• Nenhum resultado encontrado

A análise backcasting aplicada ao estudo da mobilidade sustentável

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

2. Acessibilidade: Os transportes como fator de inclusão social

2.3 Os cenários no contexto dos future studies

2.3.2 A análise backcasting aplicada ao estudo da mobilidade sustentável

A utilização da metodologia backcasting em estudos sobre os sistemas de transportes é considerada a mais adequada devido aos resultados positivos obtidos na elaboração de planos de transportes sustentáveis (Carlsson-Kanyama et al., 2008; Miola, 2008; Vergragt e Quist, 2011). Os estudos mais recentes que utilizam esta abordagem invocam a necessidade de combinar os cenários qualitativos (baseados em narrativas) com a modelação quantitativa, tal como foi desenvolvido no estudo da Global Scenarios Group da World Business Council for Sustainable Development (W.B.C.S.D.) e, em Portugal, no trabalho do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (I.P.C.C.).

Considerando que a metodologia backcasting procura articular as imagens alternativas do futuro existem duas formas de as integrar na análise (Robinson, 2003):

- a equipa de investigação articula os critérios para escolher e avaliar as imagens do futuro desejáveis;

- o estudo envolve diversos grupos de stakeholders para definir e avaliar os futuros desejáveis. O último tópico serviu de base ao trabalho intitulado Georgia Basin Future desenvolvido por Robinson que se caracterizou por ter uma forte componente de interação social. A metodologia utilizada e reconhecida como a “2.ª geração” da análise backcasting caracteriza-se por integrar a modelação, a análise de cenários e por envolver os stakeholders (Robinson, 2003; Carlsson- Kanyama et al., 2008).

123

Tradicionalmente os estudos sobre os transportes procuraram compreender o comportamento dos indivíduos, embora Banister (2005) considere que estes estudos continuam orientados para a redução do tempo de viagem e dos custos de transportes (custos ambientais locais como ruído, poluição do ar e visual) cujo debate começa a abranger escalas mais amplas como a poluição global, chuvas ácidas e os efeitos na saúde (Knowles et al., 2008; Miola, 2008). Banister (2005) também considera ser fundamental desenvolver sistemas de transportes sustentáveis, bem como, criar novas metodologias para medir a qualidade de vida, os impactos sociais e os custos ambientais (Banister, 2005).

No século XXI os transportes evidenciam inúmeras tendências tidas como insustentáveis devido ao aumento da taxa de motorização e ao consumo de recursos naturais que conduzem ao agravamento dos problemas da emissão de gases poluentes, de acidentes, do ruído e da degradação da saúde da população (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2002). Os transportes são um dos setores que mais contribuem para a emissão de gases poluentes designadamente, o dióxido de carbono (CO2), o óxido de azoto (NOx), as partículas

em suspensão (PM), o dióxido de enxofre (SO2), o monóxido de carbono (CO), o chumbo (Pb), o

benzeno e os componentes voláteis (CmHn) (Miola, 2008). A Comissão Europeia, através da comunicação 2020 by 2020 Europe’s climate change opportunity colocou o objectivo de reduzir 20% na emissão de gases com efeito de estufa (G.E.E.), designadamente o CO2, que se considera

ser o principal poluente (Miola, 2008).

A generalidade dos estudos sobre o futuro dos transportes aponta para o aumento do transporte de passageiros e do uso do automóvel. Defende-se que o tempo de viagem total por pessoa/dia ronde atualmente a 1.1 hora e que nos países, com uma taxa de viaturas per capita igual ou superior a 0,2, deviam limitar as despesas com transportes a cerca de 10 a 15% do vencimento familiar (Schafer e Victor, 2000; Moriarty e Honnery, 2008). A maioria dos estudos governamentais aposta na melhoria tecnológica para solucionar os problemas ambientais apesar de Moriarty e Honnery (2008) considerarem que esta solução per se não resolve o problema das emissões, uma vez que o problema ético não se resolve mudando o tipo de combustível. Para estes autores a solução passa por desenvolver um novo sistema de transporte baseado na sustentabilidade eco-social apostando nos modos não motorizados e nos transportes públicos (Moriarty e Honnery, 2008).

124

Considerando os objectivos fixados pelo Protocolo de Quioto, o desafio que os paises enfrentam para a redução da emissão dos Gases com Efeito de Estufa (G.E.E.) é enorme. Nos países do Espaço Económico Europeu (E.E.E.), as emissões dos G.E.E. provenientes do setor dos transportes tem vindo a aumentar, contrariamente à tendência verificada pelos setores da indústria, da habitação ou da produção de energia. Neste território as emissões provenientes do setor dos transportes, exceto o aéreo e o marítimo, corresponderam a cerca 19%, em 2007. Tal representou um crescimento médio, no E.E.E., de 28% entre 1990 e 2007. Relativamente aos países ibéricos este aumento foi claramente superior à média observada no E.E.E., tendo-se cifrado nos 92% em Portugal e nos 95% em Espanha (European Environment Agency, 2010).

O transporte rodoviário de passageiros e mercadorias continuará a manter-se como o principal modo de transporte caso não sejam adotadas ações para inverter esta situação. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas definiu como alvo para os países desenvolvidos uma redução das emissões de CO2 na ordem dos 80% para 2050, relativamente aos níveis

observados em 1990 (European Environment Agency, 2010).

A tecnologia pode contribuir para o cumprimento deste objetivo, nomeadamente com a introdução de veículos elétricos que se prevê ser uma das medidas que mais poderá contribuir para a redução de CO2 (European Environment Agency, 2010). Certamente que a introdução destes veículos,

eventualmente com a atribuição de subsídios para a sua aquisição e, por isso, com preço de aquisição mais atrativo e com combustível a preços substancialmente mais baixos, contribuirá para a melhoria da qualidade ambiental. Porém, é fundamental refletir sobre os impactos que estas condições terão no aumento da taxa de motorização dos indivíduos, que se poderá refletir num aumento substancial das deslocações em automóvel. É de igual modo importante avaliar a capacidade de carga dos núcleos centrais e das áreas contíguas a estes, bem como, das vias de circulação rodoviária com o objetivo de se perceber em que medida a introdução destes veículos pode aumentar o seu congestionamento.

De facto, sustentar a redução das emissões com base exclusivamente na tecnologia é insuficiente. Conforme menciona o relatório TERM, publicado em 2010, pela Agência Europeia de Ambiente, da Comissão Europeia, é necessário implementar um pacote de medidas que não se cinja às inovações tecnológicas. Estima-se que estas apenas contribuam para uma redução de 40% das emissões, sendo fundamental apostar também nas altas densidades populacionais e no uso misto

125

dos solos. Estas medidas, apesar de não terem um impacto imediato, são um contributo fundamental para mudar o atual cenário da quota modal no setor dos transportes (Figura 15).

Figura 15 - Efeitos da combinação de medidas na redução das emissões de CO2, pelo setor dos

transportes, em 2050

Fonte: EEA, TERM - Towards a resource-efficient transport system, 2009: 29.

A metodologia backcasting pode ser um contributo importante em planeamento de transportes, podendo-se identificar o futuro que se deseja alcançar, por exemplo em 2050, em termos de mobilidade. Tendo em vista a sustentabilidade ambiental e a melhoria da qualidade de vida da população do município de Braga, parte-se de uma base de redução em 50% na emissão de CO2,

proveniente da circulação automóvel e do aumento da quota de utilização dos transportes públicos e dos modos suaves. O esquema conceptual que poderá ser adotado, num município como o de Braga, encontra-se exemplificado na Figura 16.

126

Figura 16 – Enquadramento da visão para 2020 da mobilidade urbana em Braga na abordagem backcasting

Fonte: Elaboração própria.