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Tempos livres institucionalizados nos calendários: recessos, férias e feriados

NOS TEMPOS COTIDIANOS DOCENTES: O ESPECTRO DO TEMPO LIVRE

Grafico 30: Prática religiosas/Periodo semanal – por sexo

2.4. Tempos livres institucionalizados nos calendários: recessos, férias e feriados

Nos tempos cotidianos docentes, sob a forma de períodos livres institucionalizados nos calendários civis e escolares, existem alguns períodos em que os tempos livres podem ser considerados mais longos, dentre eles o recesso no mês de julho e as férias de final de ano, os quais podem ser considerados tempos livres do trabalho assalariado. Esses são, possivelmen- te, os únicos períodos nos quais os indivíduos conseguem se desvincular do trabalho escolar, alguns totalmente, outros em parte, pois há colegas que se preocupam com o retorno, com a condição dos alunos, além dos que aproveitam o distanciamento da escola para refletirem sobre suas práticas, para criarem novos métodos pedagógicos, para selecionarem material didático e se prepararem para o retorno ao trabalho. Também compõem esses tempos, além das férias, os feriados nacional, estadual e municipal e recessos, geralmente agregados a esses feriados ou em períodos, que nos calendários escolares de épocas pretéritas, eram também de férias.

Entende-se por recesso escolar uma suspensão ou curta interrupção do trabalho docente. No município de Porto Seguro, por se tratar de uma cidade turística, o recesso ocorre sempre no mês de julho, diferentemente de outras cidades baianas, onde o recesso ocorre em junho, no decorrer dos festejos juninos. Trata-se de não mais que 20 dias, nos quais algumas profes- soras e professores buscam relaxar e se desvincular do trabalho principal, enquanto outros procuram estudar e/ou trabalhar para complementar a renda, principalmente no turismo, como podemos observar nos relatos das professoras Lívia e Telma:

Não vejo a hora de chegar o recesso, ele é curto, mas dá pelo menos para es- pairecer um pouco, ficar um pouco com a família, sabe? Não dá para viajar, primeiro que a gente fica sem dinheiro, o recesso geralmente é na segunda semana de julho até a primeira de agosto, quando chega o dinheiro, acaba o recesso. Então fico em casa descansando, relaxando um pouco (Professora Lívia, mensagem pela internet, em 20 de junho de 2013).

(...) no recesso eu continuo trabalhando, é o período em que estou livre do trabalho da escola, então aproveito para aumentar um pouco as minhas ven- das, fazer compras, no máximo visitar a família e ficar em casa descansando (Entrevista concedida pela professora Telma, em 20 de outubro de 2013).

Quanto ao período de férias docentes, uma conquista do movimento trabalhista de longa data, um direito trabalhista, é uma interrupção relativamente longa do trabalho, destina- da ao descanso, ao relaxamento, à descontração. Em Porto Seguro, esses tempos são relativa-

122 mente longos, iniciam sempre no período natalino e só encerram após o carnaval, devido à quantidade de estudantes que trabalham no período de alta temporada turística. Nesse período as/os docentes sentem-se aliviados e fazem uma série de atividades, principalmente de lazer, como podemos observar no diálogo de Alice, Joana e Jaqueline:

Professora Alice : ah... o mês de janeiro foi muito massa... Eu fui pra

praia bastante, em vários momentos. Foi muito legal assim... eu acho que a curtição maior foi a praia mesmo. O mês de janeiro foi muito bom... muito praia... final de tarde... noite, assim... lua... Ah... essas coisas da natureza... contando que o mês de janeiro até um dia desses a gente estava quebrada... (risos).Então, eu só tinha programa sem gastos... eu não fazia mais nada, mas deu pra aproveitar bastante, nossa... eu fui muito pra praia... muitas pessoas diferentes... foi bem legal... ainda tá sendo... hoje aqui também... (risos)

Professora Jaqueline: Ah... janeiro pra mim... olha, eu fiz uma coisa que

toda manhã eu gosto de fazer... é acordar tarde! Então eu acordei muito tar- de... me diverti com os amigos na Passarela... fui à praia... não tomei sol! Mas fui. É... assisti a filme... fui a aniversários... a churrascos na casa de a- migos (...)

Professora Joana: O meu mês de janeiro foi muito... minhas férias... foram

as melhores férias até então né? Fui pro local que eu queria ir né? Principal- mente junto da minha família... conheci muita gente legal... me diverti mui- to... ambientes diferentes... todo dia eu saía pra um lugar diferente... conhe- cia gente nova... foi maravilhoso... detalhes... (Grupo Focal nº 7, realizado em 10 de fevereiro de 2013)

Enquanto as professoras Joana, Jaqueline e Alice apresentaram os pontos relevantes das férias, como passeios à praia, as festas, viagens, sociabilidades, Jocélia aponta essas mes- mas vantagens, mas também revelam que, por morar em Porto Seguro, quase não descansa, porque trabalha o ano inteiro, e geralmente quando está de férias, recebe muitas visitas de parentes e amigos que moram noutras cidades, conforme relata:

Tive visita de QUATRO pessoas de Goiás do dia 20 de Dezembro até dia 25 de Janeiro. Sendo que nesse período recebi mais de 30 pessoas no período do Natal e chegada do Ano Novo. Casa superlotada, detalhe: Só pude ir a praia um dia, pois não tenho ajudante, ou seja, sou eu quem faço tudo. Estas visi- tas demoradas tbem, fez com que me atrasasse na minha monografia da pós que teria que entregar. Só tenho este resto de semana para fazer isto (Profes- sora Jocélia, mensagem pela internet, em 21 de janeiro de 2013).

Passando aos feriados, são todos os dias em que se suspende o trabalho e as aulas, por prescrição civil ou religiosa, durante o ano letivo. Na cidade de Porto Seguro, durante o ano, entre março e dezembro, período letivo, contamos com os feriados oficiais que são 08, 02 estaduais e 07 municipais. Esses tempos, que convencionalmente chamamos de livres, consti-

123 tuem tempos de muito trabalho e pouca diversão, pois são destinados a colocar o trabalho docente atrasado em dia, fazer faxinas mais amiúde, além de também receber visitas. É ilus- trativo o relato da professora Lúcia, a esse respeito:

Meu feriado foi corrido, recebi visitas durante o feriado, uma amiga com dois filhos e uma sobrinha, quase fiquei doida, não consegui produzir nada, me es- tressei, e cheguei morta na segunda-feira na escola. Sinceramente preferia nem ter tido essa folga, me cansei mais do que quando tô trabalhando, agora tô ten- tando recuperar o tempo perdido (rsrsrs). Também, não foi só tragédia, me di- verti um pouquinho no sábado, com a visita dos meus irmãos, foi muito bom a farrinha que fizemos (Professora Lúcia, mensagem pela internet, em 09 de se- tembro de 2013).

Como os demais, os tempos livres institucionalizados nos calendários, como feriados, recessos e férias, não são homogêneos para as/os docentes. E mesmo que se destinem a perío- dos de não trabalho, e ainda que possa sempre neles haver algum ganho de descanso e de tempos efetivamente livres, muitas vezes se misturam a tarefas não somente da casa, mas da docência, da complementação salarial e outras, no espectro geral dos tempos livres do cotidi- ano das/os docentes, que buscamos apresentar, num panorama geral, neste capítulo.

Nos três capítulos que seguem apresentaremos as três formas do tempo livre as quais já foram anunciadas nos capítulos anteriores: as duas primeiras a regenerativa e compensativa, partindo do princípio organizativo das atividades de tempo livre, como fez precursor Joffre Dumazedier (1994) para, através do pensamento crítico de Jurgen Habermas (1982), analisar criticamente a configuração dessas duas formas e elucidar como o trabalho, enquanto eixo estruturador do cotidiano na modernidade, suspende os tempos livres, devido as politicas eco- nômicas, as novas formas de controle social, a supremacia da indústria cultural, dentre outros fatores que tem conduzido os indivíduos a experienciarem cotidianamente uma sensação de falta de tempo e necessidade de trabalhar mais. Esse fenômeno é explicado pelo autor como a forma suspensiva do tempo livre, o qual, na concepção do autor, torna-se uma fábula, ou ex- periências temporais esporádicas, imprensadas, escassas.

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CAPITULO 3

O TRABALHO SEM FIM

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E A SUSPENSÃO DO TEMPO LIVRE

Nos marcos das sociedades modernas, a noção de tempo tornou-se mercantil: compra- se e vende-se tempo de trabalho, como se houvesse sempre uma necessidade de consumi-lo, comercializá-lo e utilizá-lo. Sendo assim, seria insultante desperdiçá-lo ou vivenciá-lo de forma livre e prazerosa. Nesse processo de mercantilização do tempo, os ritmos da vida coti- diana se estruturam em torno do trabalho assalariado, que exige e suga dos trabalhadores, ca- da vez mais, as suas capacidades de produzir, conforme Edward Thompson (1984).

Até mesmo nos tempos livres, os indivíduos executam trabalhos sem a determinação exógena e sem as exigências do trabalho profissional25. Na contemporaneidade, esse compor- tamento pode ser visto tanto na continuidade do trabalho produtivo fora da instituição de la- bor, quanto na realização de trabalhos reprodutivos não remunerados, como, por exemplo, o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos e de outras pessoas. E, também, trabalhos extras para complementar a renda, forma de comportamento ou de manifestação do tempo livre, que Erich Weber (1969) denominou de forma suspensiva do tempo livre.

Sendo assim, o autor assegura que o trabalho se apresenta como um elemento suspensivo do tempo livre, ou seja, os indivíduos assumem obrigações extras, seja para produzir mais recursos financeiros, seja para o provimento da casa, o cuidado de si e de outros, seja para as compras e atividades de gestão familiar, dentre outras. Há um processo de expropriação do tempo livre das pessoas, de maneira suave e invisível, de forma simbólica. Ou seja, o indivíduo diz estar livre do seu trabalho, mas tem sempre algo por terminar, por observar, por zelar, por fazer. O trabalho está sempre ligado ao seu corpo, seja nas atividades concretas, seja pelo telefone celular, internet, dentre outros aparatos que foram inventados para fins plurais.

De um lado, as pessoas estão sempre preocupadas com o que fazer de útil em seu tem- po livre, já que são impedidas de realizarem qualquer atividade da sua vida privada, ao longo de suas jornadas nos locais de trabalho. Dessa maneira, aqueles que dispõem de recursos fi- nanceiros e de tempo ficam atentos à programação do dia, aos eventos, enquanto outros a- guardam o seu tempo livre para resolver centenas de problemas acumulados em banco, cor-

24 Expressão “trabalho sem fim”, foi utilizada por Danilo Martuccelli e Kátia Araújo (2012), para expressar a

125 reios, comércio, dentre outros. De outro lado, muitas e muitos trabalhadoras/es se vinculam a outras empresas, fazem atividades remunerativas paralelas para aumentarem seus rendimen- tos, além de assumirem o trabalho de casa, Deste modo, enquanto para uns o tempo livre é regeneração e compensação do corpo, para outros é trabalho, é uma outra labuta.

Entende-se por forma suspensiva do que chamamos tempo livre, a continuação do tra- balho profissional em casa ou em outros espaços de vivência da esfera privada, em tempos que não são destinados ao trabalho. Também essa forma se manifesta com as obrigações reli- giosas, trabalhos voluntários e participação em movimentos sociais que, mesmo trazendo uma suposta satisfação pessoal, exige esforço, dedicação e a realização de atividades físicas e/ou mentais. Na concepção de Jurgen Habermas (1982), se o tempo liberado do trabalho é ocupa- do por mais trabalho, mesmo que seja de natureza distinta daquele que produz o sustento do indivíduo, o tempo livre perde o seu sentido primeiro, aquele sentido utópico do ócio, da con- templação, do deixar que os acontecimentos passem, vez que a sociedade de consumo não deixa que isso ocorra, porque ela produz riquezas sobre o tempo livre, o que faz dele objeto de especulação e investimento. Desse modo, quando o tempo livre é ocupado com o trabalho, com obrigações, com determinações externas, infringem-se as prerrogativas do que conven- cionalmente chamamos tempo livre, suspende-se o desejo, a satisfação, o prazer e o tempo para si mesmo, porque não dizer, a satisfação das necessidades humanas. Sendo assim, o tra- balho, seja qual for a sua procedência e/ou função, exige a suspensão da satisfação imediata dos desejos e transfere as energias de realização do indivíduo para as tarefas, para os tempos de ocupação, conforme Jurgen Habermas (1984).

No campo da educação, esta realidade e fatos enfatizados acima são uma constante presença. É possível observar, diariamente, as/os trabalhadoras/es sobrecarregadas/os de tra- balho, especialmente na Educação Básica, na qual as/os educadoras/es passam mais tempo com seus alunos/as. Além disso, assumem mais salas de aula do que em outros níveis de ensi- no. A forma como o trabalho suspende as atividades de lazer e de outras práticas culturais, na experiência dos tempos cotidianos docentes, é visível, é alarmante. O trabalho está marcado no próprio corpo das/dos docentes, muitas vezes um corpo cansado, quando não exaurido, como se observa em várias situações: do discurso feito palavra e relato, ao gesto, aos movi- mentos corporais; às faces que habitam os territórios da escola, da sala de aula, como também na rua, nas casas, onde estejam.

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Segundo Erich Weber (1969), nos tempos livres os indivíduos podem realizar trabalhos que não obedecem regras externas, são os próprios sujeitos que regulam os tempos dedicados a eles, os quais podem ser para mais ou para menos, a depender da necessidade e/ou satisfação pessoal.

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