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A acessibilidade no contexto da cidade compacta

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

2. Acessibilidade: Os transportes como fator de inclusão social

2.1 A acessibilidade no contexto da cidade compacta

Apesar de o modelo de crescimento sprawl reunir algum consenso quanto aos efeitos indesejáveis que gera, a comunidade científica divide-se entre os argumentos a favor e contra o modelo alternativo neo-tradicional da cidade compacta (Camagni et al., 2002). O debate sobre os impactos das diferentes formas urbanas em termos ambientais e sociais foi bastante intenso no contexto dos

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E.U.A. tendo-se tornado, recentemente, também um importante desafio na Europa (Camagni et al., 2002). Uma parte dos investigadores segue uma linha neo-liberalista segundo a qual não se deverá recorrer ao planeamento como forma de intervenção. Outros autores seguem uma linha neo- reformista apostando na dimensão normativa para conter os impactos económicos, sociais e ambientais da intensa suburbanização (Camagni et al., 2002). Portugal é um país com forte tradição de natureza regulamentar na organização e gestão do território. Porém, tal não tem sido suficiente para travar a expansão e fragmentação da generalidade dos territórios que atualmente enfrentam enormes dificuldades ao nível da gestão da mobilidade.

O debate em torno do modelo de cidade compacta assumiu uma intensa discussão, principalmente a partir de 1980, emergindo como um retorno/alternativa ao crescimento extensivo da cidade. O crescimento económico e a facilidade no acesso ao crédito sustentam o desejo das famílias em adquirir uma residência com logradouro, geralmente, a preços consideravelmente mais baixos na periferia. Os próprios agentes imobiliários encontram nestas áreas terrenos disponíveis a preços mais atrativos e exercem uma pressão sobre o mercado imobiliário na criação de urbanizações de baixa densidade. Para colmatar o défice de acessibilidade destes espaços os planeadores e os políticos implementam novos investimentos públicos, essencialmente, rodoviários. O automóvel privado soluciona, numa primeira fase, os problemas de mobilidade resultantes do afastamento destas áreas urbanizadas. Naturalmente que este desejo das famílias por uma residência com maior qualidade inibe políticos em retroceder neste processo de crescimento urbano apesar dos efeitos coletivos que acarreta. É nesta medida que mesmo um modelo de cidade compacta, reconhecidamente mais favorável para alcançar os objetivos de sustentabilidade, encontra críticos e resistências à sua implementação.

A cidade compacta está associada às altas densidades, com o desenvolvimento monocêntrico, potenciando os usos do solo mistos e baseia-se num sistema de transportes públicos eficientes para reduzir a quota do uso do automóvel (Burton, 2000). Porém, Ewing (1997) refuta esta abordagem considerando que o desenvolvimento compacto requer algum grau de concentração, de clustering residencial e uso misto dos solos, contudo, não é nem altas densidades nem desenvolvimento monocêntrico (Ewing, 1997). Nos E.U.A. as bases das cidades compactas estão próximas das enunciadas pela corrente transit oriented development (T.O.D.) ou de cidades neo-tradicionais, estando suportadas pelo movimento smart growth (Newman, 2005).

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Este modelo de cidade contribui para uma maior repartição modal do transporte com maior ênfase nos transportes públicos. Contrariamente, a cidade dispersa aumenta a suburbanização residencial, industrial e comercial. Atualmente, o crescimento em extensão dos espaços tem estimulado a utilização do veículo automóvel. Refletindo sobre as viagens intraurbanas observa-se que estas caracterizam-se por ter múltiplos propósitos. Paralelamente, são cada vez mais frequentes as várias paragens ao longo da jornada diária dos indivíduos, geralmente, em função da proximidade das oportunidades como é o caso das instituições para crianças (berçários, creches, infantários) ou das farmácias (Kwan, 1999). Porém, estas características são difíceis de compreender, uma vez que os dados sobre mobilidade, quando existem, aparecem agregados e não a nível individual. A relação entre a forma urbana e os padrões de mobilidade não é, por isso, fácil de comprovar. Tal deve-se ainda ao facto de esta relação não ser direta havendo a influência de outros fatores como, por exemplo, os rendimentos familiares.

Dielman et al. (1999) avaliaram o impacto das políticas de cidade compacta implementadas na região de Randstad, na Holanda. Concluíram que as políticas foram um sucesso, uma vez que sem estas as áreas verdes teriam sido invadidas por novas áreas residenciais e industriais, e por se ter invertido a tendência de decréscimo na população urbana que se vinha registando. Contudo, estas políticas não tiveram o mesmo impacto no que diz respeito à mobilidade. Apesar de na Holanda os modos suaves, “andar a pé” e de bicicleta, serem dos principais meios de deslocação, segundo os autores, tal não resulta diretamente deste modelo de planeamento urbano. Também, ao nível da influência dos transportes públicos, segundo aqueles autores, não se registaram vantagens significativas relativamente a outras cidades da Europa Ocidental.

No entanto, outros estudos desenvolvidos nos países nórdicos, comprovam a influência das variáveis da estrutura urbana nas opções de mobilidade. A necessidade de deslocação dos indivíduos e o meio de transporte que utilizam são influenciados pela densidade, localização residencial e do emprego, rede viária, estacionamentos e pela rede de transportes públicos (Naess, 2003). O grau de compacidade e a densidade residencial da cidade influencia diretamente o consumo de solo e indiretamente o consumo de energia por via dos padrões de mobilidade (Camagni et al., 2002). A distância entre a residência dos indivíduos e a “baixa” ou Central Business District (C.B.D.) são um factor determinante na acessibilidade a um vasto conjunto de oportunidades. Ao nível local, também as densidades populacionais contribuem para a quantidade

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de viagens necessárias e para a intensidade do uso do automóvel. Do mesmo modo, o aumento da capacidade das estradas contribui para o aumento de veículos em circulação, nomeadamente nas horas de ponta (Naess, 2003).

Assim, com vista a obter uma mobilidade mais sustentável nos territórios, na literatura anglo- saxónica é consensual a necessidade de abandonar o modelo de crescimento extensivo e de baixa densidade dos territórios, já que este gera, habitualmente, níveis inferiores de acessibilidade no território. Contudo, não existe consenso quanto ao modelo de crescimento alternativo.

Não obstante, as políticas de desenvolvimento orientadas pelos transportes Transited Oriented Development (T.O.D.) têm maior acolhimento nos movimentos neo-tradicionais e no novo urbanismo vocacionados para explorar as potencialidades da cidade compacta (Cervero et al., 2002). Esta corrente afigura-se como um caminho alternativo coerente para travar o sprawl e aproximar os territórios com maior dispersão da população e das atividades das bases que sustentam os ideais das cidades mais compactas. Entre estas destacam-se as altas densidades, os usos mistos do solo, a prioridade para os modos de mobilidade mais sustentáveis (que não o automóvel), designadamente os transportes públicos, pedonais e cicláveis. Nestas condições passamos a definir os principais corredores de transportes (rodoviários e ferroviários) como os principais eixos para promover o crescimento demográfico e das atividades. Estes deverão ser dotados de eficientes sistemas de transportes alternativos ao automóvel.

Na senda do exposto, a integração entre o planeamento do uso do solo e dos transportes é reconhecido como essencial, pese embora seja sistematicamente ignorado nas práticas correntes de planeamento. Centrando a definição da acessibilidade sobre o que pode ser alcançado a partir de um determinado ponto no espaço, pode ser um ponto de partida para esta integração. Por um lado, orienta as políticas de uso do solo para as altas densidades, para os usos mistos do solo e para as deslocações em meios de transportes mais sustentáveis. Por outro lado, permite alcançar objetivos socioeconómicos e ambientais, promovendo a equidade e a qualidade de vida da população (Wegener e Fürst, 1999; Priemus et al., 2001; Bertolini et al., 2005; Curtis, 2008). O Reino Unido foi o pioneiro na utilização, nos últimos anos, de uma política orientada para o planeamento das acessibilidades (Daniels e Mulley, 2010). O Relatório Making the Connections: Final Report on Transport and Social Exclusion, produzido no âmbito da Unidade de Exclusão Social

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(Social Exclusion Unit - S.E.U.), do governo do Reino Unido, contribuiu de forma significativa para esta corrente do planeamento das acessibilidades. O relatório detetou que os transportes são uma barreira para a população aceder a serviços essenciais, como o emprego ou a saúde. Relativamente aos equipamentos de saúde verificou-se que era particularmente dificil aceder ao Hospital para a população que dependia dos transportes públicos. Tal implica um atraso na prestação dos cuidados de saúde a uma grande parte da população (Karen, 2006).

No Reino Unido, as instiuições governamentais reconheceram, então, o papel dos transportes em promover uma deslocação saudável para o trabalho, na redução da criminalidade e na redução das desigualdades no acesso aos serviços de saúde e de educação. Consequentemente, foi desenvolvido um programa para ser aplicado à escala local (Karen, 2006). De acordo com este programa, as autoridades locais devem, no âmbito dos planos locais de transporte e de acessibilidade, melhorar o acesso ao emprego, à educação, aos serviços de saúde e outros serviços relevantes no âmbito local (Social Exclusion Unit, 2003). Procurou-se dar especial relevância ao acesso dos grupos com maiores desigualdades como é o caso dos idosos. Apesar desta perspetiva recente do planeamento das acessibilidades ela está a ser concretizada em paises como a Holanda, a Nova Zelândia e os Estados Unidos da América, sobretudo no Sul da Califórnia (Chapman e Weir, 2008).

O cerne do planeamento das acessibilidades, é promover a integração entre transportes e uso do solo garantindo que os agentes locais de planeamento melhoraram a informação sobre os espaços com níveis mais baixos de acessibilidade. Centradas numa perspetiva dos residentes, as práticas de planeamento são desenvolvidas com vista a tornar o processo de decisão sobre os transportes e uso dos solos mais transparente, integrado e equitativo. Também parte de uma estratégia orientada para os grupos de população mais desfavorecidos (Karen, 2006; Graham, 2010). Numa visão mais ampla de acessibilidade reconhece-se que a maior ou menor facilidade em alcançar os serviços não deriva exclusivamente da problemática dos transportes, mas também, das práticas de planeamento do uso do solo (John, 2007).

Assim, em termos de planeamento urbano e de transportes é fundamental transitar do enfoque na mobilidade para o da acessibilidade criando, desta forma, espaços onde seja possível potenciar a promoção da utilização de meios de transporte mais sustentáveis. Ao mesmo tempo confere-se a estes espaços maior acessibilidade reduzindo as desigualdades económicas e sociais dos indivíduos

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para acederem às oportunidades que estão disponíveis. Esta forma de pensar o espaço, por via do aumento da acessibilidade, é também um contributo para aumentar a qualidade de vida das populações, desígneo tão almejado por planeadores e decisores políticos.