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Compartilhamento do trabalho doméstico em casa

NOS TEMPOS COTIDIANOS DOCENTES: O ESPECTRO DO TEMPO LIVRE

Grafico 30: Prática religiosas/Periodo semanal – por sexo

3.1. Trabalhos da docência realizados fora da escola

3.2.2. Compartilhamento do trabalho doméstico em casa

Quanto ao compartilhamento do trabalho doméstico no interior da casa e nos proces- sos administrativos que o envolvem, procuramos saber como isso ocorre nos tempos cotidia- nos docentes. Nesse sentido, obtivemos os resultados expostos no gráfico abaixo:

Gráfico 38: Compartilhamento dos trabalhos domésticos em casa - por sexo

As respostas dos professores em relação ao compartilhamento dos trabalhos domésti- cos sempre fazem referência à esposa e a filhas/os, todavia cabe inferir que, certamente, é o contrário, as mulheres fazem todo o trabalho, e eles apenas as auxiliam, como elas e eles cos- tumam dizer. Já as mulheres, especificamente 30% delas, dizem receber auxílio das/dos fi- lhas/os, dos maridos, de uma diarista, da mãe e da sogra, mas 85% delas dizem receber auxí-

lio das/dos filhas/os, mães e sogras, construindo uma rede de sustentação para manter a dinâ-

170 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD (2012) também sinalizou que as filhas mais velhas cuidam dos irmãos menores, e que as mulheres acima de 10 anos de idade são responsáveis integral ou parcialmente pelos trabalhos domésticos, sendo iniciadas desde cedo nesse tipo de atividade. Outra informação importante é que, independen- te da condição da família, as mulheres dedicam um número de horas mais elevado do que os homens, para o trabalho doméstico, alcançando um percentual de 96% nos domicílios pesqui- sados.

As mães e as sogras das professoras também ficam com as/os netas/os, enquanto suas filhas e noras trabalham. Algumas mães passam a morar com as filhas, como ocorreu com a professora Alice, que trabalha 40 horas, gosta muito de se divertir, e isso só é possível porque sua mãe mora em sua casa e a ajuda a cuidar da casa e dos dois filhos.

O meu tempo, eu acho que seria mais corrido, assim, com mais atribuições, se minha mãe não estivesse comigo, que eu passo por esses dois períodos: com ela e sem ela. Por exemplo, ela vai viajar agora em maio, vai ficar um mês fora, aí eu sei que algumas coisas eu vou ter que (pensa) cortar. Não, porque eu não corto, mas pelo menos diminuir, cortar eu não corto. Mas eu vou ter que diminuir em algumas questões: sair, praia, noite, etc. (Professora Alice, Grupo Focal nº. 4, em 14 de maio de 2013).

Dentre os relatos das professoras, um deles nos chamou a atenção: a professora Luz trabalha 60 horas e ainda dá aulas particulares nos tempos livres. Como o seu esposo está de- sempregado, ele assume o trabalho da casa e o cuidado com o filho, conforme ela relata:

Minha segunda família é formada por mim, meu marido e meu filho, de 4 anos. Eles não são apenas minha vida, mas também a minha responsabilida- de: meu marido cuida da casa, do nosso filho e organiza as coisas para as quais não tenho tempo, como pagamento de contas, problemas em banco, etc. Eu sou a provedora, a responsável pela manutenção financeira da família (Mensagem pela internet, da professora Luz, p. 2, em 20 de fevereiro de 2013).

Podemos inferir que a professora não tem condições de fazer o trabalho doméstico, devido a sua jornada de trabalho. Assim, em outro momento ela revela que paga uma diarista uma vez por semana, para fazer faxina e lavar a roupa. Desse modo, seu esposo apenas faz a manutenção durante a semana: cozinha, lava os pratos, limpa a casa e realiza os trabalhos ad- ministrativos em bancos e comércio. Em um dos seus relatos ela também diz que no domingo assume os trabalhos da casa, pois é como se fosse uma folga para seu esposo. Vale ressaltar que, se forem computadas as suas horas de trabalho fora de casa, com o trabalho da docência

171 em casa e as aulas extras para complementar a renda, a professora trabalha muito mais que o seu marido, contudo ainda se vê na obrigação de fazer o trabalho doméstico no final de sema- na. Se pensarmos do ponto de vista de uma divisão equânime do trabalho entre os dois, cada um está desenvolvendo sua parte, não se trata de uma inversão de papéis, mas de uma condi- ção que pode ser temporária ou permanente. Todavia, poderíamos indagar: Se a situação fosse inversa, se fosse o homem que trabalhasse fora e a mulher na casa, diariamente, ele faria o trabalho doméstico nos finais de semana, para o descanso da companheira?

Pensando na condição das mulheres, a situação torna-se muito mais difícil, afinal de contas recai sobre elas a maior parte do trabalho doméstico e o cuidado das/os filhas/os (senão todo ele). Desse modo, elas ficam sobrecarregadas durante todo o ano letivo, tensas, preocu- padas e, em muitos casos, doentes.

Diferentemente das mulheres de outras profissões, as docentes possuem quádruplas jornadas, ou seja, as duas jornadas escolares, a jornada do trabalho escolar fora da escola e a jornada de trabalho doméstico. E se as mulheres trabalham 60h, essa realidade se torna ainda mais complexa.

Conversando com os professores Xavier, Flavio, Edy e Jorge, sobre os jogos dos quais costumam participar nos finais de semana, uma manhã que dedicam a “bater uma bola”, “al- moçar e conversar com os amigos”, “beber e fazer resenha”, como eles mesmos explicam esses momentos, falávamos sobre o que mudaria se eles fossem professoras, ao invés de pro- fessores. Vejamos o diálogo abaixo:

Pesquisador: E se vocês fossem professoras, vocês teriam esse tempo, esse

momento em uma manhã ou tarde de sábado? Qual a opinião de vocês quan- to a isso?

Professor Flavio: Eu penso que não, porque o papel da mulher tá mudando,

mas não mudou ainda totalmente, a mulher ainda cumpre com suas obriga- ções domésticas, e os homens deveriam mudar isso também. Elas no final de semana praticamente não constituem uma folga, elas têm que lavar a roupa da semana, têm que fazer a faxina da casa, têm que cuidar dos filhos, têm que ver se tem alguma pendência que ela não pode resolver na semana, no final de semana. Então ela trabalha muito mais nesses dois dias, do que nos dias que ela tá na escola.

Professor Edy: Mulher tem que fazer almoço, cuidar da casa, cuidar dos fi-

lhos.

Professor Jorge: Com relação a minha esposa, realmente o que Flávio tá fa-

lando ai é verídico. Por exemplo, eu tô brincando de bola aqui, eu liguei pra minha esposa avisando que eu iria ficar aqui, que ia ter um churrasco, e tal. Vou ficar aqui com os amigos, e ela está em casa, tá cuidando dela e do me-

172 nino, das coisas. Com relação às atividades de casa, por exemplo, o tempo que eu chego em casa, ela ainda tá trabalhando e meu filho tá na escola. Aí eu ajudo, eu lavo prato, eu varro a casa pra ela, mas não se compara de ne- nhuma forma a tudo que ela faz, maior parte do trabalho doméstico fica a cargo da mulher. Dependendo do esposo, pode ter uma cobrança ainda mai- or, tem esposo que não gosta que a mulher saia, não ande com as colegas, claro que tá mudando isso, né? Foi o que Flávio falou, mas ainda existe, não é o meu caso, porque se minha esposa quiser, ela sai, eu fico com meu filho. Ela sai, ela pode sair com as colegas, com as irmãs, eu fico perfeitamente, porque eu sei que ela também precisa disso, entendeu? Mas não se compara ao homem, geralmente a carga maior de trabalho dentro de casa fica a cargo da mulher, não tem jeito, pode ter daqui pra frente, né? (GRIFOS NOSSOS)

Professor Edy: Lá em casa, tomando como exemplo lá em casa, às vezes eu

até tento ajudar de alguma forma, mas é muito pouco, às vezes eu levanto e já coloco a água do café no fogo, já pra ganhar tempo, às vezes quando eu não tô muito (pausa). É normal isso acontecer, eu sempre faço alguma coisa em casa, eu lavo os pratos, mas uma vez ou outra. Assim, eu tento adiantar o feijão, cozinhar um arroz, fritar uma carne, às vezes ela já fez, aí eu esquen- to, até pra poupar mais, mas é dentro de uma proporção muito pequena. É incrível como as mulheres conseguem fazer isso como elas fazem, porque eu acho muito difícil: cuidar de casa, trabalhar fora, cuidar de filho, cuidar da gente.

Professor Xavier: é que geralmente a gente fica em casa olhando a mulher

fazer as coisas, não sei como que elas conseguem fazer tudo, né? Também, dar conta daquilo ali, e ainda sair pra trabalhar fora, porque não é pouco não, viu, desde quando levanta pra tá cuidando das pessoas, né? Lá em casa mesmo, ela acorda de manhã, faz um café pra eu tomar, quando eu chego tá naquela batalha. Então é melhor nem imaginar estar no lugar delas (risos) nossa! (Grupo Focal 01, p. 10-11, 30 de abril de 2013).

O diálogo acima demonstra que os próprios professores assumem que há uma diferen- ça nos usos e distribuição dos tempos entre homens e mulheres. Nessa direção, Tereza Torns (2002) evidencia que os tempos de trabalho, na experiência dos tempos cotidianos, são distin- tos entre homens e mulheres, como também apontam para uma nova dimensão da desigualda- de de gênero, ou seja, os usos desiguais dos tempos.

Ainda segundo a autora, o trabalho reprodutivo se move em uma lógica sincrônica, a qual é difícil de mensurar ou precisar sem a percepção subjetiva da experiência vivida pelos indivíduos. É algo intrínseco do cotidiano mais feminino, com uma descontinuidade indescri- tível. Desse modo, as tensões em torno dos usos dos tempos para o trabalho reprodutivo, no caso das professoras, ocorrem devido a sua vinculação aos tempos de trabalho produtivo e à sobrecarga de tarefas que esse demanda para casa. O problema não são os tempos de trabalho doméstico em si, mas a conciliação desses tempos com outros.

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