suas temporalidades, construindo, dessa forma, um objeto inédito.

O problema de pesquisa foi construído gradativamente, elaborado e reelaborado, fo- mos incorporando ao objeto questões analíticas que iam surgindo após as leituras, as conver-

56 sas nos encontros de orientação individual e coletiva, os debates em aulas, minicursos13 e e- ventos, bem como no período em que estávamos no campo. Desse modo, o objeto foi consti- tuído tanto a partir das leituras, quanto das “informações colhidas, exploradas, traduzidas e reconstituídas”, como sugerem Jean-Pierre Deslauriers e Mechéle Kérisit (2008, p. 27).

Durante toda a pesquisa buscamos conhecer e analisar a literatura publicada sobre pesquisas realizadas até o momento, cujo objetivo foi identificar conceitos básicos, autores com trabalhos semelhantes, diferentes e precursores ao nosso, bem como explicitar o contexto teórico e o estado de conhecimento empírico no qual o problema se insere14. Sendo assim, a pesquisa bibliográfica não se limitou apenas ao início da pesquisa, mas antes e durante, pois o seu papel é de suma importância ao longo de todo o estudo. Ao continuar as leituras em fun-

13 Dentre os minicursos, destacamos dois: sobre a relação com o conhecimento nas ciências sociais na atualida-

de, com Hugo Zemelman, em 2010, e sobre a Sociologia da Individuação, com Danilo Martucceli, em 2012. 14

Como procedimento para levantamento de pesquisas sobre o nosso objeto, fizemos uma investigação no ban- co de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, em periódicos nacionais e internacionais, livros, sites de eventos, dentre outros. A busca foi realizada a partir da inserção de cinco descri- tores: tempo e docência; tempos de professores/as; tempos livres de professores/as; tempos livres; tempos cotidi- anos docentes. A primeira consulta foi realizada no Banco de Teses da CAPES, onde foram consultados 746 trabalhos, sendo 636 dissertações e 110 teses. Inicialmente foi realizada a leitura dos resumos de cada trabalho. Desses trabalhos, 33 se aproximavam da nossa pesquisa, porque discutiam tempos de professores e professoras, contudo no espaço escolar. A segunda etapa foi a leitura do texto, na íntegra, a fim de selecionarmos os trabalhos que contribuiriam com nossa investigação. Obedecemos aos seguintes critérios de inclusão: o trabalho deveria discutir o tema da pesquisa, a partir de uma concepção sociológica do tempo (logo, todos aqueles que o discuti- am em outra perspectiva teórica, foram excluídos); o núcleo do objeto deveria ser os tempos de professoras e dos professores, portanto os trabalhos que tratavam de tempos de alunos, de coordenadores pedagógicos ou em rela- ção à organização do trabalho escolar também foram excluídos; ainda no núcleo do objeto, deveria tratar dos tempos livres fora da escola (dessa maneira, os trabalhos que discutiam trabalho escolar, tempo livre na escola, também foram dispensados). Dentre esses apenas 02 contribuíram mais diretamente com a nossa pesquisa: A tese de doutorado da professora Inês Assunção de Castro Teixeira, intitulada Tempos Enredados: teias da condi- ção docente, defendida no ano de 1998, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, a qual discute e analisa a experiência do tempo de professoras/es que atuam no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, buscando investigar as processualidades históricas da construção do tempo na vida desse indivíduos, na condição de professor. A dissertação de mestrado intitulada As opções do tempo livre dos professores e profes- soras e a sua relação com a prática docente, da professora Ruth Pavan, defendida no ano de 1999, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em seguida, começamos a analisar as publicações nos periódicos brasileiros e estrangeiros, na biblioteca eletrônica Scientific Electronic Library

Online – SCIELO. Tivemos muitas dificuldades em encontrar trabalhos disponíveis entre 1990 e 2000, porque

alguns periódicos só integraram a plataforma SCIELO a partir de 2000. Sendo assim, selecionamos algumas revistas da área das ciências humanas e sociais, tanto para abri-las em seus próprios sites, quanto para consultar os números mais antigos nas bibliotecas da Faculdade de Educação – FAE e da Faculdade de Filosofia e Ciên- cias Humanas – FAFICH/UFMG. Dessa maneira, conseguimos acessar 28 artigos, dos quais selecionamos 10, para estudo e análise, utilizando os mesmos critérios citados acima. Quanto às revistas estrangeiras, tivemos acesso a 04 revistas de Portugal, 12 da Espanha, 02 do México e 02 da Argentina, onde encontramos 45 artigos, dos quais selecionamos 16 produções, sendo a maioria da Espanha. Analisamos também as publicações em anais de eventos em educação, a saber: Red Latinoamericana de Estudios sobre Trabajo Docente (REDESTRADO), Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), Congresso Português de Sociologia (CPS), onde encontra- mos 12 trabalhos publicados, dos quais selecionamos 08 que se aproximavam do objeto dessa pesquisa. Para realizar a análise dos artigos e pesquisas publicados, também obedecemos aos critérios de inclusão e exclusão, descritos anteriormente. Os trabalhos encontrados nesse estado da questão não se encontram em uma seção espe- cifica da tese, optamos por utilizá-los na discussão teórico-analítica, ao longo de toda a tese.

57 ção do movimento do nosso objeto, exploramos caminhos diversos, ao mesmo tempo em que, ao analisar cada um deles, pudemos delimitar categorias provisórias de análise e encontrar pistas para interpretação, como nos asseguram Jean-Pierre Deslauriers e Mechéle Kérisit (2008). A pesquisa bibliográfica foi de suma importância, porque nos colocou em contato com outros pesquisadores que escreveram sobre o objeto, para, a partir da sua produção, ver mais além, retirar do objeto em questão aquilo que já foi defendido e acrescentar questões que ainda estão por investigar, além de também contribuir com a indicação de novas referencias bibliográficas acerca da temática.