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Contexto sócio-histórico da pesquisa: Porto Seguro, a Região, a Educação Básica

DELINEAMENTO, ORIGEM DO PROBLEMA E PERCURSOS METODOLÓGICOS

1.6. Contexto sócio-histórico da pesquisa: Porto Seguro, a Região, a Educação Básica

O projeto de modernidade e de desenvolvimento da Bahia, além de tardio e inconclu- so, concentrou-se nos grandes centros urbanos, em pequenas porções, somente nas cidades que apresentavam maior poder econômico, a saber: Salvador e Feira de Santana, no Recônca- vo Baiano; Valença, na Região do Dendê; Ilhéus, Itabuna e Canavieiras, na Região Cacaueira; Vitória da Conquista, no Sudoeste Baiano; e o complexo de cidades da Chapada Diamantina. Enquanto isso os demais municípios viviam muito distantes do desenvolvimento (Claudia VASCONCELOS, 2008). Entre essas cidades abandonadas, estava Porto Seguro, localizada no extremo sul da Bahia, com uma área de 2.408,37 quilômetros quadrados e com grande potencial natural. Suas praias, ainda virgens na época, não encheram os olhos dos governantes baianos, devido às péssimas condições de acesso – de barco ou por trilhas desbravadas pelos nativos –, bem como porque os projetos de desenvolvimento econômico da época não viam Porto Seguro como um mercado promissor.

Enquanto isso, um fôlego desenvolvimentista tomava conta das regiões supracitadas, principalmente na década de 1950, impulsionado pela conjuntura política e cultural então vi- gente no país. Nessa época também surgiram correntes de pensamento que almejavam traçar caminhos distintos para a superação dos problemas sociais e do atraso econômico brasileiro – questões fulcrais, especialmente nas décadas de 1950 e 1960. Houve intensos processos de industrialização e urbanização, e Salvador passou a experimentar um período de efervescência desenvolvimentista. Conservava o seu patrimônio histórico tradicional, mas ao mesmo tempo

47 suspendia prédios gigantescos e estruturas modernas monumentais, conforme Claudia Vas- concelos (2008).

Essas transformações repercutiram de forma incisiva nas práticas culturais, e a menta- lidade do desenvolvimento atingia um segmento expressivo da sociedade baiana, contudo, no interior do estado, Porto Seguro seguia abandonada até a década de 1970, quando se inicia a construção da BR 101, pois não havia acesso rodoviário para circulação de veículos de grande porte. Desse modo, até meados do século XX, a cidade permaneceu como um povoado de pescadores, criadores de animais, agricultores e madeireiros que tinham acesso exclusivo à cidade, pelo mar, (Romeu FONTANA, 2001).

Na segunda metade da década de 1960, antes mesmo da rodovia, a cidade recebeu os seus primeiros turistas, os hippies, que “redescobrem” Porto Seguro, fazendo das suas praias e vilas paradisíacas da época, lugar de veraneio, bem como de residência. Dai então a cidade passou a atrair outros visitantes do Brasil e do mundo, principalmente devido aos 80 km de praias que contornam o município, além de se distanciar da repressiva e autoritária ditadura militar que assolava o Brasil. Porto Seguro tornou-se o roteiro preferido de pessoas que queri- am fugir dos grandes centros, e muitas delas decidiram permanecer na cidade, iniciando, as- sim, a construção de uma população híbrida, formada por pessoas nativas, estrangeiros, baia- nos de cidades distintas, trabalhadoras/es e investidoras/es do sul e sudeste brasileiros, segun- do Romeu Fontana (2001).

A construção da BR 101, na década de 1970, por sua vez proporcionou a Porto Seguro a condição de se tornar um dos polos turísticos mais visitados do Brasil. Nessa época a região continua a contar com uma base econômica assentada exclusivamente na exploração das ati- vidades madeireiras e pesqueiras, mas já se iniciavam as primeiras inserções turísticas. Mes- mo sem possuir uma razoável estrutura receptiva em funcionamento, a cidade passou a rece- ber milhares de visitantes do mundo inteiro (Ubaldo FILHO, 1976). Nesse período, sua estru- tura colonial permanecia intacta e não oferecia nenhum recurso básico de saneamento. Inclu- sive, até início da década de 1980, a iluminação da cidade era a motor, e as ruas eram de chão batido ou muçurunga8.

Segundo o historiador Romeu Fontana (2000), na primeira metade dos anos 1970, na efervescência da inauguração da BR 101, instituiu-se a primeira programação turística para o verão, com festas nas praças, shows de artistas renomados de Salvador e de outras cidades brasileiras, e por fim a grande festa de carnaval. Podemos considerar que essa programação

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Nos dias de hoje é possível encontrar ruas de muçurunga na Vila de Caraíva, lugar onde, por determinação da

48 inicial foi o ponto de partida para que os holofotes do Brasil e do mundo se voltassem para a cidade. Na expressão do autor, a cidade passou de aldeia de pescador, para aldeia global.

A inauguração do trecho rodoviário da BR 101, que ligou a cidade de Porto Seguro à capital baiana, dentre outras cidades, abriu as portas para a atividade turística, propiciando um desenvolvimento nunca dantes esperado. O município baiano que vivia isolado, sobrevivendo da pesca, da agricultura de subsistência, passaria, num espaço de 20 anos, a ser o segundo maior polo turístico do estado da Bahia, conforme Cristina Araújo (2005).

No final da década de 1980, quando começa uma corrida mercantil voltada para a ex- ploração das cidades com potencial turístico, para o desenvolvimento de centros comerciais do agronegócio, o turismo consolidou-se como atividade econômica da Costa do Descobri- mento. Assim, inicia-se o processo de urbanização de Porto Seguro, com uma intensa trans- formação da cidade: construção de prédios, hotéis, restaurantes, bares, lojas, shoppings, cen- tros de lazer, barracas de praia, centros de cultura, dentre outros.

Nos anos 1990, a cidade já era um dos maiores centros de lazer e entretenimento do Brasil, e recebia, em média, cerca de 500 mil turistas por ano. Porto Seguro se transformou no point do lazer nacional, e em 1991, de acordo com dados do IBGE9, moravam na cidade pou- co mais de 34 mil habitantes. Em 1995, já passavam dos 60 mil. No início dos anos 2002, a população já beirava os 100 mil. Atualmente, a população é de aproximadamente 146 mil habitantes, conforme tabela e gráfico a seguir:

Gráfico 01: População de Porto Seguro – 1991-2013

*Estimativa

Fonte: IBGE Cidades

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49 Podemos observar no gráfico e tabela acima, que até o ano 2000, enquanto o cresci- mento acumulado da população na Bahia foi de 10,1%, e no Brasil de 15,6%, em Porto Segu- ro foi de 176,16%. Com o passar dos anos, a população não parou de crescer. Em 2013, regis- trou-se o crescimento acumulado de 306,8%, enquanto o Estado da Bahia apresentava um crescimento acumulado de 26,7%, e o Brasil de 36,9%.

O processo de migração relaciona-se ao fato de que algumas lideranças políticas, por interesses eleitoreiros, espalharam aos quatro cantos da região, a notícia de que em Porto Se- guro havia terrenos e emprego para todos. Além de tentadora, a informação se difundiu em meio à maior crise ocorrida na região cacaueira10. Nos fins da década de 80 a vassoura-de- bruxa quase dizimou a cultura do cacau na Região Sul da Bahia, fator que, inevitavelmente, impulsionou o processo migratório ocorrido em Porto Seguro. Atualmente, os arredores da cidade se transformam em núcleos residenciais com diversos bairros populares e periféricos gigantescos, situados em lugares estratégicos, fora do centro da cidade, escondidos dos olhos dos visitantes.

Atualmente, a cidade é o segundo polo turístico e de entretenimento do Brasil e a ter- ceira maior rede hoteleira do país, com aproximadamente 37 mil leitos em hotéis e pousadas, ficando atrás apenas das redes hoteleiras do Rio de Janeiro e Salvador, segundo a Empresa de Turismo da Bahia S. A. – BAHIATURSA (2013). Porto Seguro está entre os roteiros mais procurados da Bahia. De um lado, mostra-se ao turista como vila organizada e acolhedora; de outro, esconde uma periferia com população estimada em mais de 90 mil habitantes.

Em decorrência desse processo, vários problemas sociais, políticos e estruturais foram se constituindo ao longo das duas últimas décadas dos anos 2000: o crescimento desordenado; desemprego na baixa temporada turística; índice de desenvolvimento humano municipal igual a 0,676 (vigésimo quinto no ranking estadual); incidência da pobreza igual a 52,17% (IBGE, 2012), dentre outros. Esses dados permitem concluir que o processo de desenvolvimento da cidade veio acompanhado de mazelas que estão longe de serem resolvidas. Tudo isso ao lado da concentração de riquezas nas mãos de um grupo restrito de investidores de outros estados e países.

De outra parte, dentre as principais cidades do sul e extremo sul baiano, Porto Seguro é a cidade mais violenta, com registro de 105 homicídios para cada 100 mil habitantes, pro-

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A "vassoura-de-bruxa", a mais destrutiva doença do cacaueiro, contribuiu fortemente com a derrocada da

cacauicultura e da economia regional, a partir de 1989, o que provocou grandes impactos econômicos e sociais negativos para a região Sul da Bahia.

50 blema que merece investigação, permanecendo no ranking de 1º lugar há uma década, con- forme gráfico abaixo:

Gráfico 02: Número de Homicídio para 100.000 habitantes

Fonte: Mapa da Violência: Homicídios e Juventude no Brasil – 2013

No âmbito da educação, o que se observa é que o processo migratório, além de outros fatores, exigiu mudanças urgentes em toda a configuração das redes municipal e estadual de ensino. Além disso, entre o final dos anos 1990 e 2010, a quantidade de escolas existentes e as recém-construídas não davam conta da quantidade de matricula. Desse modo, para dirimir o problema, a prefeitura municipal passou a alugar salas de aula, mas a situação dessas salas era deplorável, muitas residências foram transformadas nas chamadas “escolinhas” alugadas para a prefeitura, enquanto docentes e discentes sofriam nas salas superlotadas.

Mesmo com o aluguel dessas salas de aula, não foi possível suprir a necessidade, então se iniciou um processo de funcionamento das escolas em sistema de rodizio, ou seja, as esco- las funcionavam em quatro turnos diários11, alterando os ritmos temporais das/dos alunas/os, das/os docentes e consequentemente das famílias. Sem falar na correria de professoras e pro- fessores entre uma escola e outra, que funcionavam sem intervalos entre os turnos. Não havia como descansar, respirar, pois os turnos emendavam-se.

11 As escolas municipais funcionavam com um turno matutino, de 07 às 11 horas; outro turno intermediário, de

11 às 15 horas; o vespertino, de 15 às 19 horas e o noturno, das 19 às 22h. Esse sistema iniciou em 1998 e perdu- ra até hoje, atualmente em uma escola apenas.

51 A partir do final dos anos 1990, o número de discentes matriculados nas redes munici- pal, estadual e privada aumentou exorbitantemente, acompanhando o crescimento populacio- nal, conforme tabela abaixo:

Tabela 01: Número de alunas/os matriculadas/os - 1997 - 2003

ANO

REDES DE ENSINO

Municipal Estadual Particular Total

1997 12.703 2.100 ---- 14.803

1999 22.728 2.943 2.208 27.879

2001 52.619 5.214 3.780 61.613

2003 50.771 8.546 3.010 62.327

Fonte: INEP

O crescimento acelerado e desordenado da rede de ensino entre 1997 e 2003 alterou profundamente as relações e condições de trabalho, iniciou-se uma corrida de docentes para assumir 40h, 60h e até 80h semanais, por causa da falta constante de professoras e professores e consequentemente para aumentar os seus rendimentos, dentre outros aspectos. De outra par- te, a qualidade da educação foi comprometida, além das tensões e conflitos que de desencade- aram no interior das escolas, devido à superlotação de salas, péssimas condições de trabalho, aspectos que contribuíram para migração de vários discentes para escolas particulares.

Ademais, o crescimento da população escolar desencadeou uma procura incessante por professoras e professores, pois na cidade não havia docentes suficientes, devido à falta de instituição de formação dessas/es profissionais, bem como de salários que atraíssem as/os docentes para a cidade12. Até o final da década de 1990, existia apenas o Normal Médio – antigo Curso de Magistério – para formar docentes. Havia poucas pessoas com nível superior, o que impulsionou a Secretaria Municipal de Educação a colocar anúncio em jornal, para cap- tar profissionais de outras cidades. Muitos chegavam, poucos ficavam, pois pagar aluguel, se alimentar, deslocar-se para as escolas na periferia dos distritos e do campo era muito dispen- dioso, e o salário oferecido não cobria as despesas. A falta de profissionais para atuar na do- cência era tanta que houve um tempo em que o município e o estado contrataram bacharéis de qualquer área, para ministrar aulas, sem nenhuma experiência docente. Houve até concurso público que absorvia esses bacharéis, com a condição de que, uma vez efetivados, eles fizes- sem uma complementação pedagógica no prazo máximo de três anos. Além desses, era co-

52 mum outras pessoas com qualquer formação de nível médio ministrar aulas, sem falar das/os professoras/es leigos que atuavam no campo e nos territórios indígenas.

Esse quadro só começou a mudar a partir do ano 2000, quando foi construída, a 45 km de Porto Seguro, a primeira faculdade particular que oferecia o curso de Pedagogia. Em 2003 a prefeitura assinou um convênio com a Universidade Estadual de Santa Cruz, e 50 professo- ras/es efetivas/os, sem formação superior, graduaram-se no curso supracitado. Também em 2003 foi inaugurado o Instituto de Educação Superior Nossa Senhora de Lourdes, uma institu- ição privada que tinha como objetivo formar professoras/es de Língua Portuguesa e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especialmente através do curso Normal Superior.

Na rede pública, podemos observar no gráfico abaixo, que houve um decréscimo no ano de 2007, no Ensino Fundamental. Contudo, nos últimos anos, o número de docentes con- tinuou aumentando. No Ensino Médio e na Educação Infantil houve um progressivo aumento do número de docentes de um ano para o outro, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 03: Número de docentes na Rede Pública de Ensino – 2005 a 2012

Fonte: INEP

Já na rede particular de ensino, podemos constatar que entre os anos 2005 e 2009 ha- via um número estável de professoras/es, e em 2012 houve um aumento considerável do nú- mero de docentes atuando nas escolas privadas, conforme gráfico abaixo:

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Gráfico 04: Número de docentes na Rede Particular de Ensino – 2005-2012

Fonte: INEP