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DELINEAMENTO, ORIGEM DO PROBLEMA E PERCURSOS METODOLÓGICOS

1.3. Relação entre tempos de trabalho e tempos livres

1.3.1. As formas sociais do tempo livre

No início da industrialização, quando as jornadas de trabalho eram demasiadamente extensas e se realizavam em péssimas condições, a luta pelo tempo livre significava apenas uma reivindicação para obter tempos para o relaxamento e regeneração das energias laborais. Tanto o é que, inicialmente, o conceito de tempo livre aparece vinculado ao conceito de recri- ação e lazer, o qual diz respeito, sobretudo, à regeneração das forças gastas nos tempos de trabalho, à recriação das energias, para que o homem se sinta restabelecido para realizar novas tarefas, conforme Erich Weber (1969). Surge, então, a função regenerativa do tempo livre, que tem como finalidade recuperar as forças depois de uma jornada de trabalho, ou seja, o tempo do sono, do descanso, do livre entretenimento.

Nessa perspectiva, o tempo livre se reduz a uma mera pausa para recriação das energi- as, para o descanso, sem outro sentido que não fosse passar o tempo sem nada fazer, desvin- cular-se das atividades laborais, “matar o tempo”. Por isso, muitas autores usaram tempo li- vre como sinônimo de ócio, ou seja, tempos de contemplação, do nada fazer ou do fazer cria- tivo, atitude de desinteresse, carência de pretensão, um pensar em nada. Todavia, nem todas as atividades de tempo livre consistem em ócio, mas o ócio é uma parte dos tempos livres.

37 Com o avanço da industrialização, os tempos livres do trabalho passaram a ser objeto de especulação do mercado. Desse modo, iniciou-se uma corrida para ocupação dos tempos livres, por um conjunto de atividades já determinadas pelos negócios de tempo livre – via- gens, parques, entretenimentos eletrônicos, ampliação das atividades esportivas, dentre outras –, no intuito de compensar as/os trabalhadoras/es dos desgastes físicos e mentais decorrentes das jornadas laborais. Surge, então, a forma compensativa, que busca, especialmente no la- zer proporcionado pela indústria cultural, fora e dentro de casa (esportes, jogos, dentre ou- tros), uma compensação psíquica para as sequelas e tensões do trabalho. O lazer integra as atividades de tempo livre como um meio de satisfação das necessidades das pessoas, em qualquer nível cultural, uma vez que as libera das obrigações sociais impostas socialmente, conforme Erich Weber (1969).

Por fim, além do turbilhão de atividades de lazer e de outras práticas culturais que fo- ram gradativamente se inserindo nos tempo livres, outras obrigações cotidianas que ficaram de fora os foram devorando. Eis que surge a forma suspensiva, quando se executa, durante o tempo livre, um trabalho, sem a determinação exógena e sem a exigência profissional, ou seja, os trabalhos domésticos, o trabalho voluntário, aceitação de cargos em grupos religiosos, as- sociações, dentre outros, conforme Jurgen Habermas (1982) e Erich Weber (1969).

Ainda conforme Theodor Adorno (2009), o tempo livre depende da situação geral da sociedade e de suas bases culturais. Elas mantêm as pessoas sob um fascínio, sob certo encan- tamento, deixando-as subjetivamente convictas de que agem por sua própria vontade. Entre- tanto, essa vontade é modelada, seja pela indústria cultural, seja pelas necessidades impostas no cotidiano. Nesse sentido, ao invés do tempo livre proporcionar ao/à trabalhador/a situações que o/a fortalece ao retornar ao trabalho, são introduzidas em seu cotidiano formas de com- portamento próprias do labor, as quais não lhe dão folga. Assim, elas e eles acabam por conti- nuar a trabalhar no tempo destinado ao descanso e lazer, redefinindo a distinção entre trabalho e vida, propiciando um processo violento de expropriação.

De outra parte, considerando que as sociedades estão em constante processo de mu- dança, e que as temporalidades humanas são marcadas por rupturas e continuidades, conforme Norbert Elias e Eric Dunning (1992), não podemos compreender os tempos livres somente a partir da sua finalidade funcionalista. Elas são importantes para compreendermos que, em um dado momento histórico, e até hoje, muitos indivíduos buscam no tempo livre a recriação das energias laborais, a compensação psíquica do desgaste físico e mental provocado pelo traba- lho, contudo se deparam com a suspensão dos tempos livres, por obrigações profissionais e cotidianas. Desse modo, é inegável a relação do tempo livre com o trabalho, entretanto aquele

38 não está para este somente como válvula de escape, mesmo porque outros aspectos atraves- sam essa relação binária. Depois disso tudo, os autores asseguram que os tempos livres não estão apenas para pessoas que trabalham, mas para todos, pois se constituem como uma cons- trução pela necessidade humana, por isso cada sociedade produz suas atividades de tempo livre de acordo suas bases socioculturais, em cada época.

Em linhas gerais, o tempo livre é o conjunto de ocupações a que os indivíduos podem entregar-se com pleno consentimento, seja para descansar, divertir-se, desenvolver sua parti- cipação voluntária, seu autodesenvolvimento, através de formação e informação interessada ou desinteressada, depois de liberar-se das suas obrigações profissionais (Eric DUNNING e Norbert ELIAS, 1992).

Desse modo, se incluem no tempo livre os períodos dedicados ao trabalho privado e à gestão familiar: o cuidado de si, o cuidado da família e a provisão da casa, dentre outros. In- cluem-se, ainda, os momentos como: do repouso, de dormir, tricotar, das futilidades, do não fazer nada em particular. Também estão os momentos dedicados às necessidades fisiológicas: comer, beber, dormir, fazer sexo, dentre outras. E, ainda, várias formas de sociabilidade: ir a um clube, bar, restaurante, conversar livremente com vizinhos, dentre outras; as atividades miméticas ou jogo: atividades de lazer, seja como ator ou como espectador, dentre outras ati- vidades já determinadas, inventadas e recriadas pelos indivíduos na vida social, como um es- pectro de cores, que se espalha construindo novas formas (Norbert ELIAS e Eric DUNNING, 1992).

Em síntese, ressaltamos que as categorias teóricas escolhidas contribuíram profunda- mente para a investigação em pauta. De um lado as discussões sobre a expropriação e coopta- ção do tempo livre dos indivíduos, principalmente devido à suspensão dos tempos liberados do trabalho, decorrente da inserção de mais trabalho para sustentação do consumo instalado na sociedade contemporânea, bem como para expansão da indústria cultural e dos negócios de lazer, conforme Theodor Adorno (2009), Jurgen Habermas (1982; 1984; 1987) e Herbert Marcuse (1967), porque os sujeitos dessa pesquisa são, majoritariamente, trabalhadores efeti- vos do magistério público, logo vivem ocupados pelo trabalho assalariado, o qual comprome- te a maior parte dos seus tempos, além de outras obrigações cotidianas. De outra parte, supo- mos que esses indivíduos buscam, em algum momento de suas vidas, relaxar, descansar, bus- car tempos de lazer e outras práticas culturais, não apenas para regeneração das energias labo- rais e compensação das sequelas provocadas pelo trabalho, conforme Erich Weber (1969), mas também pela necessidade de viver tempos para si próprios, de tensões agradáveis, de ex- citação, de satisfação pessoal, por isso constroem, inventam, escolhem dentre as alternativas

39 apresentadas pela indústria cultural e negócios de lazer, transgridem as normas vigentes, den- tre outras possibilidades de atividades compostas e a compor o espectro do tempo livre, con- forme Norbert Elias e Eric Dunning (1992).

No contexto da educação, as/os trabalhadoras/es são outras/os, bem como desenvol- vem trabalhos diferentes daqueles desenvolvidos na fábrica, nas industrias, nas construções civis, dentre outros tantos espaços. Há nas tramas das relações laborais outras especificidades, contudo os dilemas enfrentados acerca da conciliação dos tempos de trabalho com os tempos livres parecem comuns, como apontam as lutas sociais nos últimos tempos, pelos movimentos sociais e sindicatos de categorias profissionais distintas, inclusive da educação, por diminui- ção dos tempos de trabalho e ampliação dos tempos livres.

No campo da educação, especificamente, as sobrecargas de trabalho na escola e sua progressiva continuidade na casa de professoras e professores se dá após as reformas educa- cionais que vêm ocorrendo no país, desde a década de 1990, as quais vêm arrastando para as escolas, novas demandas de trabalho, funções além da docência, dentre outros desafios.