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O enfoque da última reforma na proximidade e na acessibilidade

PARTE II. ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE AOS SERVIÇOS DE SAÚDE

3. Caracterização da área de estudo e do sistema de saúde em

3.3 Organização e evolução do sistema de saúde

3.3.1 O enfoque da última reforma na proximidade e na acessibilidade

Um dos grandes referenciais do novo ciclo das políticas de saúde é o relatório Lalonde, produzido no Canadá em 1974. Reconheceu-se que para se solucionar os problemas de saúde é necessário ir para além das intervenções específicas no setor bem como incluir os fatores sociais (Simões, 2007).

Outro marco importante nas políticas de saúde foi a “Declaração de Alma-Ata” publicada em 1978, na sequência da conferência internacional sobre cuidados de saúde primários. Esta regeu-se pelo desígnio “saúde para todos no ano 2000” tendo alertado que nos países com maiores debilidades económicas e sociais as instituições e os setores de atividade têm um papel fundamental na promoção da saúde. Também se frisou que os cuidados de saúde primários são serviços essenciais que devem estar universalmente acessíveis aos indivíduos e às famílias (Pereira e Costa, 2007). Porém, as características dos territórios, associadas às práticas/estratégias de planeamento, ou

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ausência destas, podem influenciar positiva ou negativamente a acessibilidade dos indivíduos e das famílias aos serviços de saúde (Santana et al., 2010a).

A 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde decorreu no Canadá, em 1986, concretizando-se na “Carta de Ottawa”. Esta Carta lançou o desafio de uma nova saúde pública, realçando a justiça social e a equidade. De acordo com a revisão do quadro legal da Lei de Bases do sistema de saúde em Portugal, de 1990, afirma-se que “é objetivo fundamental obter igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços” (Lei nº 48/90). Porém, só com o Plano Nacional de Saúde (P.N.S.) 2010-2016 se adotou uma estratégia coordenada para a promoção da equidade na saúde e do acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010). Esta estratégia tem estado presente nos últimos relatórios da Organização Mundial de Saúde (2008 e 2010).

Podemos identificar três gerações de centros de saúde. Em 1971 procedeu-se a uma reforma do sistema de saúde, conhecida pela reforma de “Gonçalves Ferreira” onde se implementaram os “centros de saúde de primeira geração”. A filosofia destes equipamentos centrava-se na proteção da população, prevenção das principais doenças infecto-contagiosas e na assistência aos grupos mais vulneráveis da sociedade, designadamente as mulheres e as crianças. Em 1974 foram criadas as condições políticas e sociais para implementar o Sistema Nacional de Saúde (S.N.S.) português que surgiu um ano após a “Declaração de Alma-Ata” (Pereira e Costa, 2007).

Em 1983 surgem os “centros de saúde de segunda geração” que resultaram da fusão dos “centros de saúde de primeira geração”, dos postos médicos-sociais e dos Hospitais concelhios (Direcção Geral de Saúde, 2002; Martins, 2011). Esta fusão conduziu a uma maior racionalidade na prestação dos cuidados primários. Contudo, contrariamente ao esperado não produziu efeitos na melhoria da acessibilidade às consultas ou às visitas domiciliárias (Branco e Ramos, 2001).

Nos últimos anos têm-se realizado novas transformações na organização do Sistema Nacional de Saúde que irão culminar nos “centros de saúde de terceira geração”. Esta reorganização, ainda em curso, assenta na implementação de autonomia administrativa e financeira e na organização assente em unidades funcionais, tecnicamente autónomas e funcionalmente interligadas. Estas devem favorecer a proximidade e a acessibilidade ao cidadão (Direcção Geral de Saúde, 2002).

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Atualmente o cerne das unidades que prestam cuidados de saúde primários são os centros de saúde e as unidades de saúde familiar. Os hospitais prestam cuidados hospitalares (secundários), que são mais diferenciados e abrangentes do que os cuidados primários. Por fim, os cuidados continuados estão vocacionados para a recuperação e a reintegração de doentes crónicos e de pessoas em situação de dependência, bem como de assistência ao domicílio. As farmácias são unidades do Sistema Nacional de Saúde assumindo-se como um dos veículos mais importantes, pois é nestes serviços que são dispensados os medicamentos sujeitos a receita médica.

Presentemente assiste-se a uma reorganização do sistema de saúde que incide fundamentalmente no sistema de prestadores de cuidados de saúde primários e que é composto por todas as entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde. Pode ser dividido em diferentes níveis de organização, conforme representado no Quadro 7.

Quadro 7 – Unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde em Portugal

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Os Cuidados de Saúde Primários (C.S.P.) são um dos pilares do sistema de saúde português, sendo frequentemente apontados como uma prioridade nos discursos políticos. Considerando que os prestadores destes cuidados de saúde devem primar pela sua proximidade ao cidadão e pelo contributo que prestam na melhoria da qualidade de vida da população portuguesa têm estado a ser alvo de uma reforma. O Serviço Nacional de Saúde, na sua recente estratégia de descentralização da gestão de serviços, criou os Agrupamentos de Centros de Saúde (A.C.E.S.), em substituição das sub-regiões de saúde.

No preâmbulo do Decreto-lei nº 28/2008, refere-se que com a introdução da figura do A.C.E.S., reconhece-se a “necessidade de incrementar o acesso dos cidadãos à prestação de cuidados de saúde, assim como a melhor forma de os gerir, sem esquecer os ganhos em saúde conseguidos pelas unidades de saúde familiar”. Os A.C.E.S. são serviços de saúde, com autonomia administrativa, que têm por missão garantir a prestação de cuidados de saúde primários à população inserida na sua área geográfica de influência. Estes são constituídos por várias unidades funcionais (Unidade de Saúde Familiar, Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados, Unidade de Cuidados na Comunidade, Unidade de Saúde Pública e Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados) que atuam numa lógica de complementaridade, com as quais o A.C.E.S. contratualiza a prestação de serviços. Muitos dos A.C.E.S ainda estão a organizar-se em consequência da última reforma.

As Unidades de Saúde Familiar (U.S.F.), dos centros de saúde, consistem na formação de equipas multiprofissionais, centradas em especialistas de Medicina Geral e Familiar, que se agrupam voluntariamente. As U.S.F. visam aperfeiçoar a prestação de cuidados de medicina familiar mantendo uma relação de proximidade com a população e privilegiando a escolha do médico pelo utente.

Durante o ano de 2009 foi iniciado o processo de constituição das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizadas (U.C.S.P.). Estas são estruturas que integram os médicos, enfermeiros e administrativos não integrados nas Unidades de Saúde Familiar (U.S.F.), e de que resultou um mapeamento mais racional das unidades de prestação.

A constituição da Unidade de Cuidados na Comunidade (U.C.C.) é uma das novidades desta reorganização. Estas revelam-se como a ligação entre o centro de saúde e a comunidade a qual

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deve identificar os indivíduos, as famílias e os grupos em situação de maior vulnerabilidade. Por seu turno as Unidades de Saúde Pública (U.S.P.) visam integrar toda a rede de saúde pública.

Considerando que as realidades variam muito de local para local é grande o desafio da interligação entre as várias unidades operacionais destes centros de saúde de terceira geração. Em todo o caso os cidadãos, a proximidade e a acessibilidade aos serviços de saúde são vertentes que sobressaem nesta reestruturação. Porém, apesar deste enfoque é difícil descortinar nesta reforma qualquer medida concreta que promova/incentive a localização geográfica mais adequada das unidades operacionais assentes em critérios de acessibilidade. Este é um aspeto central para alcançar o desiderato de se disponibilizar o serviço de saúde mais próximo de quem mais precisa.